đŸ’« Pontes Imortais ― CapĂ­tulo 4

O segredo sĂŁo duas colheres de mel

OlĂĄ, seus coelhudos! Voltei no dia prometido com mais um capĂ­tulo de Pontes Imortais.

Na semana passada, comemoramos meu aniversårio com uma edição super especial da minha newsletter, a Bunny Hour (deadbunnybl.beehiiv.com). Espero que tenham gostado dos mimos!

Sem mais enrolação, vamos voltar à nossa história!

No capĂ­tulo anterior
 Vi e TomĂĄs parecem bem entrosados pra quem acabou de se conhecer, nĂŁo acham? Depois daquele rolĂȘ todo pela Augusta e do beijo em plena Paulista, acho seguro dizer que o desfecho do capĂ­tulo teria sido outro se TomĂĄs nĂŁo tivesse sido pego numa mentirinha pelo LĂłtus. Deixemos nosso prĂ­ncipe das cobrinhas remoendo um pouco mais aquela cara de pau e vamos voltar para as Cidades Flutuantes, onde KuĂ­ e sua Ópera haviam acabado de chegar a Farkas na ocasiĂŁo do Festival da VitĂłria. A mĂșsica para este capĂ­tulo Ă© Castle of Glass, do Linkin Park.

Pontes Imortais

Capítulo 4 — O segredo são duas colheres de mel

Farkas, Pré-Hecatombe

― Oz.

Ravi estacionou ao lado do filho, a mĂŁo mecĂąnica firmemente plantada em seu ombro em um recado velado.

― VocĂȘ era muito jovem da Ășltima vez em que nos encontramos com o Senhor Instrutor, mas


― Oh, Ă© o seu garotinho? ― KuĂ­ interrompeu, aproximando-se de Oz em um movimento tĂŁo fluido que foi como se deslizasse pelo chĂŁo. ― JĂĄ Ă© um lobo e tanto, Ravi, querido. Eu ficaria de olhos abertos no seu lugar. NĂŁo dizem que lobos dessa idade estĂŁo prontos para roubar um territĂłrio? ― O sorriso infantil de KuĂ­ pareceu ficar ainda maior. ― NĂŁo faça essa careta, querido, eu estou brincando.

— Para alguĂ©m que acabou de me chamar de garotinho, vocĂȘ parece ter altas expectativas sobre mim. — Oz tinha os braços cruzados. O sorriso de canto era ĂĄcido e contido, o suficiente para nĂŁo subir aos olhos. Era como sorria quando estava bravo.

― Ou baixĂ­ssimas sobre o seu pai, tolinho. Pense nisso. ― KuĂ­ piscou, charmoso, envolvendo o braço de Ravi com as mĂŁos no meio de uma gargalhada. ― Vamos, me mostre como estĂŁo as coisas, vocĂȘ sabe como Ă© minha memĂłria.

Oz revirou os olhos, olhando ao redor. À primeira vista, as cobras tinham sido um desconforto. Poucos minutos depois, aquela criatura jĂĄ tinha feito seus dois rĂ©pteis parecerem bem mais agradĂĄveis.

Suas memórias sobre o Instrutor eram imprecisas, varridas para longe pelos ventos do trauma, mas a silhueta dele pontuava algumas poucas lembranças de sua juventude, como uma sombra indistinta.

— Pai, não vai esperar o Yan? Ele desceu para buscar o seu treco pra dor de cabeça.

― É um sinal de que ele ainda tem pernas para me encontrar ― Ravi grunhiu. ― Esteja pronto antes de escurecer, Oz. Te quero ao meu lado na cerimĂŽnia de abertura. VocĂȘ tambĂ©m, Senhor Instrutor ― exigiu, recebendo de volta um sorriso aveludado.

― Eu adoro os assentos especiais, querido.

— Aposto que adora — Oz grunhiu baixo, se afastando uns passos atĂ© perto da escadaria, o olhar vigiando o caminho que levava aos aposentos comuns. — Eu vou me arrumar, entĂŁo. Pra estar pronto na hora. Seria indelicado demais deixar a visita esperando. — Ameaçou mostrar os dentes, mas se conteve. O tom enfĂĄtico marcava como o via: como um forasteiro. AlguĂ©m com pouquĂ­ssimo tempo em Farkas para chegar com tantas opiniĂ”es.

E, ainda assim, nĂŁo seria de bom tom tratĂĄ-lo com descaso. A Ópera do Fim do Mundo nĂŁo era apenas uma pomposa trupe de artistas, mas a principal comitiva de diplomatas das Cidades Flutuantes. As lideranças de todas as cidades agiam com cautela quando a Ópera chegava em seus territĂłrios: poderia ser vantajoso; tambĂ©m poderia ser trĂĄgico.

Farkas era uma cidade alimentada por sussurros. Anos antes, esses mesmos sussurros tinham colaborado para a destruição de Nivaria. Agora, estavam muito mais dispostos a dedicar energia a espalhar a fama do tal Instrutor. Um ser antigo e muitíssimo bem relacionado, com seu sorriso calmo e a fala doce. Uma criatura agradåvel aos que bem o cortejassem, mas com palavras venenosas o suficiente para causar problemas nas fronteiras.

Como líder da cidade, era esperado que seu pai dedicasse a ele não menos do que uma boa dose de atenção. Oz ainda não tinha essa obrigação. Teria no futuro, quando fosse líder. Então pensaria em como estabelecer uma relação melhor com aquela criatura e sua ópera metida. Por agora, podia apenas se afastar. E então caminhar alguns passos atrås durante a noite e aproveitar as festividades do seu próprio jeito.

*

― Eu trouxe alguns presentes, querido ― KuĂ­ comentou depois de visitar o SalĂŁo Memorial dos Farkas e prestar suas homenagens aos Imortais e aos antepassados da famĂ­lia. ― Garrafas daquele rum vulcĂąnico de que vocĂȘ tanto gosta, diretamente da minha terra natal. ― Uma das cobras ergueu a cabeça, a lĂ­ngua brincando com a lateral de seu rosto. Ele deixou o tom de voz abaixar atĂ© um doce sussurro. ― E uma aliada, com segredos de outras fronteiras.

― O rum jĂĄ seria um presente incrĂ­vel — Ravi entoou, a voz alta e provocativa dos lobos, o tom de alguĂ©m que nĂŁo tinha inimigos por perto. Ainda assim, ele se inclinou para ouvir a segunda parte da conversa. — Quem Ă© essa aliada e que segredos me traz?

― VocĂȘ jĂĄ deve ter ouvido falar sobre ela, querido, bem informado como sei que Ă© ― KuĂ­ cantarolou. Sua entonação era sempre musical, um dialeto macio que se misturava ao de Farkas. O brilho no olhar era como o das crianças diante de uma brincadeira nova.

― A Sereia? ― Ravi arriscou, com a voz contida, vendo KuĂ­ concordar. ― E eu terei o prazer de conhecĂȘ-la ainda hoje, imagino.

― Ela adoraria, meu bem, mas temo informar que uma voz tĂŁo Ășnica veio aliada a uma saĂșde frĂĄgil. Um lobo forte como vocĂȘ nĂŁo entenderia, mas criaturas mais delicadas costumam ficar amuadas depois de viagens longas. ― KuĂ­ deu um passo para mais perto de Ravi, como se nĂŁo o incomodasse tamanha proximidade em um espaço aberto. ― Mas pensamos em apresentĂĄ-la no Ășltimo dia do festival, em um espetĂĄculo exclusivo para a sua famĂ­lia. Parece a forma certa de comemorar dez anos sem aquela gente horrorosa, certo? NĂŁo Ă© bem esse o foco desta linda festa?

Um pĂĄssaro-engrenagem os alcançou em um dos pĂĄtios internos. Fora dos portĂ”es das dependĂȘncias da famĂ­lia, o som e os cheiros das festividades começavam a tomar as ruas. Ravi estendeu a mĂŁo para que o pĂĄssaro se aproximasse. Em suas garras, trazia uma bandejinha sustentada por quatro fios de cobre com um pequeno bule fumegante e um copo de cerĂąmica escura.

— Um momento, meu amigo — Ravi pediu, se interrompendo para se servir de um copo de chĂĄ, liberando o pĂĄssaro enquanto voltava a caminhar carregando ele mesmo o bule e o copo, que pareciam ainda menores e mais delicados em suas mĂŁos. — Parece que meu curandeiro mandou um emissĂĄrio para me entregar o chĂĄ. — Balançou a cabeça com humor. — É isso que dĂĄ criar alguĂ©m assim como um convidado dentro dos meus muros. Ele toma certas liberdades.

— Seu curandeiro pessoal nĂŁo Ă© de Farkas? — KuĂ­ ergueu uma sobrancelha. — VocĂȘ nĂŁo cansa de me surpreender, meu bem.

— NĂŁo Ă©, mas foi por uma boa causa. — Ele tomou o primeiro dos goles. As ervas daquele tipo de chĂĄ costumavam deixar na garganta um rastro amargo, mas Yan sempre fazia questĂŁo de adoçar seus preparos com um bom tanto de mel, de forma que Ravi nem precisasse se incomodar com sabores ruins. — VocĂȘ deve tĂȘ-lo visto nos meus aposentos quando chegou, meu amigo. Uma criaturinha pequena. Com orelhas de arminho.

― Oh! ― KuĂ­ nĂŁo fez questĂŁo de esconder a surpresa. ― EntĂŁo vocĂȘ cria mesmo um nivariano debaixo das patas?

― Mestiço. — Ravi corrigiu sem hesitar. — Um curandeiro com uma habilidade boa demais para desperdiçar com nivarianos. Tem vivido aqui desde que era adolescente. Tirando as orelhas, quase consigo me esquecer de onde veio.

— E esse chĂĄ aromĂĄtico Ă© o remĂ©dio que ele preparou? Deve ser mesmo especial, se supera o talento de todos os curandeiros da sua bela cidade.

— NĂŁo se faça de rogado. — Ravi abriu o sorriso, orgulhoso, oferecendo-lhe o copo de cerĂąmica. — Tome um gole vocĂȘ mesmo. Nem vai sentir como se fosse um remĂ©dio. Ainda assim, basta um pequeno bule e minhas dores sempre se vĂŁo.

Kuí tomou o copo nas mãos, bebericando o que havia restado do chá ― apenas o bastante para uma breve degustação do sabor de ervas e mel.

― É certamente muito agradĂĄvel, querido. ― KuĂ­ tocou a cabeça de sua cobra ao vĂȘ-la armar o bote contra o passarinho-engrenagem que havia se aproximado para recolher a louça. Erguendo a mĂŁo, devolveu o copo vazio. ― Mais uma vez vocĂȘ mostra o quanto Ă© sĂĄbio nas decisĂ”es. Ah, meu bem, mas chega de conversa. O som da mĂșsica lĂĄ fora estĂĄ me deixando ansioso. Ainda vamos demorar a sair?

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— VocĂȘ ainda vai ter muitos dias pra fazer isso — Yan cantarolou, o rosto apoiado nas mĂŁos enquanto observava Oz do canto da barraca.

Ravi tinha ordenado que Yan cobrisse as orelhas. De fato, ele tinha escolhido um chapéu para usar naquela noite, feito de palha clarinha, com abas largas em formato circular, que se prendia ao seu pescoço por um belo laço de fita lilås.

NĂŁo o usava na cabeça, entretanto, mas caĂ­do para trĂĄs, cobrindo a nuca e os ombros. As orelhinhas arredondadas continuavam Ă  mostra, vĂ­timas de um ou outro olhar, mas nĂŁo de comentĂĄrios. Yan sorriu em silĂȘncio, vendo Oz testar o peso da machadinha na mĂŁo com um sorriso largo no rosto. AlguĂ©m teria que ser mesmo muito burro para falar qualquer coisa enquanto andasse por aĂ­ exibindo suas perigosas orelhas nivarianas ao lado do herdeiro de Farkas.

— Mas eu quero hoje! VocĂȘ tĂĄ com pressa? — Oz perguntou animado.

Tinha todo o espaço da barraca para si e um pequeno aglomerado de pessoas ao redor, assistindo suas tentativas enquanto davam gritos de suporte. Ele girou a machadinha na mĂŁo uma Ășltima vez antes de arremessĂĄ-la contra o boneco de madeira no centro do alvo. A arma passou tinindo ao lado da cabeça, arrancando uma lasca gorda de madeira de onde estaria uma orelha, mas se fincando atrĂĄs, no cenĂĄrio.

Oz soltou um rosnado irritado, acertando um soco tão potente no tampo de madeira que a estrutura toda da barraca balançou.

— Quantas chances ainda tenho? — perguntou alto para o vendedor. Tinha substituĂ­do o sorriso por um olhar ameaçador, o que costumava significar que estava começando a perder a paciĂȘncia.

— Quantas precisar, jovem mestre. — O vendedor respondeu de prontidĂŁo com a voz abobalhada. — Um herdeiro Farkas jĂĄ nasce um herĂłi. Nem precisa perder mais do seu tempo se nĂŁo quiser. SĂł me diga qual prĂȘmio deseja.

— Está insinuando que não posso ganhá-lo por mim mesmo? — Ele mostrou os dentes.

Yan cobriu o rosto com as mĂŁos, escondendo um sorrisinho. Se continuassem assim, talvez passassem a noite toda em uma barraca sĂł.

“NĂŁo acerta um mamute se estiver morto na frente dele”. A voz em sua memĂłria pareceu de sĂșbito tĂŁo clara que Yan quase olhou para os lados, esperando encontrar por ali um par de olhos da cor da geada.

— Oz — ele chamou baixo. Se levantou, indo atĂ© ele e tocando seu braço num gesto afetuoso. — Eu tĂŽ com fome. Podemos fazer uma pausa?

O céu começava a ganhar os tons de bronze que adquiria quando a capa escura dos Imortais começava a cair, anunciando o fim das horas claras. Não havia sol, lua ou estrelas no céu das Cidades Flutuantes, mas aquelas criaturas conheciam o conceito de dia e noite ainda assim, dado que os Imortais mantinham um fluxo quase constante de luz e trevas no mundo. Nos numerosos templos e pequenos oratórios espalhados pelas quatro Cidades, sacerdotes cuidavam para manter velas, incensos e oferendas sempre frescas nos altares, o que era sensato. Brincar com o humor dos Imortais sempre poderia significar longos períodos de escuridão, o que arruinaria as prósperas colheitas de Farkas.

De longe, o som dos sinos marciais anunciava que novas oferendas acabavam de ser feitas. Durante o Festival, Ravi era ainda mais generoso com seus templos. A vitĂłria contra Nivaria havia sido uma grande prova de que tinha os Imortais ao seu lado.

— Fome? NĂłs acabamos de chegar
 — Oz ergueu o olhar no meio do resmungo. Pela cor do cĂ©u, estava errado, mas nĂŁo diria em voz alta. — Tudo bem. Eu nĂŁo quero ser conhecido como o lobo que deixa seu acompanhante com fome. Minha Ășltima tentativa, e vamos te comprar comida.

— Tá bem — Yan arriscou outro sorrisinho, ameaçando um passo para se afastar quando Oz o segurou pelo pulso.

— Não, fica aqui. Fica pra me dar sorte — demandou, em um tom que era muito mais de ordem do que de pedido.

Yan ficou, apoiando novamente o rosto na mĂŁo enquanto esperava pela jogada. Oz testou a machadinha na mĂŁo pela centĂ©sima vez, deu dois passos para a direita e entĂŁo de volta para o centro, fechou e voltou a abrir um dos olhos. Enfim, ergueu a machadinha, mirando-a na cabeça do boneco e


— Cuidado, cachorro fedido! — Shu Lan gritou. Tinha se esgueirado para fora do cabelo de Yan e se esticado sobre seu chapĂ©u.

Pego pelo susto no meio do movimento, Oz lançou a machadinha em diagonal, fazendo-a passar voando sobre a cabeça do vendedor e se fincar na viga que sustentava o toldo.

Yan arregalou os olhos. Ao redor da barraca, ninguĂ©m ousou se manifestar. NinguĂ©m, alĂ©m de Shu, que soltou um sonoro “he-he” antes de voltar a se esconder, o rabinho branco coberto de manchinhas chacoalhando na lateral do chapĂ©u.

— Eu vou
 — Oz respirou fundo, fechando os olhos e a mĂŁo em um punho. — Eu vou cortar esse bicho em trĂȘs algum dia, Yan. Fazer espeto de lagarto e dar de comer pros lobos!

— AtĂ© os lobos vĂŁo ganhar comida antes de mim? — Yan fez um biquinho, se aproximando e beijando sua mĂŁo. Os ombros dele perderam um pouco de tensĂŁo.

— Foi um bom arremesso, jovem mestre! — O vendedor aplaudiu, enquanto o sangue voltava ao rosto depois do susto. E apontou para a machadinha fincada no fundo da barraca. — Vejam quĂŁo poderoso Ă© o herdeiro Farkas! NinguĂ©m nunca acertou uma machadinha tĂŁo
 longe! Foi essa força que dizimou centenas de nivarianos!

— Chega — Oz nĂŁo ergueu a voz. Pelo contrĂĄrio. Soou assustadoramente sĂ©rio, enquanto a mĂŁo se fechava ao redor do pulso de Yan. — Vamos. Esta barraca Ă© um saco.

Os dois se viraram para sair em meio a uma pequena plateia que se dispersava. Da aba do chapéu de Yan, Shu mostrou a língua para o vendedor ainda calado.

Por onde passavam, eram seguidos por uma multidĂŁo de olhares. NĂŁo sĂł porque Oz tinha a estatura do clĂŁ principal da cidade e uma onda farta de cabelos negros a se espalharem pelas costas, mas tambĂ©m porque suas vestes — trespassadas na altura do peito, em um tom de Ă­ndigo destinado apenas Ă quela famĂ­lia — chamavam atenção em meio Ă  decoração laranja.

Yan, ao seu lado, nĂŁo usava aquelas cores, mas uma tĂșnica simples e branca, com bordados delicados em fio cor de ouro.

— Aqui — Oz chamou sua atenção, exibindo sobre a palma da mĂŁo um pequeno bolinho de gemas doces que havia acabado de comprar de uma vendedora ambulante. — Pra vocĂȘ.

Os olhos de Yan se ergueram até os dele. O sorriso que ofereceu foi gentil e íntimo, mas não muito animado, nem mesmo enquanto comia o doce aos bocadinhos e o oferecia a Shu, em seu ombro.

— Foi o que ele falou, nĂŁo foi? — Oz perguntou, mostrando o canino afiado numa careta torta. — Sei que essa festa Ă© pesada pra vocĂȘ. Se quiser ir pra casa, digo ao meu pai que vocĂȘ estava cansado da viagem.

— Eu quero ficar mais um pouco, mas talvez aceite a ideia de perder a cerimĂŽnia — respondeu, se encostando no peito de Oz para comer o Ășltimo pedaço de doce. — Mas ainda tem um tempo, nĂŁo Ă©? NĂłs podemos comer aquele pĂŁo de carne no vapor. Eu senti o cheiro do preparo enquanto chegava hoje cedo.

— É verdade, vocĂȘ sempre gostou desses — Oz voltou a sorrir. Pousou a mĂŁo sobre a orelha de Yan em um afago suave. — Vamos. Vamos lĂĄ pegar os seus pĂŁes. VocĂȘ acha que uma dĂșzia daria conta?

— Eu como dois, no máximo
 — Yan sorriu, deixando que ele o puxasse novamente pelo pulso em direção às barracas centrais, de onde emanava o vapor cheiroso de comida de festa.

— Uma dĂșzia, entĂŁo. Parece perfeito.

*

Uma dĂșzia de pĂŁes depois, Oz estava entretido em uma barulhenta queda de braço. Ao seu lado, Yan admirava as luminosas dobraduras de papel que flutuavam sobre as barracas, entre pĂĄssaros, insetos e mesmo objetos inusitados, como pequenos bules. Aquilo havia aparecido de Ășltima hora, depois de saberem que a Ópera do Fim do Mundo estava na cidade. A trupe era conhecida por suas monstruosas dobraduras que distraĂ­am o pĂșblico tanto, ou mais, do que o talento de seus artistas ― e Ă© claro que o povo de Farkas criaria sua versĂŁo menos glamurosa da coisa, apenas por farra.

― Rendam-se, nivarianos! Ou Ă© aqui que nossas pontes se rompem para sempre!

― Nós preferimos nos lançar no olho do vórtex!

O olhar de Yan deslizou até um grupinho de crianças não muito longe dali. Aquelas palavras, conhecidas por qualquer pessoa em Farkas, eram o bordão atribuído a Ravi no cerco à Nivaria. O garotinho que fazia as vezes de Ravi usava um surrado colete de pele. Uma måscara de papel meio amassada, presa à cabeça, mimetizava o crùnio de lobo do líder Farkas. Na frente dele, um outro tinha duas cascas de limão amarradas por barbante ao topo da cabeça no que deveriam ser orelhas nivarianas.

Avançando com um grito que lembrava um rosnado de filhotinho, o Ravi de brincadeira bateu em seu rival com uma espada de madeira, arrancando do menino um chororÎ sentido.

― Por que vocĂȘ me bateu? ― ele questionou, fazendo um bico.

― Porque vocĂȘ Ă© o nivariano! ― seu companheiro rebateu, pondo as mĂŁos na cintura.

― E por que eu sempre sou o nivariano? VocĂȘ Ă© um chato!

— Porque eu sou maior e mais forte! Eu tenho que ser o mestre Farkas! Ou vocĂȘ acha que os nivarianos eram fortĂ”es tambĂ©m? — Ele mostrou a lĂ­ngua.

O menorzinho continuava esfregando a cabeça, com os olhos cheios de ågua. Um dos limÔes tinha se soltado e pendia da cabeça como uma orelha decepada.

— Ei, cuidado — Yan os interrompeu com a voz suave. — VocĂȘs podem se machucar assim.

O nivariano de mentirinha se virou em busca da voz e seus olhos se arregalaram, mirando as orelhas arredondadas no topo da cabeça daquela criatura.

Ele deu um passo para trĂĄs, sussurrando o nome do amiguinho, para que ele viesse para perto.

— O que vocĂȘ estĂĄ fazendo, seu tonto? — O maior sussurrou ao seu lado. — É o curandeiro do mestre Farkas!

O menino franziu a testa e abriu a boca. Parecia pronto para fazer um comentĂĄrio. Yan, Ă  sua frente, jĂĄ preparava um suspiro.

— Ei! — A voz alta de Oz chamou atenção nĂŁo sĂł dos meninos, mas de todas as mesas Ă  sua volta, quando se levantou. — Ouvi dizer que tem alguĂ©m aqui se achando o farkasiano mais forte! CadĂȘ? — Ele mirou o garotinho com a espada e abriu o sorriso, os dois caninos expostos. Em sua cabeça, o crĂąnio de lobo era sĂł parcialmente iluminado pelas luzes do festival. — É um desafio?

O garotinho arregalou os olhos. Como numa zombaria, a måscara que tinha imitando o adereço de crùnio dos Farkas se soltou de sua cabeça e caiu lentamente para o chão.

— Eu vou contar atĂ© trĂȘs e entĂŁo vai ser um desafio! — Oz continuou. — Um


Nem precisou continuar. Com um grito de medo e divertimento, as crianças correram entre as mesas em direção ao corredor de barracas, berrando que não tinham intenção de desafiar o jovem mestre.

Oz caiu na gargalhada, deixando o corpo descer de volta para a cadeira. Ao seu redor, as pessoas entoavam risos mais discretos. Mas ninguém ousou encarar as orelhas de Yan de novo.

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A desculpa que o prĂłprio Oz o tinha dado mais cedo era perfeita. Yan nĂŁo precisou alterar uma Ășnica palavra. Assim que as palmas começaram a anunciar a presença de Ravi no palco montado no centro do descampado, sĂł precisou dizer que iria descansar. E que ele deveria estar na festa, onde era seu lugar de direito, como herdeiro do clĂŁ.

De trĂĄs de um tronco, na entrada do bosque, ainda pĂŽde vĂȘ-lo ao lado do pai antes de se afastar um pouco mais, carregando uma lĂąmpada de papel. A voz alta de Ravi era repetida por uma enxurrada de pequenos autĂŽmatos, para que se espalhasse pelo territĂłrio de Farkas como se vinda diretamente do vazio, como a voz de um Imortal deveria ser.

— Meus caros, bem-vindos ao dĂ©cimo Festival da VitĂłria!

O som de mĂŁos batendo em mesas de madeira por toda a festa fazia os passos de Yan na floresta serem ainda mais silenciosos. Erguendo a lanterna Ă  frente do rosto, ele encontrou a trilha que levava ao miolo do bosque.

Para andar por aquelas bandas, era a noite perfeita. Não apenas porque a cidade parecia se concentrar ao redor do palco e entre as barracas iluminadas, mas porque até mesmo os lobos dos Farkas ficavam longe dos bosques em noites importantes, atraídos pela festa.

— É um imenso prazer tĂȘ-los aqui esta noite, para celebrar mais um aniversĂĄrio da nossa maior glĂłria.

Yan enrolou a cauda felpuda ao redor da bolsa que trazia trespassada ao corpo, evitando que pequenas folhas e cascas de ĂĄrvore se prendessem ao seu pĂȘlo clarinho. A trilha nĂŁo era muito longa. Levava atĂ© uma pequena ĂĄrea, entre as ĂĄrvores, dedicada antigamente Ă  contação de histĂłrias sobre todos os clĂŁs.

Farkas fora, hĂĄ nĂŁo muito tempo, o centro comercial e cultural das Cidades Flutuantes, o polo que conectava todas as cidades, o elo entre culturas diferentes. Yan tinha vivido aquilo, quando mais jovem. NĂŁo havia uma noite em que suas memĂłrias nĂŁo o buscassem durante o sono, entoando antigos cĂąnticos agora esquecidos.

— Nesta mesma noite, uma dĂ©cada atrĂĄs, liderei um grande grupo, formado por rostos que vejo agora entre vocĂȘs, para retomar a paz e a promessa de prosperidade entre as Cidades Flutuantes.

O grupo que Yan buscava era formado por nĂŁo mais do que duas dĂșzias de pessoas. PĂŽde encontrĂĄ-las sem muita demora, pelo brilho das lanternas. Eram todas iguais, de um papel branco bastante raro, que lembrava a cor da neve no começo do dia, e que queimava sem deixar vestĂ­gios.

NĂŁo reconhecia todos os rostos. A maioria pertencia a pessoas cujos nomes nunca memorizara. Naquela noite, entretanto, nĂŁo precisava ser reconhecido, apenas estar lĂĄ.

Pousou a lanterna no chĂŁo Ă  sua frente e juntou as palmas das mĂŁos diante dos olhos. Era um dos poucos ali com orelhas nivarianas — certamente, o Ășnico que nĂŁo precisava escondĂȘ-las. NĂŁo que isso fizesse qualquer diferença para a intenção. Poderia nĂŁo ser um fiel de Niva, mas certamente era um fiel das memĂłrias de Nivaria.

Das suas memĂłrias de Nivaria. E da memĂłria daqueles que nĂŁo sobreviveram ao que Ravi chamava de noite gloriosa.

— Estejam certos de que Farkas continuará soberana na luta pela igualdade dos povos. E pelo direito daquilo que pertence a todos nós.

Uma senhora ao seu lado deixou escapar um suspiro dolorido. Yan a olhou de canto. Ofereceu um sorriso discreto e entĂŁo um gesto, com o indicador sobre os lĂĄbios, em um pedido por silĂȘncio. Ela acenou com a cabeça, voltando a abaixar os olhos em suas prĂłprias oraçÔes aos Imortais.

— Eu e meu clã sempre nos colocaremos à frente quando for necessário. Nas batalhas ou nos dias de dificuldade. Pois enquanto Farkas prosperar, prosperarão em conjunto todas as cidades.

Em Farkas, nĂŁo era comum pensar sobre o vĂłrtex. Aquela era uma anomalia que quase nĂŁo os incomodava, um pequeno detalhe sobre a forma como seu mundo funcionava. Para Yan, no entanto, era impossĂ­vel nĂŁo pensar sobre o vĂłrtex durante o Festival. Nivaria teria sido sugada por ele quando a ponte que a conectava a Farkas ― a Ășnica ponte que a conectava a qualquer coisa ― tinha sido rompida? Ou vagava no vazio escuro para alĂ©m das Cidades, impossĂ­vel de se alcançar?

— E se ainda há em nosso mundo qualquer inimigo da prosperidade, o forçaremos a se revelar. E romperemos, para todo o sempre, as pontes que nos ligam a ele. Por Farkas, e pelas Cidades Flutuantes!

Yan ergueu o olhar. A onda barulhenta dos farkasianos em festa voltou a irromper até o bosque. Precisavam voltar. Concentrou o espírito na palma da mão, sentindo seus dedos formigarem sobre a lanterna acesa. O brilho do fogo se refletia em seus olhos dourados, quente e desafiador.

— Por Niva — sussurrou. E nĂŁo desviou os olhos enquanto a lanterna se incendiava espontaneamente perto de seus pĂ©s.

Deixou escapar um suspiro quando a chama se apagou, mergulhando o bosque de volta no vazio. Os Imortais os tinham ouvido. Niva tinha recebido sua oferenda. Em seu coração, restava a esperança, ainda quente como o fogo, de que Nivaria um dia seguisse a luz das lanternas queimadas e encontrasse seu caminho de volta até as Cidades.

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Yan tomou seu caminho de volta para o Hall da Conflagração. Na cidade, o som da mĂșsica enchia o festival de vida. Do portĂŁo do Hall, podia ouvir tudo, ver as luzes se espalhando pelo cĂ©u da cidade, atĂ© sentir o cheiro dos pĂŁes recheados. Mas jĂĄ nĂŁo tinha fome.

Alguns lobos guardavam os portĂ”es, rodeados de pequenos autĂŽmatos voadores. Yan abriu um sorriso discreto, fazendo uma reverĂȘncia em agradecimento quando os pĂĄssaros abriram o portĂŁo para que passasse.

EntĂŁo ouviu passos vindos de fora, virando o olhar por sobre o ombro.

Ele caminhava a passos lentos. Soltos ao vento forte, e sob as luzes do festival, seus cabelos eram como uma fogueira. Seria imponente, não fosse a suave contração em suas feiçÔes, como se estivesse sentindo dor, um detalhezinho de nada, que o sorriso amplo quase escondia.

— Boa noite, companheiras — Shu Lan sibilou por cima do ombro de Yan, os olhos pousados sobre as cobras gĂȘmeas enroladas no pescoço do convidado de Ravi.

— Que criaturinha mais bem-educada — Kuí respondeu, assim que chegou perto o suficiente para que não precisasse erguer a voz.

— É, ele nĂŁo Ă© sempre assim — Yan sorriu, levando a mĂŁo para afagar a cabeça do lagartinho. — NĂŁo vai ficar para as festividades, Senhor Instrutor? O mestre Farkas tem muito orgulho dela.

― Tanto que faz questĂŁo de comemorar por muitos dias, certo, benzinho? NĂŁo Ă© como se eu fosse perder algum detalhe de verdade. AlĂ©m do mais, nĂŁo sou o Ășnico a sair de fininho esta noite. Estou errado?

Yan sentiu o rosto corar. Ele chegava perto, falava devagar, com uma voz luminosa e musical. Era diferente das companhias farkasianas com as quais tinha se habituado ao longo dos anos. O rosto do Senhor Instrutor não lhe era um completo estranho, mas o tinha encontrado quando era jovem demais. Quando sua cabeça estava cheia demais para fabricar muitas memórias sobre ele.

— Minha família mora um pouco afastada da cidade — explicou, o tom de voz gentil combinando com um sorriso calmo. — Cheguei de viagem hoje cedo e não tive tempo de descansar. Acho que minha energia para festas está meio baixa.

— VocĂȘ Ă© o curandeiro especial sobre quem Ravi tanto me falou, nĂŁo Ă©? ― Os olhos reptilianos subiram atĂ© as orelhas macias de Yan, sem qualquer pudor, mas ele nĂŁo teceu qualquer comentĂĄrio sobre elas. ― Achei que teria o prazer de te encontrar na cerimĂŽnia de abertura. Deve estar mesmo muito cansado, benzinho, se sĂł chegou agora ao Hall. Eu nĂŁo vou ser o responsĂĄvel por te segurar longe da cama por nem mais um segundo.

— Eu estava lá — Yan respondeu com um sorriso fácil. Tinha para mentir o mesmo dom que tinha para curar. — Fora dos focos de luz. Eu imagino que o senhor entenda os meus motivos. — As orelhinhas se mexeram suavemente quando Yan desviou o olhar, fingindo respeito.

― Não faço ideia da razão ― Kuí respondeu numa brincadeira amistosa, as sobrancelhas franzidas por um segundo breve.

— Por mais grato que eu seja ao mestre Farkas pela hospitalidade
 — Yan recomeçou, andando pelo Hall silencioso atĂ© o corredor de seus prĂłprios aposentos. — Entendo que esta festa nĂŁo Ă© sobre mim. Oz faz o possĂ­vel para que eu me sinta bem-vindo, mas nĂŁo gosto de ser um estorvo, senhor. — Mordeu o canto do lĂĄbio, a voz ficando apenas levemente mais baixa. — Por favor, nĂŁo conte meu segredo.

― Cobras nĂŁo tĂȘm boa audição, benzinho. Se vocĂȘ me disse algo, morreu com o vento.

— Por essa lĂłgica, lagartos tambĂ©m nĂŁo. Mas eu ouço muito bem — Shu Lan comentou, em um tom espirituoso que fez Yan rir.

— Acho que Shu estĂĄ tĂŁo cansado quanto eu, por isso soa tĂŁo amigĂĄvel. — Meneou a cabeça, abrindo a bolsa em busca da chave de seu quarto. — NĂŁo se espante, senhor. Ele sabe ser bem mais ĂĄcido quando estĂĄ descansado. Mas nĂŁo Ă© por mal.

— Eu não interpretaria dessa forma. — Kuí franziu o nariz em um sorrisinho.

Seus aposentos, destinados aos convidados ilustres do mestre Farkas, ficavam um pouco mais acima, perto de sua escadaria particular. Com um aceno gracioso, Kuí fez menção de se despedir e seguir adiante.

— Senhor Instrutor — a voz do curandeiro o manteve no lugar ―, um momento. ― Yan tinha a porta de seus aposentos aberta e buscava algo na bolsa Ă  meia luz. — Ah, aqui. Para vocĂȘ.

O pacotinho que tinha em mĂŁos era pequeno, de papel translĂșcido fino. Yan o fechou graciosamente com um lacinho de fita antes de entregar.

— SĂŁo as ervas que uso no remĂ©dio do senhor Farkas. VĂŁo ajudar com a sua dor de cabeça. O segredo sĂŁo duas colheres de mel, para acobertar o sabor amargo. Basta infusionar por cinco minutos em ĂĄgua quente e beber como chĂĄ. — Yan ofereceu um sorriso ao fim da explicação. — Boa noite.

Entre diplomatas, as relaçÔes costumavam ser åsperas, acres, cozidas lentamente. Exigiam tamanha fibra emocional que quase sempre eram forçados a se fechar em copas. Os muros de Kuí eram seus sorrisos, e ele não teve nenhum para oferecer àquele pequeno curandeiro, observando o pacote em suas mãos.

Era bem pouco acostumado com gentileza e atenção genuínas, das quais nunca desgostaria.

Estava mesmo com dor hå vårias horas, culpa do clima inconstante e desconfortåvel de Farkas, incÎmodo mesmo para uma cria do deserto como ele. Ficar de pé ao lado de Ravi enquanto ele gritava a plenos pulmÔes não contribuíra muito.

― Eu não gosto de dever gentilezas, benzinho ― Kuí disse antes que a porta de Yan se fechasse, voltando a sorrir. ― Posso ter o prazer de levá-lo a um ensaio da Ópera nos próximos dias?

— Um ensaio? — Yan deixou a expressão se perder no convite, os olhos postos em Kuí sustentando a mais pura surpresa. E então ele sorriu, iluminando o olhar com as maçãs do rosto coradas. — Eu não poderia, Senhor Instrutor. Não com o tanto de trabalho que devo ter para manter a
 Sobriedade dos farkasianos durante o festival. Mas estou certo de que o senhor vai encontrar uma companhia à altura dos seus artistas. Não pense que me deve nada pelo chá, por favor. Veja como um presente. Eu espero que tenha uma boa noite de descanso.

Enquanto encarava a porta agora fechada, a muralha de KuĂ­ esculpida em sorriso voltou a demonstrar pequenos sinais de erosĂŁo.

Continua


No prĂłximo capĂ­tulo
 TomĂĄs foi visto se agarrando com um gostoso na Avenida Paulista bem quando disse que ia ficar com a vovĂł. Que cobrinha! Mas disso vocĂȘ entende, nĂ©, LĂłtus? E sua resposta sĂŁo essas flores? Que tipo de relação vocĂȘs dois tĂȘm, afinal? E o que vocĂȘ acha daquele moço bonito que conta histĂłrias pras crianças? Boatos de que o pessoal do hospital chama ele de “menino dos sonhos”. DĂĄ uma espiadinha!

O Capítulo 5 — Bichinho chega no dia 8 de setembro às 12h!

Até a próxima!

Ei, vizinho! NĂŁo esquece de me acompanhar nas outras redes! đŸ’«

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