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💫 Pontes Imortais ― Capítulo 7
Comunicação não é o meu forte
Olá, vizinhos vortexianos! Chegou a sexta e cá estou com mais um capítulo de Pontes Imortais!
No capítulo anterior… Nossa Sereia apareceu pela primeira vez com sua voz magistral capaz de trazer esperança. Foi um acalanto no dia de Yan e principalmente no de Oz, depois que Ravi, o atual Senhor dos Lobos, o obrigou a matar um homem com os próprios punhos. Também descobrimos o que faz Yan ser um curandeiro tão valioso a ponto de ser mantido por perto pelos líderes farkasianos: o dom de trazer de volta a vida parece mesmo bem raro. Em São Paulo, Lótus incentivava Tomás a ir atrás de Yue. Será que deu bom?
Recomendo ler o capítulo ao som de Pisces, da banda Jinjer. A música tem até uma aparição no capítulo. Vai vendo.
AVISO: Este capítulo contém cenas de insinuação sexual. 🔞
Capítulo 7 — Comunicação não é o meu forte
São Paulo, 2023
Se o feed de fotos de Yue já era uma pequena desordem de imagens aleatórias, seus stories eram como uma caça ao tesouro. A foto de uma mão segurando um copo de pingado com o relógio marcando seis da manhã, um adesivo de protesto colado a um poste já desbotado e enrugado pelas chuvas, um par de botas apoiadas uma sobre a outra perto do meio-fio.
Tomás franziu o nariz quando viu essa última. Parecia ter sido tirada por alguém sentado no banco de um ponto de ônibus. Yue tinha acordado cedo, então imaginava que fosse algum dos bicos que ele fazia e suspirou.
Era sábado, mas não um com contação de histórias como tinha sido o anterior. Saiu do hospital algumas horas antes e passou em sua cafeteria favorita antes de ir para casa. Ainda tinha um dos croissants num prato na mesinha de cabeceira enquanto se esticava preguiçosamente na cama do pequeno quarto. O kare pan que trouxe para a vó esfriava em um pacotinho no micro-ondas esperando que a Pedacinho de Céu fechasse.
Deixou o celular de lado e já quase se rendia aos olhos pesados clamando por um cochilo quando a tela se acendeu. Resgatou os óculos recém-colocados cuidadosamente ao lado do travesseiro, ajeitando-os no rosto enquanto procurava a origem da notificação: uma mensagem de Lótus. Um vídeo.
Não qualquer vídeo, mas um que fez o rosto de Tomás ser tomado por um rubor surpreso que evoluiu até um riso divertido.
Sentado sobre o grande polvo de pelúcia, Lótus ondulava o quadril. O cropped curto quase deixava à vista as flores que circulavam as cicatrizes da mastectomia, e destacava a curva alta de sua barriga. A calcinha preta, com as laterais bem erguidas, marcava bem o quadril. Ele gemia baixinho a cada movimento, os olhos tão presos na câmera que passava a impressão de estar olhando diretamente para Tomás. Eram cinco minutos daquilo, os gemidos ficando mais molinhos até terminarem em um grito rouco, as coxas grossas apertando a pelúcia em espasmos.
― Você não tem juízo, sabia? ― Enviou por áudio, instantes antes de tomar um pedaço de croissant entre os dedos e enfiá-lo na boca, dando play no conteúdo mais uma vez.
“Nunca foi uma das minhas qualidades 🌸”, o celular o notificou da resposta, seguida de outra que dizia “gostou do presente, bichinho? 🤭”
“Gostei. Posso salvar esse? 🥺”, Tomás digitou, já sabendo a resposta.
“Não 💕”
No minuto seguinte, o vídeo tinha desaparecido do histórico de mensagens e Tomás fez um bico, aproveitando a cara para enviar uma selfie com a legenda “já sinto falta do inesquecível”.
Rolou na cama, deitando de bruços, abraçado ao coelho de pelúcia cor-de-rosa que usava como segundo travesseiro.
“Vai ficar em casa hoje? Num SÁBADO?”, Lótus perguntou. Tomás riu. Era assim tão previsível? “E o omegaverso?”, emendou.
“Disse que tem compromisso”, Tomás respondeu de imediato. Ele e Vi trocaram mais algumas mensagens, mas entre suas coisas da faculdade e os corres dele com a loja, não tinham conseguido uma chance de sair de novo ainda. “Tipo você com seu jantar chique. Acho que vou esperar a vovó e ver se ela quer pedir lámen”, acrescentou na mensagem seguinte.
“Nenhuma novidade do contador de histórias? 😑”
Nada, Tomás pensou em responder. Uma ou outra curtida em imagens de café e em uma foto que postou de si mesmo uns dias antes, mas nenhuma palavra.
Voltou a abrir o Instagram, por desencargo. E então arqueou as sobrancelhas. Ele tinha postado uma imagem nova, que os dedos curiosos de Tomás fizeram logo o favor de abrir.
Um pôster de evento informando o show de uma banda naquela noite perto do Anhangabaú. O bar se chamava Gaveta. Tomás pendeu a cabeça. Era um nome peculiar. No pôster promocional, o slogan dizia “Gaveta: o bar de todas as tralhas”. Aquilo quase o fez rir. Principalmente quando Yue postou uma nova foto de um copinho de cerveja apoiado sobre o balcão de um bar com a legenda acompanhando a curvatura da boca do copo: “chegando cedo pra ser tralha”.
Tirou print dos dois posts, reabrindo a conversa com Lótus para enviá-las seguidas de um “!!!”.
“Parece que sabemos onde está Wally hoje 🔎”
Sabia. Mas o que faria com essa informação ainda era um limbo. Tomás mastigou o interior do lábio. Então, convencido a evitar seu próprio tique, se serviu do último pedaço de croissant.
“Eu devia ir lá? Não vai ser muito stalker?”
“É super stalker. Eu acho sexy 🔥”
“Não vou.”
Voltou a rolar na cama, trazendo junto a pelúcia de coelho, apertando-a contra o peito. Ponderou o que as pessoas diriam sobre a situação. Lótus já tinha deixado claro que achava que ele deveria ir; sua avó resmungaria que Tomás devia estar pensando mais na faculdade e menos em safadeza; Bernardo, o barista simpático da cafeteria, provavelmente emendaria alguma frase pronta no estilo “siga seu coração”. Tomás contemplou a única certeza que podia tirar disso tudo: a de que precisava fazer amigos. E suspirou, derrotado.
“Bichinho, deixe de leriado que se ele não quisesse ser stalkeado, não tinha postado a informação tão de bandeja assim também, né? Se ele postou sobre esse show, então ele ESPERA que as pessoas vejam e vão. É divulgação o nome 🌿”
Fazia sentido. Não tinha sido o convite que esperava, mas era ― de certa forma ― um convite para um evento. Mesmo que fosse um geral e que corresse o risco de chegar lá e ser apresentado a algum namorado ― ou namorada ― de Yue, que a essa altura já deveria saber sobre o estagiário louco do hospital que ficava dando indireta com olhares. Se fosse o caso, sempre poderia fingir uma dor de cabeça e voltar para casa. E depois nunca mais passar na ala infantil quando fosse dia de contação de histórias.
No máximo, teria um mico para compartilhar com Lótus e com os futuros amigos que faria quando se convencesse a isso.
“Talvez eu vá”, Tomás enviou, abrindo um sorrisinho. “E se der muito errado, você me manda doces pra eu me sentir melhor 🥺”
“Mando! 🍫”, respondeu. A segunda parte demorou alguns minutos para chegar. Veio quando Tomás já separava uma roupa do armário, esticando-a sobre a cama em um teste:
“Não esquece de passar aquele perfume que te deixa mais gostoso 💞”
━━━━━━ • ✿ • ━━━━━━
― Yue, cadê o cara? ― Suzano perguntou, batucando os dedos sobre o tampo do balcão. Tinha as baquetas meio enfiadas no bolso, como um adereço.
― Ótima pergunta ― ele respondeu. A forma como mordiscou a unha do polegar em seguida foi a única coisa que o impediu de xingar o ar. Yue deu um último gole no copo de cerveja e se virou, chamando o baterista com a mão para voltarem ao camarim. ― Já resolvi. O irmão da Mina tá vindo cobrir.
Deu uma última checada no celular antes de enfiá-lo no bolso e passar as mãos pelas laterais do cabelo. O coque pequeno no alto da cabeça deixava o undercut bem à mostra, assim como os alargadores em ambas as orelhas, um deles espiralado, comprado de um artesão no calçadão da Paulista em um domingo qualquer.
O espaço do Gaveta era pequeno e abafado, o que fez o caminho até o camarim ser curto, embora tivesse precisado desviar das poucas pessoas que já tinham chegado para ver o show. Desceu a rampa à luz baixa, passando pelo espelho horizontal e pulando de uma vez os três degraus que levavam ao palco e à salinha lateral, com parede descascada, que servia como camarim.
― Como tá o rolê lá fora? ― Mina questionou sem tirar os olhos do baixo.
― Quente. ― Havia uma sugestão de sorriso em sua boca quando a garota o encarou. ― Vai encher, fica tranquila. Seu irmão tá chegando?
― Parece que enfiei GPS no cu dele, por acaso?
― Quer que eu responda? ― Yue ergueu as sobrancelhas, desviando numa gracinha do copo de plástico que ela atirou e sequer chegou perto dele.
― A gente tá brincando de “só perguntas”, porra? ― Mina riu, coçando o nariz num gesto bruto. ― Ele já deve tá no metrô. Fica sussa ― acrescentou, se ajeitando na poltrona velha perto do espelho iluminado. Abriu a boca para tecer um comentário, mas a expressão no rosto de Yue indicou que não era o melhor momento. ― Ow, se precisar relaxar, pede mais um litrão. Ou senta aqui no meu colo que te faço um cafuné. ― Ela segurou o riso. De outra cadeira, Yue a olhou pelo canto dos olhos sem responder.
― Já vão começar a putaria sem mim? ― Suzano anunciou a própria chegada com o vozeirão, se jogando do lado de Yue.
― Que putaria? ― Mina rolou os olhos. ― Com o Yue? Eu seduzo o Papa antes desse aí.
― Cara, mas e aí? Chamou seus parça pra colar? ― Suzano abriu na mão a latinha de coca que tinha pegado antes de entrar, bebendo o primeiro gole. ― Uns contatinho?
― Eu chamei minha tia, mas ela acha vocês feios demais pra perder tempo.
― Vai se foder ― Mina deu um chute no ar que passou perto do seu joelho. ― Su, taca coca nesse fodido!
― E gastar minha preciosa coquinha com isso? Deixa ele morrer seco e sem amigos.
― Vocês falam demais. E tocar, tocam? ― Yue arqueou as sobrancelhas, se levantando num movimento firme que os outros dois seguiram no automático. O irmão de Mina, um moleque alto e espinhento de sorriso torto, entrou esbaforido no camarim quase na mesma hora. ― Bora passar som.
Tomás chegou por volta das onze da noite e o bar já era uma massa de gente. Tinha ouvido em algum lugar a música que escoava para fora, vinda das caixas de som.
— Essa é a banda de hoje? — perguntou para um moço que fumava na calçada, enquanto aguardava sua vez na curta fila de entrada.
— Esse é o System of a Down, cara.
— Ah, claro. — Assentiu, e pressionou com os dedos a haste dos óculos, desviando o olhar para se poupar da vergonha.
O letreiro de neon emprestava tons fantasmagóricos à fachada escura. O “V” no meio do nome piscava como se já fosse Natal e emitia estalinhos suspeitos. Alguns bêbados surgidos de outros bares nos arredores do viaduto se misturavam entre os pequenos grupos que matavam o tempo de um cigarro nas calçadas, dividindo batatas fritas oleosas demais e restos de bebida.
“Só tem metaleiro aqui 🥺 eu to destoando muito”, enviou para Lótus.
“Bom que aí tu chama atenção que só 🌸 nem vai ter como o lesado achar que tu não tá aí por causa dele!”
Tomás franziu o nariz, se impedindo de torcer o rosto em uma caretinha para morder o interior da bochecha. No meio de tantas camisetas de bandas, ele próprio estava vestindo uma blusinha de tricô leve cor de creme, com as mangas abauladas até perto dos pulsos. Tinha escolhido um colar de gatinho preto, que se destacava sobre o tecido, e uma sombra brilhante sutil que aparecia por trás dos óculos redondos só quando vista de perto.
― Tá perdido, lindo?
A moça na porta, alta como um poste e de cabelos raspados, o encarava com uma preocupação genuína. Tomás achou que ela tinha cara de ser parte da equipe da casa, no que estava certo.
― Eu vim pra ver a Canto da Sereia ― respondeu com um sorriso. Pelo nome da banda, não tinha imaginado que fosse atrair tantos… Será que o termo certo para aquele estilo seria góticos? Bem, então talvez sua escolha de colar tenha sido minimamente certa. ― É aqui, não é?
― É aqui mesmo. ― Ela parecia segurar uma risada e fez um gesto amplo em direção à entrada.
Com a comanda na mão, Tomás se espremeu no mar de pessoas para chegar até o bar. Lá dentro, a música explodia nas caixas de sons em graves incômodos e o ar-condicionado não dava conta de tanta gente. O bar tinha umas poucas opções, a maioria saída de garrafas e latinhas.
― Nós fazemos martini com azeitona ― respondeu o barman quando Tomás perguntou sobre drinks. ― Te faço um?
― Por favor. Dose dupla ― Os olhos de Tomás quase fecharam quando ele sorriu. Abanava a si mesmo usando a gola da blusa. ― Você sabe que horas a banda vai entrar?
― Em algum momento entre agora e três da manhã ― o barman brincou, gargalhando diante do olhar assustado de Tomás. ― Eles tiveram um probleminha com o guitarrista, mas já tá resolvido. Lá pra meia-noite os bonitos colam no palco. Primeira vez na casa? ― Ao ver Tomás concordar, ele riu. ― Era pergunta retórica. Vou te dar umas batatinhas pra aguentar a brincadeira.
A porção pequena de batatas durou quase até a meia-noite, assim como o martini, cuja azeitona foi deixada no fundo do copo seco. A microfonia puxou sua atenção, finalmente, para o holofote solitário que se acendeu, enquanto Tomás limpava as pontas dos dedos em um guardanapo vagabundo.
Os gritos vieram logo depois, emanando principalmente da galera mais agitada perto do palco. Tomás nem mesmo tentou ir até lá. Era um limite que não acreditava estar pronto para cruzar. Além disso, o bar ficava em um nível um pouco mais alto, o que permitia uma vista que não teria se estivesse esmagado no meio de uma pequena multidão de gente mais alta.
A guitarra entrou primeiro, antes que as luzes do palco se acendessem por inteiro e iluminassem Yue. A voz dele era suave naquela música, como costumava ser nas contações de história. Havia uma simplicidade em sua imagem ― fosse no conjunto comum de regata, legging e coturnos, fosse nos olhos tranquilos ― que não prometia nada incomum. Mas lá estavam os detalhes: o batom preto contornando os lábios grossos, os braços nus fechados em tatuagens blackout com detalhes em vermelho que Tomás não conseguia distinguir à distância.
Ele abriu um sorriso para o público, inclinado na direção deles com uma das mãos apoiadas no joelho, e então virou a suavidade da canção para um gutural que trouxe mais gritos das pessoas. Havia um charme em cada gesto que era novidade para Tomás. O corpo de Yue parecia magnético, atraindo não só os seus olhos, mas os de todos. Por mais que ele chamasse não só a sua atenção toda vez na contação de histórias, aquilo era diferente. Se seus contos eram capazes de deixar as crianças tranquilas, a música talvez as colocasse de volta em algum tipo de frenesi.
― Ele é mesmo uma sereia, o desgraçado, não é? ― alguém disse ao seu lado e, ao virar o rosto, Tomás viu que era a mesma moça da porta. ― Sempre que tem show, a casa lota feito um cardume vindo pra boca do tubarão. E mesmo assim todos os shows são numas biroscas tipo esta. Não sei qual é a deles.
Yue esticou o braço para frente, estimulando a galera a cantar junto, transformando o bar numa cacofonia que deixou Tomás de braços arrepiados. Se tivesse um pouquinho mais de coragem, acha que teria se atirado naquele mar de gente também, como um peixinho.
O olhar de Yue o encontrou por acaso e Tomás teve receio de ver qualquer sombra de desencorajamento. Em vez disso, a boca de Yue se curvou em um sorriso provocante enquanto ele cantava o trecho hooks and nets are there for me but I'm skittish.
― Como chama essa música? ― perguntou sentindo a boca seca, o contato visual quebrado de uma forma que o fez desejar por mais.
― Se chama Pisces. A banda é Jinjer, procura depois. ― Ela riu, apoiando o cotovelo no balcão. ― Caso interesse, é a preferida dele. Meu nome é Juli, por sinal.
Juli o apresentou às músicas seguintes, gentil como a guia de um labirinto, providenciando cerveja gelada para ajudar com os muitos graus extras que o bar ganhou com a gritaria e o pula-pula. Mal dava para sentir o tempo passar, por isso foi uma surpresa perceber que passava de uma da manhã quando a banda anunciou o fim do show e as caixas de som voltaram a se encher com a playlist da noite.
― Yue, seu viado, chega aqui! ― Juli berrou do seu canto, fazendo um gesto enfático para ele se aproximar.
A regata estava molhada de suor e ele tinha o cabelo despinguelado da bateção de cabeça. De perto, Tomás conseguia discernir melhor as manchas vermelhas em meio ao blackout dos braços: flores. Flores de ameixa, se não estivesse enganado. Era a primeira vez que via aquelas tatuagens, sempre escondidas sob as mangas longas das jaquetas.
― Essa criaturinha preciosa é seu convidado? ― A mão dela apontava Tomás, que precisou de uma dose extra de compostura para não engasgar no meio de um gole de cerveja.
― Oi, Yue ― sorriu, acenando suavemente com a mão. ― Não, eu não sou convidado de ninguém. Eu só vim. ― Não conseguiu segurar o riso até o fim. ― Eu pareço assim tão deslocado?
― Uhum. É adorável ― Yue respondeu, roubando o copo de cerveja da mão da Juli.
O sorriso ainda estava lá, Tomás percebeu. E a forma como ele o havia encarado antes também, aguçada de um jeito quase… vulpino. Foi a primeira palavra que lhe ocorreu. O olhar de uma raposa.
― Eu achei isso também, enquanto você tava cantando ― Tomás brincou, dando uma ajeitadinha na manga da blusa enquanto Juli explodia em uma risada.
― Yue, eu acho que é a primeira vez que vejo alguém se referir a você como adorável!
― Eu sou fofo ― ele retrucou, franzindo o nariz. ― Minha tia que disse ― completou, a atenção voltando para Tomás. Podia pensar em muitas coincidências em sua vida, mas seria um idiota se colocasse aquilo ali na conta do acaso. ― Você acha que eu sou fofo, doutor?
― Tão fofo quanto eu sou óbvio. ― Tomás revirou os olhos antes de voltar a fechá-los em um sorriso.
Juli, que acompanhava a conversa com olhares, pareceu convencida de que era sua hora de sair. Catou a cerveja pela metade do balcão do bar, encaixando-a na dobra do cotovelo.
― Tô levando o goró, Yue. Compra uma bebida pro moço. Ele veio até aqui… ― ela riu e, mandando um beijinho no ar, se retirou em direção ao mar de pessoas na pista.
― Tá bebendo cerveja? ― Yue assumiu o canto vago de Juli ao lado de Tomás.
― Um pouco. Eu não sou muito de cerveja, mas… ― começou. E o barman o interrompeu:
― Ele tomou um dos meus martinis, mas acho que não fui um sucesso.
― Não é o seu melhor trabalho, cara, não leva pro coração ― Yue brincou. ― Você quer que eu te faça um? ― disse, olhando Tomás de cantinho.
― Você pode? ― Tomás franziu a testa.
― O Gaveta não é famoso pela organização ― Yue explicou, enquanto já pulava pelo canto do balcão para dentro do bar. ― O que você bebe? ― Ele se apoiou sobre o tampo, o corpo inclinado na direção de Tomás. ― Por favor, me pede algo simples.
― Caipirinha? ― Arriscou, apoiando o rosto na mão. E então completou como uma brincadeira: ― De morango?
― Você me pede milagres ― Yue balançou a cabeça, assoviando na direção do barman. ― Cara, tem morango não, né?
― Não pelos últimos meses ― ele respondeu. ― E mesmo se tivesse, eu diria pra não arriscar. Vai de limão que é sucesso. Eu mesmo que comprei hoje, juro.
― Se a vida te dá limões… ― Yue anunciou, erguendo os ombros. ― Mistura eles com saquê pra parecer mais fino.
Tomás escondeu a risada nas costas da mão. Seu olhar seguia Yue de um lado para o outro como se afetado por um magnetismo suave.
― Sua caipirinha, senhor.
Havia açúcar enfeitando a borda, com uma rodela fininha de limão, feito um charme extra. Tomás bebeu o primeiro gole e respondeu com uma caretinha fofa e um sorriso, passando o dedo pela borda para levá-lo à boca com um pouco do açúcar.
― Tá forte ― avisou. ― Eu gosto.
― Tem cara mesmo.
― Tenho? ― Arqueou as sobrancelhas em uma provocação. ― Por quê?
― Estuda medicina. Ninguém faz isso se não encara um desafio. ― Yue estava com um copo novo de cerveja em mãos, surrupiado enquanto preparava a caipirinha, no qual deu um gole.
― Quase todo mundo acha que eu não aguento.
― Meu pai me ensinou que eu não sou todo mundo. ― Ele enfiou a mão por baixo da regata, puxando o maço de cigarros preso na barra da legging. ― Cê fuma?
― Não, mas te acompanho ― Tomás se levantou, trazendo consigo o copo . Enquanto andavam até a saída, seu olhar voltou a vasculhar o espaço. ― Não tô te tirando dos seus amigos?
― Me avisaram hoje que eu não tenho nenhum. Ó ― apontou para a porta ―, lá fora é de boaça, mas tem uns bêbados. Se ficar incomodado, cola em mim.
― Você não devia dizer isso ― Tomás fez um beicinho, mexendo os limões amassados dentro do copo. ― Agora talvez eu fique.
Gostou de como aquilo arrancou de Yue uma risada. Tudo nele sugeria suavidade, da voz aos movimentos, e mesmo assim, depois de vê-lo no palco, sabia que havia bem mais farpas do que tanta moderação insinuava.
O espaço reservado ao fumódromo era uma demarcação com fita na calçada rodeando uma saída alternativa. Estava meio lotado, um misto do cheiro de nicotina com maconha, que alguém jurava estar fumando discretamente.
Yue fez sinal para um homem encostado ao lado da porta mexendo no celular. Tomás demorou para entender que aquele deveria ser o segurança.
― Vamo mais pra lá. Não vou te fazer respirar tanta fumaça. ― Ele encaixou um cigarro entre os lábios enquanto andava a passos lentos até perto da esquina, onde se encostou na porta de correr de uma loja fechada. ― Como cê vai voltar pra casa? Tem carona?
― Não. ― Balançou a cabeça. ― Mas eu moro logo ali na Liberdade. Ia ver o preço no aplicativo.
― Hm. ― Ele assentiu depois de um trago, soprando a fumaça para cima. Tomás reparou que ele tinha um pescoço bem bonito. De perto, dava pra ver a faixa preta por baixo da regata. Pensou em perguntar se não incomodava ou atrapalhava para respirar, mas não devia ser um binder mesmo, no fim das contas, ou ele não teria dado conta do show. ― Mas você ainda vai ficar um tempo, né? É pertinho.
― Você mora aqui por perto também?
― Mais perto de você, mas tô todo fora de mão hoje pra transportar as coisas do Suzano de volta. O baterista ― explicou.
― O seu sotaque é de onde? ― Tomás perguntou, interessado. Tinha notado as vogais diferentes desde quando o via contar histórias.
― Yunnan ― ele disse, como se fosse uma resposta óbvia, coisa que o fez rir. ― Eu vim da China pra cá quando tava com dez anos ― explicou em seguida.
― A minha avó é de Macau ― Tomás comentou, voltando a agitar os limões com o canudo antes de mais um gole. Então sentiu o rosto corar quando adicionou em um cantonês lento: ― Mas eu falo pouco.
― Em casa, o cantonês virou meio que uma obrigação ― Yue começou. Parecia prestes a acrescentar algo que morreu num suspiro. Aquela foi uma experiência bastante visual para Tomás: a forma como ele pareceu apagar de súbito. ― Pratica mais. Por ela.
― Tá tudo bem? ― Tomás chegou um passo mais perto, tocando-o no braço. Quase podia encostar o nariz no pescoço dele, a apenas um palmo do seu rosto.
― De boas.
E era uma mentira tão escrachada que Tomás só assentiu. Sabendo como foi falha a sua tentativa de esconder, Yue o tocou no cabelo em um gesto mais íntimo, ainda gentil.
― Você veio mesmo até o Gaveta pra me ver?
― Uhum ― Tomás assentiu. E deitou o rosto tomado por um rubor tímido em seu ombro. ― Eu não sabia se podia, mas vi no seu Instagram e achei que parecia legal. A gente nunca consegue conversar muito no hospital.
― Foi legal ― Yue respondeu, dando um trago mais lento no cigarro. Enquanto olhava para a fumaça que exalava de sua boca, sentiu os lábios se curvarem num sorriso. ― Pra falar a verdade, foi uma das coisas mais legais que um carinha já fez por mim.
― Sério? ― Tomás perguntou, manhoso, se ajeitando meio encostado nele. Podia esperar ele terminar aquele cigarro e então teria o caminho livre para conhecer o gosto de seus lábios. ― Eu não sabia se você ia curtir, porque… ― mordeu o cantinho da boca. ― Posso confessar? Porque você nunca me mandou mensagem, nem nada.
― Comunicação não é o meu forte, desculpa ― ele sussurrou. ― Não fora do palco.
— Eu vou torcer pra ter feito o suficiente pra ser chamado pra sair — ele brincou.
— Fez — Yue respondeu em um tom novo, que seria capaz de atiçar tantos arrepios quanto seu canto.
Tomás estava prestes a dizer algo quando sentiu o celular vibrar no bolso. Se afastou só um pouquinho para pegá-lo. No canto da tela, a foto de um gatinho mal-humorado estampava a mensagem da avó:
“Cadê você?”
Já estava digitando uma resposta quando recebeu um áudio. Era sempre assim. Sua avó não tinha a menor paciência para comunicação por mensagem, principalmente se precisasse digitar mais do que três palavras.
― Licença, rapidinho ― pediu para Yue, afastando-se mais alguns passos e apertando a orelha com o dedo para abafar o som da música enquanto tentava ouvir a mensagem da avó.
― Tomás ― ela começava com a voz rabugenta de sono. ― Sabe que horas são? Tem relógio aí onde você está? A loja abre amanhã cedo e você disse que ia me ajudar, não lembra?
Não lembrava.
Fez uma caretinha, passando a mão nos olhos por baixo das lentes dos óculos. Então digitou:
“Lembro, vovó. Já tô voltando mesmo 🌷”
Ela digitou. E então digitou um pouco mais. E no fim respondeu com outro áudio:
― Respondeu com mensagem pra eu não ouvir o barulho de fundo, né? Tá voltando, sim. Acredito. Você tem meia hora pra não matar sua avó de sono. E guarda suas florzinhas pros seus amiguinhos.
A voz dela era bem potente para uma senhora daquele tamanho. Do meio para o fim da mensagem, Tomás precisou afastar o celular da orelha e Yue, a poucos passos dali, começou a rir.
― Deu ruim? ― ele apontou o celular com um gesto da cabeça, chamando Tomás para perto em seguida. ― Vem, vamo pagar a comanda e te conseguir um carro. Quero juntar uns pontos com alguém que pode me alcançar no gutural.
Enquanto olhava o carro se afastar com Tomás uns minutos depois, Yue acenou discretamente. E então soltou o ar dos pulmões. Tinha achado que não podia chamar aquele ali para um rolê improvisado, mas se Tomás tinha ido até um bar furreca daqueles para vê-lo, então o mínimo que poderia fazer seria levá-lo para um encontro de verdade. Mesmo que fosse um bem simples. Pelo menos um em que fizesse um convite melhor do que postar sua localização quando sabia que ele estava on-line.
Continua…
No próximo capítulo… Um Fronteiriço causa alarde entre os farkasianos, mas como Yan foi parar na Ópera? Revelações chegando. Já posso sentir o cheiro delas e é doce tal qual uma memória antiga.
O Capítulo 8 — Histórias de Infância chega no dia 6 de outubro às 12h!
🚨 ATENÇÃO! Sexta que vem é a última do mês, ou seja: dia de Bunny Hour! Não teremos capítulo, então tirem esse tempo para traçar teorias e convidar os amigos para conhecer a história!
Nos vemos em muito breve!
Ei, vizinho! Não esquece de me acompanhar nas outras redes! 💫
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