💫 Pontes Imortais ― Capítulo 9

Eu tenho um convite

Sextamos depois de feriado, com direito a sexta-feira 13 (com surpresinha no fim do capítulo) e capítulo novo de Pontes Imortais! Boas vindas ao segundo ato da história e cuidado que a bruxa da falta de comunicação tá solta hoje! 🎃

No capítulo anterior… Rufam os tambores da revelação, porque nosso querido curandeiro Yan acabou de descobrir que Li’a é nada mais nada menos do que Maali, o ex-noivo dele e de Oz, que todos julgavam estar morto. O desenrolar dessa treta é algo que deixo para a semana que vem, já que hoje voltamos a São Paulo para entender um pouco mais da relação entre Vi e Yue. Será que eles já sabem que os dois tão crusheando o mesmo carinha?

A trilha-sonora deste capítulo é Passarinhos, do Emicida com participação de Vanessa da Mata. Eu amo, e vocês?

Pontes Imortais

Capítulo 9 — Eu tenho um convite

São Paulo, 2023

Pouco tinha passado das onze da manhã quando a Harley estacionou diante da casinha estreita de fachada roxa. O muro baixo dava para um jardim improvisado, o piso de cimento queimado coalhado de grandes vasos de barro com ervas e cactos. Uma romanzeira magrela dentro de um canteiro circular sobrevivia a mais um inverno. Dali a alguns meses, estaria carregada de frutos que se transformariam em chás, lambedores e geleias.

― Oi, tia! ― Vi saudou depois de tirar o capacete e esfregar a mão no cabelo meio pontilhado de suor. Puxou o apoio da moto com o pé, ajeitando-a bem perto do meio-fio para não atravancar o pouco espaço da rua. Do bagageiro preso atrás do assento, tirou duas sacolas retornáveis, pesadas de compras.

A senhora meio inclinada sobre um dos vasos pousou no chão o regador de plástico verde e enxugou as mãos sobre o avental rosado que usava sobre o vestido, oferecendo ao rapaz um sorriso de boas-vindas.

― Chegou a tempo do café recém-passado, menino. E coloca essa moto aqui pra dentro do portão. — Ela o abriu, dando passagem.

― Aí sim, tia! ― Ele pousou as sacolas na soleira da porta junto com o capacete, então voltou para buscar a moto, envolvendo a senhorinha em um abraço de urso no caminho. Ela era tão minguada quanto a romanzeira, mas tinha olhos vivos que pairavam sobre Vi, espertos.

― Você fez besteira, não fez?

― Cadê ele? ― Vi esfregou a mão na nuca, olhando na direção da porta aberta.

― Lá no fundo, consertando o chuveiro.

― Deu problema de novo?

― Ah, menino, essa casa tá caindo aos pedaços que nem a gente.

― Que é isso, tia! ― Vi meneou a cabeça e a segurou pela mão, cuja pele fina era marcada por manchas senis, fazendo a mulher dar uma voltinha. ― Tá com tudo em cima, cêloko! Oh ― ele apontou as sacolas de compra ―, trouxe mimos.

― Ele vai brigar contigo.

― Deixa que eu me entendo com o cuzão ― Vi disse, então bateu nos lábios duas vezes, num gesto carregado de humor. A mulher riu. Havia algo de engraçado em ver um homem daquele tamanho se comportando do mesmo jeito de quando era moleque. ― Desculpa o palavrão, tia.

Se adiantou antes que ela fizesse menção de erguer uma sacola, carregando ambas até a cozinha como se nem estivessem tão pesadas.

Sentado à mesa, um senhor admirava em silêncio uma fotografia, alheio a qualquer barulho. Em comparação com a mulher ao lado de Vi, ele parecia muito mais jovem, apesar do rosto encovado, com bolsas altas e escuras sob os olhos. Os cabelos, cortados de um jeito elegante, não exibiam um único fio de cabelo branco. As roupas não eram novas, mas estavam bem conservadas, repletas do odor suave de amaciante.

O homem e a mulher eram quase idênticos, da mesma forma que reflexos em um espelho costumam ser. Exceto pelos olhos: os dele estavam distantes, dando a impressão de que o homem era uma ilha envolvida por névoa.

― E aí, tio? ― Vi se aproximou com cuidado. Nos últimos anos tinha ficado mais e mais difícil identificar um dia bom. ― O que o senhor tá vendo aí?

Talvez ele não o compreendesse. Ultimamente, apenas algumas poucas palavras em mandarim ou cantonês atravessavam a névoa. Português era sempre um tiro no escuro. Mas contra as expectativas, seu olhar se ergueu em compreensão, embora não parecesse reconhecê-lo. Ele sorriu, erguendo a foto para que Vi pudesse vê-la também.

― A minha filha. Minha filha ― ele disse num português titubeante. ― Ela vai ser musicista. Importante. Guardando o dinheiro da faculdade. ― A última frase foi dita apontando para si mesmo, para indicar que era ele quem guardava.

Sorriu, então levou o dedo aos lábios, fazendo “shhh” como se pedisse segredo. Os dedos se mexiam em movimentos involuntários, como um tique. Algo semelhante acontecia em seu rosto, os lábios se erguendo como se fossem formar uma careta que nunca chegava a se completar.

A criança na foto também sorria: um sorriso banguela e iluminado, rugas simpáticas se formando nas laterais dos olhos fechados. Vestia um uniforme escolar azul-marinho, com um lenço vermelho ao redor da gola. Seus braços envolviam uma pipa de madeira vermelha. O instrumento reluzia tanto que parecia novo.

Era um sorriso que Vi não via mais com frequência.

O rapaz não soube o que fazer com o nó na garganta. Ensaiou uma resposta, fez um carinho nos cabelos do homem e pigarreou.

― Vá falar com ele. ― A senhora veio em seu socorro, dando um tapinha gentil em seu braço. ― Eu levo o café.

Só precisou seguir a voz do Emicida cantando Nóiz quer carrão e mansão, né? Por que não? ‘Tá bem patrão de avião, hein? Por que não? até o banheiro que, como tudo na casa, era estreito e limpíssimo. Da pia aos azulejos, tudo tinha tons de rosa meio envelhecido. No meio daquele mar de suavidade, Yue parecia deslocado. O cropped que vestia nada mais era do que uma camiseta de festival cortada de qualquer jeito, as mangas tão cavadas que deixavam entrever o contorno dos seios pequenos. Vi baixou os olhos, curioso, só para dar de cara com os shorts curtos marcando as pernas fortes. Seu primeiro pensamento foi “Porra”, sem qualquer outro desenvolvimento; o segundo, que veio em bom momento em seu resgate era de que aquela escolha de roupas parecia coisa de fanfic.

― E aí, manezão? ― cumprimentou em voz alta, torcendo para que a tia o ouvisse da cozinha e notasse que tinha trocado o palavrão por uma variante mais polida.

A resposta não veio de imediato. De pé no primeiro degrau da escadinha metálica, Yue fez uma careta, concentrado em recolocar a mangueirinha do chuveiro no lugar.

― Que foi que essa mangueira te fez, cara? ― Vi brincou, percebendo como ele apertava o plástico duro com mais força do que o necessário, deixando pequenas dobras amassadas.

Nenhuma palavra.

Yue esticou o braço para girar o registro geral do banheiro. A mangueira terminava em um chuveirinho pintado de rosa, cuja tinta começava a descascar.

― Olha, cara… ― Vi começou. Tinha ensaiado as palavras por algum tempo na própria cabeça: primeiro quando abriu os olhos e checou as mensagens no celular, então horas depois, andando pela seção de café do mercado, e pela terceira vez enquanto pilotava a moto pelo centro de São Paulo. Não tinha saído bonito em nenhuma delas.

E em nenhuma delas Yue o acertava com um jato d’água, como acabara de fazer, o que tornou os ensaios uma cachoeira de justificativas inúteis.

— Foi mal! — Vi ergueu a voz, balançando as mãos na frente do peito como se pudesse afastar a água gelada. — Cara! Porra! Yue!

— Tudo bem aí, meninos? — A voz da tia ecoou pelo corredor. — Parece que tá vazando de novo.

A água parou. E Yue soltou o chuveirinho calmamente enquanto fechava o registro de volta com a outra mão.

— Só testando, tia.

― Tá funcionando, porra? ― Vi questionou baixinho para a tia não ouvir. Tinha encharcadas as roupas e o rosto, que secava com os antebraços.

Estava esperando uma resposta engraçadinha que significasse que estavam em paz de novo, como sempre acontecia. Yue desceu da escada, caminhando até ficar tão perto que quase podiam se medir olho no olho, como faziam nas rinhas.

― Se eu não puder contar contigo, prefiro saber com antecedência.

— Cara, eu… — Recomeçou. E Yue resolveu contorná-lo, com a expressão séria, como se fosse sair do banheiro. Vi o segurou pelo pulso. — Yue, caralho. Eu dormi, porra. Peguei num sono fodido e acordei no meio da porra da madrugada com meu celular descarregado na casa do caralho.

Yue puxou o pulso, emitindo um rosnado baixo. Vi o manteve em sua mão.

— Cê acha que eu queria perder o rolê? Sério? Que eu pensei em te deixar sem guitarrista?

― Esse é o seu problema, você não pensa ― Yue disse, a voz saindo mais alta e mais aguda que o normal. — É tudo muito fácil pra você, né? Tirar um cochilo às seis da tarde, largar o celular em algum canto, não ter nenhuma preocupação além do seu rolê.

— O que rolou? — Vi redarguiu, trazendo o pulso dele um pouco mais para perto. Ele podia socar, se quisesse. Talvez precisasse, pela forma como o olhava. — Não foi só o rolê ou o chuveiro. O que foi?

Yue também tinha as roupas parcialmente molhadas pelo vazamento do chuveiro, especialmente na regata, perto da gola, além de um pedaço do cabelo, que tinha se colado ao rosto.

— Foi o tio, né? — Vi perguntou mais baixo.

E foi o estopim para que Yue o empurrasse com a mão, abrindo passagem para sair em direção ao quarto.

Vi conhecia aquele caminho: o quartinho nos fundos, que nem era para ser um quarto, mas um depósito. A janela tão pequenininha deixava o lugar quase inabitável em dias quentes sem um ventilador. Mas ele lembrava de um Yue falando que o pai e a tia podiam ficar com os dois quartos maiores já que ele nem dormia tanto assim e que é lógico que não dividiria um quarto com o pai, porque precisava do seu espaço, o que não era nada mais do que uma desculpinha para que o tio não se sentisse mal por ter o maior quarto só para si.

Não tinha sido sempre assim: Vi lembrava de uma época diferente para aquela família, quando Yue tinha um quarto bonito, repleto de pôsteres de bandas, cartazes de protesto, livros e uma cômoda baixinha, em estilo inglês, sobre a qual enfileirava frascos bonitos de perfume; quando o tio era um tagarela piadista, tão charmoso que conseguia distrair dois adolescentes de tal forma que varavam a madrugada jogando cartas, cada qual com seu copo de refrigerante.

Juca era a única coisa que não havia mudado: o koi simpático no aquário, todo branco exceto pelo círculo laranja no topo da cabeça.

Vi tirou a blusa molhada antes que pingasse mais pelo chão, esfregando-a pelo pescoço enquanto olhava para Yue. E então para o aquário.

— Desculpa — falou mais baixo. — Eu ramelei foda.

― Ele tá piorando… ― Yue puxou as pernas para cima da cama, sem ligar muito se estava deixando os lençóis meio úmidos. Parecia prestes a chorar. ― Aqueles exames que eu peguei particular, lembra? O resultado era pra amanhã, mas eles liberaram sexta. Vi hoje. Tá tudo uma merda e daqui a pouco ele vai acabar ficando de cama de uma vez.

— Porra! — Vi soltou num fôlego só, se aproximando. Sentou no canto do colchão, perto o suficiente para que Yue o empurrasse para longe com os pés, na defensiva.

— Não tão perto. Eu ainda tô puto.

Alzheimer. Um nome pretensioso para uma doença idiota. O pai sempre havia sido o resumo de tudo que os folhetos médicos exigiam de uma pessoa saudável: odiava beber, dormia cedo, comia feito um monge; o que era inútil, porque aquele monstro provavelmente estava carimbado em seu DNA, apenas aguardando o momento certo para dar o bote, devorando suas memórias, brincando de ligar e desligar os controles do corpo de seu pai, como uma criança endiabrada, até queimar os fusíveis, um por um.

Não era a rotina que o revoltava. Não os bicos, ou os horários malucos, ou a falta de grana; era injusto que na maior parte dos dias seu pai sequer lembrasse o nome que Yue tinha escolhido para si. Justo ele, que tinha sido a primeira pessoa a chamá-lo assim.

— Yue — Vi chamou mais baixo. — Tira essa blusa molhada.

Victor brincava, desde quando eram novos, sobre o quanto aquela era uma das grandes ironias da vida de Yue: o fato de ele ter crescido em uma região muito mais fria do que São Paulo e, mesmo assim, ser a pessoa do grupo de amigos com o maior histórico de resfriados.

— É assim que você fala com seus boy? — ele murmurou. E Vi esboçou um sorriso. Aquilo era uma trégua.

— Se eles estiverem vestindo roupa molhada, sim — respondeu. E apoiou o corpo para trás, sobre os antebraços. — Às vezes, por outros motivos também.

— Você é ridículo.

Yue tirou a blusa, amassando-a nas mãos antes de jogá-la contra a cabeça de Vi.

Isso era um fetiche. Eu reconheço um quando vejo. — Vi riu, mesmo depois de tomar outro chute.

Ele não usava faixa nenhuma naquela tarde. Nunca usava quando estava em casa.

Yue tinha seios fáceis de camuflar sob faixas de compressão leve ou blusas mais largas. Sem elas, eram perceptíveis, formando uma curva leve abaixo dos mamilos. Os piercings em ambos não eram uma novidade. Aquela nem chegava a ser uma das primeiras vezes que via Yue com o torso nu.

— Me dá um cigarro — Yue pediu, estendendo a mão.

— Como você sabe se eu tenho?

— Viado… — Yue estreitou os olhos. — Te conheci ontem?

Vi chacoalhou a cabeça, fazendo balançar o brinco em formato de cigarro. E então tirou do bolso da calça o maço pela metade.

Encharcado.

— Me deve um maço — ele brincou —, maníaco do chuveirinho.

— Pendura na conta — Yue respondeu, ficando de joelhos na cama para alcançar a prateleira logo acima. De dentro de uma latinha de biscoitos natalinos, resgatou um saquinho plástico com quatro kumbayas perfeitamente bolados e um isqueiro com a estampa da Hello Kitty.

— E lá vem você com os cigarro de hippie — Vi comentou com bom-humor.

— Aproveita que não é todo dia que eu te ofereço alguma coisa.

Pegou um. Depois de aceso, já na primeira tragada, Vi torcia o nariz para o gosto doce de camomila.

— Tem jeitos melhores de relaxar — comentou, implicante. — Já tentou Zolpidem?

Em resposta, Yue apontou para a cartela de hipnóticos, já pela metade, sobre a mesinha bamba ao lado da cama.

— Eu vou arranjar outro melhor amigo. O atual esquece coisa demais.

— Falando em esquecer… — Ele sorriu entre um trago e outro. — Não vai me contar do carinha que cê levou no show? A Juli me falou.

— Não levei ninguém. — Yue se inclinou, pegando o cigarro para dar um trago, uma curva de sorriso se insinuando nos lábios. — Mas ele foi mesmo assim.

— Hm? — Vi arqueou as sobrancelhas, interessado. — Serião? E aí, que rolou?

— Nada. — E falar isso fez Yue dar uma risada quase frustrada. — A gente só bateu papo um tempo.

— Mas cê chamou ele pra um rolê, não chamou? — Victor perguntou com uma confiança que foi se minguando no silêncio. — Não chamou? Porra, Yue. — Ele balançou a cabeça. — Chama ele pra próxima rinha!

— Nem fodendo.

Tomás pareceu achá-lo legal no meio daquela zona que era o Gaveta, mas não precisava testar os limites dele na porra duma rinha clandestina.

— Por que não? Ele foi te ver no Gaveta! — Vi enfatizou. — Perto disso, a rinha é quase um camarote. A breja de lá é melhor, pelo menos.

— Caralho, cuzão, sabe quanto tempo faz que um carinha não faz uma coisa massa dessas por mim? — Yue questionou e Vi pigarreou em resposta. — Não… Da próxima vez eu quero levar ele pra alguma coisa melhor que um muquifo. ― Passou o cigarro de volta para Vi. ― Mas se a rinha é tão boa assim, chama você um contatinho teu, porra.

— Eu chamo mesmo. — Vi aceitou o desafio, erguendo os ombros. — Quer apostar? Se ele for, você me deve uma lap dance.

— E sou eu que tenho fetiche… — Yue bufou. — Fácil. Se ele não for, você me leva pra jantar num lugar caro. Não vale barzinho de “Faria Limer”. Eu tô falando de estrela Michelin.

Sempre ganhava as apostas. A raposinha chibi tatuada na nuca de Vi e os seis meses no curso de costura eram algumas das provas. Dessa vez ia conquistar um rango afetado.

— Se você quer que eu te leve pra jantar, isso não precisa ser uma aposta. Sabe disso, né? — Vi perguntou depois de soltar uma rodela de fumaça pela boca.

Yue nem olhou na direção dele quando disse aquilo. Por que olharia? Era só um comentário casual, naquele tom meio condescendente que deixava Yue irritado vez ou outra. Não era um convite de verdade. Nunca tinha sido.

— É, claro. Vou lembrar de te mandar a conta do meu próximo PF.

— Ah, falando em conta, eu tenho um convite. — Ele se animou, devolvendo o cigarro para Yue antes de se inclinar mais para perto. — É um convite repetido, mas não custa tentar. Eu ainda acho que cê devia vir trampar comigo na LoboMuamba.

Já tinham falado sobre aquilo tantas vezes que Vi estava certo de que a cartelinha do bingo de recusas estava preenchida. Até segurou o riso quando notou Yue deslizar para o chão com aquela cara séria, imaginando que viria algum xingamento obscuro em cantonês seguido de um nem fodendo bem paulistano.

— Eu tenho uns prazos de bico pra cumprir. Daqui umas semanas acaba tudo. Posso começar a partir daí?

Vi abriu um sorriso. E se deixou rolar para o chão logo em seguida, até poder deitar a cabeça em seu colo, folgado.

— Isso é um sim? Finalmente? — Roubou o cigarro, prendendo-o nos dedos, mantendo-o afastado para que Yue não conseguisse alcançar. — Cara, vai ser foda. Você manja das parada tudo. Eu não sei por que você levou esse tempo todo pra aceitar. Me odeia tanto assim?

— Tava esperando a sua proposta de casamento pra ser só o marido troféu mesmo ― Yue respondeu num tom divertido, mas o sorriso foi minguando. — Preciso parar em casa. O velho tá precisando mais de mim e a tia não vai dar conta sozinha. Sou bem mais organizado que você, né? E não durmo. Olha a vantagem.

— É por isso que você é exatamente o que eu preciso pra esse negócio crescer. — Vi estendeu um dedo, o tocando displicentemente perto do ombro. Então franziu o nariz, o movimento enfatizando a pele meio descascada. — E eu não tô pronto pra casar. Só ia te dar mais trabalho.

Era engraçado. Quando pensava na vida de casado, em dividir casa, cama, tudo… O rosto de Yue era um que sempre tinha feito sentido. Sentiu vontade de rir. Devia ser uma piada boa isso de pensar em casar com o melhor amigo. Se falasse isso a sério em voz alta, Yue faria piada com a sua cara por anos.

Despertou dos pensamentos com a mão de Yue pousada sobre sua cabeça em um afago.

— Valeu. — Ele sorriu, os olhos se fechando até formar rugas bonitinhas. — Vai ser foda mesmo. — Então se inclinou até conseguir pegar o cigarro de volta.

— Yue — Vi chamou em meio a um riso —, tá esfregando as teta na minha cara.

— Foda-se? ― Yue riu. — Por falar em cara, ainda quero quebrar a tua. Rinha?

— Sábado que vem? Cê tá podendo? Aí já vemos se eu vou ganhar ou perder a aposta. — Vi estralou os dedos com o polegar. — E se eu ganhar, tem o domingo pra você me pagar o prêmio.

Não tinha muita esperança na sua própria aposta. Sempre perdeu a maior parte delas e não achava que nenhum dos seus contatinhos tinha perfil pra um rolê de rinha clandestina. Mas um deles, gostaria de chamar. E seria legal pra caralho se ele fosse. Yue teria que admitir. Até achava, desde a primeira vez que viu Tomás, que Yue ia gostar dele se o conhecesse.

━━━━━━ • ✿ • ━━━━━━

Quando Vi foi embora, já era tarde da noite. Normalmente, em uma noite como aquela, até teria ido junto, dormido na casa dele depois de ouvir música por um tempo além do recomendado, e então ido para o trabalho de lá na manhã seguinte — provavelmente de carona na garupa moto, como Vi sempre insistiu em levar, desde que conseguisse acordá-lo a tempo.

Mas a ideia de que a conexão do pai com o mundo estava colapsando era forte demais para que se convencesse a relaxar um pouco.

Pelo menos, trabalhando com Vi, podia ficar de home office quando precisasse estar com o pai. E era uma garantia maior de ser pago no prazo do que fazendo um bico diferente a cada mês. Mesmo que a consequência disso fosse acordar todo dia sabendo que devia um favor gigantesco pro seu melhor amigo. Era o que tinha tentado evitar.

Terminou de guardar os últimos pratos lavados do jantar e voltou para o quarto equilibrando o cigarro no canto da boca. Já fazia pelo menos uma hora que a tia tinha ido dormir, e algumas a mais desde que ela colocara seu pai na cama.

No escuro, era tudo muito mais solitário. Até mesmo São Paulo sabia ser silenciosa em alguns momentos. A noite de domingo era um deles.

Se jogou na cama com o celular nas mãos, abrindo o Instagram pra ver os vídeos que Juli tinha postado da noite anterior antes que eles expirassem da timeline. O primeiro rosto na atualização de stories não era o dela, mas o de Tomás. Yue abriu um discreto sorriso.

Ele tinha postado uma foto naquela manhã, mostrando sua mão e uma outra, bem mais marcada pelo tempo, segurando xícaras de café. Yue enviou um comentário.

“Essa mão bonita é da minha companheira petista?”

“Eu esperava que você achasse que a bonita era a minha”, Tomás respondeu sem muita demora.

Deitado na própria cama, Tomás tinha esperado que aquela mensagem viesse. Lótus o tinha instigado a mandar mensagem, mas não queria cruzar mais aquela linha. Já tinha perseguido Yue até um bar na noite anterior, então agora preferia esperar que o contato partisse — finalmente — dele.

“Eu não reparei muito na mão, confesso.”

“Eu te distraí com meus olhos bonitos.”

“Você tem mesmo.”

“Eu sei ☕”

Yue ergueu um sorriso, tomando o tempo de uma pesquisa rápida para descobrir alguma cafeteria bonita que não ficasse perto o bastante de casa para que Tomás achasse chato, e nem dos rolês, para que os amigos aparecessem fazendo arruaça.

“Nos últimos cinco minutos eu descobri um lugar em que a gente devia ir.”

“Onde?”, Tomás perguntou. Em sua cama, mordia o canto da boca, contendo um sorriso. A resposta veio como um link para o perfil de uma cafeteria charmosa, pequena e íntima. A última foto postada exibia uma prateleira com xícaras decoradas com raposas e ratinhos. Isso e o nome, uma brincadeira boba com Jardim Secreto, deixaram Tomás incapaz de disfarçar o sorriso.

“Espero que esse não te dê alergia”, tinha brincado Yue na mensagem logo abaixo.

“Quando? Fim de semana que vem?”, perguntou ansioso.

“Não posso. Tenho um coiso. 😐 Não nesse, no outro?”

“Combinado 😽”

Se contasse sobre aquilo para o pessoal da enfermagem, teria uma nova onda de comentariozinhos perguntando sobre os capítulos da sua novela com Yue.

“Tá tarde, doutor. Melhor você ir dormir.”

“Você é desses, então?”

Yue espiou a cartela de remédios para dormir e quase deu risada. Quem dera ser desses.

“Sou.”

“Boa noite 🌜”, Tomás enviou, antes de pousar o celular sobre a mesa de cabeceira.

Já ia tirar os óculos e se arrumar para dormir quando o aparelho acusou mais uma notificação. Era muito provavelmente a resposta de Yue desejando uma boa noite, mas quis ver mesmo assim.

A notificação vinha do Instagram, realmente, mas de uma conversa que não tinha usado o dia todo.

“Ow, tá livre sábado que vem? Eu tenho um rolê foda pra te levar”.

Continua…

No próximo capítulo… Que Yan e Maali tenham muito a conversar é uma verdade inegável, mas o retorno de Kuí parece dar um tempero especial aos segredos. O que o jovem mestre Farkas teria a dizer sobre isso? Ele não parece nada feliz.

O Capítulo 10 — Seus segredos estão seguros comigo chega no dia 20 de outubro às 12h!

💀E Feliz Sexta-Feira 13 com ela, nossa Sereia mascarada trazendo um spoiler da nossa arte temática de Halloween! Vocês votaram pelas redes sociais e decidiram que Li’a se fantasiaria de Hannibal. Eu achei incrivelmente apropriado! Querem saber que fantasias foram escolhidas para o resto dos meninos? No fim do mês teremos a ilustração completa, feita pela brilhante Skysuu (daskysuu.carrd.co)!

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Nos vemos antes que nosso Lobo arrume outro problema… Ou não.

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