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💫 Pontes Imortais ― Capítulo 3
Uma lista de surpresas
Boa tarde, vizinhos de Vórtex! A sexta chegou e eu também, trazendo mais um capítulo de Pontes Imortais.
No capítulo anterior… O Shu é a estrela do show, concordam? Acompanhou o Yan na visita à família e ainda foi o melhor amigo de milhões impedindo que certas mãos precipitadas encontrassem o laço de sua roupa tão cedo na história. Voltemos agora a Vi e Tomás, em São Paulo. Na última vez em que os vimos, tinham acabado de deixar o bar Costela para dar uma volta. Acham que eles vão longe? Pode ser que vejam alguém quando menos esperam…
Para uma experiência completa, leiam este capítulo ao som de Anaconda, da Luísa Sonza, e Desert Rose, de Sting e Cheb Mami!
Capítulo 3 — Uma lista de surpresas
São Paulo, 2023
O percurso da praça Roosevelt até a avenida Paulista era como uma trilha pelo coração noturno de São Paulo. Subindo da praça, o portão do parque Augusta parecia um portal para a ala mais escura da noite ― o acúmulo de árvores se destacava como uma mancha entre uma miríade de condomínios. Mais adiante, Tomás e Victor passaram por bares de todos os tipos, desde velhas padarias de bairro até botecos mais descolados, com sua iluminação baixa e decoração industrial. Das ruazinhas laterais escoava o som de música e de gente, e o cheiro de batatinhas.
Tomás sempre gostou daquela região. Antes de entrar na faculdade, quando suas noites pertenciam ao cursinho preparatório em uma travessa da Paulista, um pouco mais para o lado do MASP, costumava frequentá-la bem mais do que agora. Foi o cenário de vários primeiros encontros, do seu primeiro porre — pelo qual tomou um sermão de horas — e da primeira vez que viu alguém vendendo docinhos batizados.
Seu apego ao lugar explicava um pouco por que andar ao lado daquele cara barulhento, com o cigarro pendendo do canto dos lábios e a jaqueta jogada displicentemente por cima do ombro, causava uma sensação tão familiar. Victor era a personificação da rua Augusta.
— Você não fuma, né? — ele perguntou sem tirar o cigarro da boca, a voz soando meio abafada.
— Não — Tomás respondeu com um sorriso. Victor tinha sua mochila sobre o outro ombro. Tinha feito questão, o que foi gentil. Era realmente uma mochilona pesada, como ele tinha resmungando enquanto a erguia do chão. — Mas não me incomodo se você fumar.
— Que bom. — Ele ergueu o canto dos lábios, tragando, virando o rosto para soltar a fumaça na direção da rua. — Tá com fome?
— Um pouco — admitiu. Tinha bebido os dois coquetéis de barriga vazia. Era o suficiente para ver o mundo com um tanto de detalhes inúteis. — Tem um lugar na quadra de cima que eu amo.
— O meu favorito fica lá também. Mas eu não sei se você gosta de shawarma. Eu aprendi a gostar do de falafel na fase vegetariana do meu melhor amigo… — ele segurou um riso, balançando a cabeça — que durou três semanas.
— Ah, você tá falando do mesmo lugar que eu! — Tomás tinha um tom divertido a mais na voz, parcialmente por culpa da bebida. — Quando eu estudava aqui perto, saía tarde. A minha vó sempre perguntava se eu queria que ela deixasse a janta pronta, mas eu inventava de comer lá alguma coisa pra ela ter um pouco menos de trabalho. — Mordeu o canto do lábio. — Não servia de muita coisa. Ela fazia comida mesmo assim e falava que “lanche de rua não era janta”.
— Então você mora com a sua avó?
— Sim, e você?
— Sozinho. — Victor deu de ombros. O tom foi um pouco sério demais, fazendo com que Tomás não elaborasse outras perguntas, mas chegasse um passo para perto, enlaçando o braço dele com as mãos pequenas.
Vi o espiou pelo canto dos olhos. Tomás era baixo, a cabeça chegando na altura de seu ombro. Não pesava nada. Vi tinha certeza disso mesmo que logicamente nunca o tivesse erguido do chão.
O pequeno comércio de comida árabe não era mais do que uma portinhola estreita com um balcão e uma gôndola onde ficavam expostos vários docinhos. Pediram dois shawarmas — e Vi fez questão de incluir também um docinho de nozes com mel. E de estender a mão na frente e chamar atenção do atendente antes que Tomás fosse capaz de pagar sua parte.
— Eu ia pagar… — ele resmungou, num tom cantado meio bêbado que quase fez Vi rir. — Mas obrigado.
— É só um lanche. Relaxa — respondeu, dando de ombros. — Se sua vó perguntar, fala que foi escolha sua não comer comida. Oh — ele estendeu a mão na direção de Tomás, com a palma para cima, o doce de nozes pousado sobre ela —, pra complementar.
— É tão doce quanto você? — Tomás provocou, rindo quando viu a caretinha que Victor fez, o nariz descascado meio franzido em um desagrado fingido. — Não faz essa cara. Qual é o problema? Caras selvagens não podem ser doces?
— Se meu amigo escuta isso, ele nunca mais ia me deixar em paz — resmungou, jogando a bituca do cigarro antes de morder um pedaço avantajado do lanche.
Tomás intercalava mordidas entre o salgado e o doce, num movimento que Victor acompanhou em silêncio enquanto passavam em meio a baladas barulhentas e calçadas abarrotadas.
— O que foi isso aí? — Apontou com o olhar para uma mancha meio enrugada em sua pele, perto do pulso de Tomás. — Se não for rude demais perguntar.
— Não é. É de nascença. — Ergueu os ombros.
— Porra, cê ganhou na loteria de marcas de nascença, né? — Riu brevemente, tacando no lixo o papel do shawarma que tinha acabado de devorar em poucas mordidas.
— É, foi. Minha vó tem altas teorias sobre isso. — Balançou a cabeça, vendo como ele já tinha terminado de comer o lanche enquanto mal tinha chegado à metade do seu. — Quer mais? Não acho que como tudo.
— Não sou de recusar.
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O clima na avenida Paulista era acolhedor. Um misto de vozes, cheiros e sons tomava a calçada na esquina com a Augusta. Perto do metrô, vendedores de milho e churrasquinho dividiam a atenção de um grupo de jovens. Do outro lado da rua, uma pequena feira de artesanatos se espalhava ao longo de alguns metros. Uma moça jovem terminava de recolher os trocados recebidos pelo show de violão e voz que tinha dado ao acúmulo de gente na saída do shopping.
Vi puxou Tomás pela mão quando conseguiu um lugar para se encostar na muretinha de um banco fechado. Tomás não resistiu, se aproximando e deixando que ele envolvesse sua cintura com as mãos.
— Tá bêbado ainda? — Vi perguntou. Uma de suas mãos subiu até o cabelo de Tomás, brincando com sua mecha de um jeito casual que o fez sorrir.
— Não muito. Por quê? Eu pareço? — Arrastou a voz de propósito, se aproveitando para chegar um passo mais perto, entre as coxas de Vi, o peito quase tocando o dele.
— Deixa eu ver. — Vi tocou seu rosto, erguendo-o para si. Apesar das maçãs do rosto coradas e do sorriso, ele parecia bem. Como bônus, ainda teve aqueles olhos nos seus por mais um tempo. — Você tem uns olhos do caralho, sabia?
— Nunca me disseram com essas palavras. — Tomás riu, erguendo a mão para tocar Vi num carinho perto da orelha. — Mas acho que foram as minhas favoritas.
Deve ter usado um tom ainda mais baixinho e arrastado, pela forma como Vi o envolveu nos braços e os girou, encostando-o na mureta ao lado de onde tinha pousado a mochila e a jaqueta. Sentiu a pele do pescoço dele na palma da mão. A aspereza dos cabelos curtinhos fazia cócegas contra os dedos.
— E se eu roubar um beijo em vez de falar mais coisa? — ele perguntou com a voz baixa. Sua mão tinha se apoiado no queixo de Tomás, erguendo seu rosto até o dele. O toque era firme e confiante, porém suave de um jeito gostoso. Tomás mordeu o canto interno do lábio, puxando-o um pouco.
— Você é do tipo que pede? — provocou com um sussurro, tocando a lateral do nariz na dele.
— Só na primeira vez — Vi retrucou, o sorriso se erguendo torto, uma única covinha cavando uma sombra na lateral de seu rosto. — Me responde. — Desceu a mão um pouco, roçando os dedos em seu pescoço. Pareceu satisfeito quando os cabelos mais finos de Tomás se arrepiaram perto da nuca. — Se disser que não, é não. Te deixo no metrô e vou pra casa. — O nariz de Vi se apoiou de volta na lateral do seu. Perto assim, sentia as vibrações de seus lábios quando ele falava. — Você não disse nada, lindo. Quer que eu responda no seu lugar?
— Você nunca fica quieto… — Tomás esboçou um sorriso. Uma das mãos pequenas se prendeu na lateral da blusa de Vi, trazendo-o um pouco mais para perto. Ele era bem maior, cobrindo os arredores como uma muralha particular. Tomás gostava desse detalhe. — Vou ter que te ajudar com isso, lobinho.
Ameaçou tocar os lábios nos dele. A intenção era tudo que Vi esperava para matar a distância. Pendeu o rosto para o lado, encaixando o beijo e liberando passagem para sua língua, arrancando um suspiro de Tomás. A mão enroscada nos cabelos ainda meio arrepiados de sua nuca era o tipo de golpe baixo que aprovava em silêncio, e encorajava, com as pontas curtinhas das unhas roçando a pele atrás de sua orelha.
O beijo de Vi era reconfortante como uma memória querida, antiga e nebulosa. Era intenso o bastante para que tivesse vontade de se afastar para recobrar o fôlego, mas tão envolvente que a falta de ar não bastava para tirá-lo dali.
Ele cheirava a cigarros, sândalo e outra coisa mais quente, como pimenta do reino. Tinha a memória sombreada de uma cascata de cabelos com aquele mesmo cheiro roçando-lhe o pescoço. Uma lembrança deslocada.
— Pss… — Vi o chamou quando rompeu brevemente o contato, descendo a boca até seu maxilar em uma trilha de mordidas delicadas. Tomás tinha um sorriso de aprovação, a mão apertada na curva de seu ombro em um estímulo de resposta. — Você tem cheiro de suco de laranja — brincou, completando: — E tequila.
— Isso é bom? — Tomás perguntou por reflexo. O coração acelerado pelos estímulos bombeava sangue para o rosto.
— É, mas… — Vi continha o sorriso. Segurou Tomás pela nuca num aperto mais firme e então desceu o rosto por seu pescoço, o nariz se roçando em sua pele, antecipando um beijo atrás da orelha. Tomás o arranhou com as pontas das unhas. — O cheiro de canela vem do quê?
— Do meu perfume… — Tomás suspirou, sussurrando a resposta.
— Eu gosto desse ainda mais — Vi respondeu, e o mordeu de leve. Tinha o sorriso confiante estampado na cara quando ergueu a cabeça. Envolveu Tomás num meio abraço e pousou um beijo entre seus cabelos, então outro, logo abaixo do olho. No terceiro, mergulhou de volta em seus lábios, assim que ele os abriu como se esperasse dizer alguma coisa.
— Vi… — Tomás chamou baixo, já convencido a contrair seu nome para uma única sílaba, em um vício paulista. Quase notou como o apelido fazia Vi chegar mais perto.
— Abre um espaço aí, meu. — Um encontrão os interrompeu. Vi buscou a origem com a testa franzida, enquanto protegia Tomás com a lateral do braço. O cara que trombou neles tinha o celular em mãos, a câmera apontada para algo na calçada, que ele filmava sem prestar muita atenção aos arredores.
— Ow! — Vi ergueu a voz e ajeitou o corpo. Era um bom palmo mais alto do que o sujeito e aquela nem era a diferença de estrutura mais relevante. — Se empurrar de novo, vai buscar essa porra aí lá na ciclovia.
O cara encolheu os ombros, afastando um passo para o lado na defensiva antes de se perder no burburinho da avenida. Tomás o encarou com uma caretinha, passando as mãos pelo braço de Vi num pedido mudo para que deixasse para lá.
— Psiu — Tomás chamou baixinho. — Deixa. Vem aqui… — Voltou a roçar os lábios nos dele, atraindo de volta sua atenção até se convencer de que ele tinha parado de encarar.
Tinha quase todos os sentidos dedicados a Vi, mas foi traído pela audição. Talvez fosse mais adequado falar que foi alertado por ela. De algum lugar não longe dali, ouviu o começo de uma música cujas ondulações iniciais tinham a cadência de músicas tipicamente árabes. A voz veio logo em seguida, única e chamativa. Destoava bastante das músicas que se costumava ouvir por ali. Era uma canção saída do final dos anos 1990 nas vozes de Sting e Cheb Mami, informação que só tinha por um importante detalhe: aquela era a música preferida de Lótus, a que ele usava em suas apresentações.
Abriu os olhos na hora, quebrando o beijo sorrateiramente. Tinha dito a Lótus que estaria com a avó. Por quê? Se tivesse apenas dito que sairia sozinho, não haveria problema algum. Não quis correr o risco de magoá-lo e agora corria o de ser pego numa mentira sem propósito.
Nem precisava ter espiado por trás do corpo de Vi para saber que ele estaria ali. Agora via um bom número de celulares voltados para a apresentação que começava. Devia ser isso que o carinha queria gravar, para começo de conversa. Ironicamente, estavam mesmo em um ângulo privilegiado.
Lótus dançava com uma cobra enroscada nos ombros. Era difícil pontuar o que chamava mais atenção na cena: as cores quentes e vivas do animal, as roupas largas e escuras que ele usava ― contrastando com o cinturão de moedinhas douradas ao redor do quadril ― ou aquela expressão superior e zombeteira que ele sustentava, apesar do sorriso, como se não fosse uma criatura daquele mundo, tampouco fizesse questão de ser.
Droga.
Ele estava logo ali.
— Ei — Tomás chamou Vi baixinho, apertando as mãos nos braços dele, usando o tamanho dele para se esconder. Com sorte, Lótus não o veria ali. Tinha muitos olhos sobre ele agora, o que serviria para distraí-lo. — Eu tô com frio. E tá ficando tarde... — Valorizou o tom meio manhoso da própria voz quando se escondeu contra o peito de Vi.
— Quer minha jaqueta? — ele perguntou, apoiando a mão em sua nuca com uma pressão suave.
— Não precisa. — Tomás respondeu, sem se afastar. — Eu preciso ir antes que o metrô feche.
— Tem certeza? — Vi voltou a exibir as covinhas. — Eu moro aqui perto. A gente podia ir pra lá. Eu não ia deixar você passar frio — sussurrou a última parte. E então se inclinou, passando a ponta do nariz por sua orelha. — Vem?
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Victor acelerou a Harley pela rua da Consolação. Tomás tinha as mãos apoiadas em sua cintura, suavemente apertadas na frente de sua regata, por baixo da jaqueta, como ele disse que podia.
Quando respondeu a pergunta dele dizendo que tinha mesmo que ir para casa daquela vez, havia toda uma lista de pequenas coisas que não imaginava sobre ele. A primeira, que se ofereceria para levá-lo.
Estava tarde, ele tinha dito. E era verdade. Tarde demais para deixar que Tomás voltasse sozinho para a Liberdade quando tinha a possibilidade de levá-lo até em casa. Não ia recusar. Ainda que fosse a carona de um estranho, era uma carona. E Victor podia ser grande, mas não era nem de longe tão intimidador quanto o centro de São Paulo depois do pôr do sol.
A segunda coisa que pegou Tomás de surpresa foi o endereço de Vi. Quando ele lhe ofereceu a carona, sua primeira reação foi perguntar se a moto tinha ficado na Roosevelt. Não, Vi tinha dito, com um sorriso charmoso. Estava na garagem. O prédio era grande e bonito, com uma janela ampla que dava vista para a avenida. Resistiu ao impulso de vê-la por dentro quando disse que esperaria no hall de entrada. Não confiava em sua própria força de vontade para voltar para casa se aceitasse subir mesmo que por alguns minutos, não com ele o olhando com aquele sorriso miserável.
A terceira e última coisa da lista tinha sido aquela moto, uma surpresa só um pouco menor por já ter visto o apartamento. Nunca tinha andado em uma moto tão grande. Combinava com ele. Tinha a mesma pompa irritante e atraente daquele cara grandão e barulhento.
Quando a moto acelerou na entrada do viaduto, o ronco reverberou pelo corpo de Victor até suas mãos. Tomás sentiu um suspiro preso na boca, um que teria que esperar até a próxima chance de vê-lo, se ela fosse mesmo acontecer.
— É aqui? — Vi perguntou quando parou a moto na ruazinha estreita, em frente a um restaurante de lámen de aparência antiga.
— Ali — Tomás corrigiu, apoiando a mão sobre o ombro dele e apontando um comércio fechado. Sobre a porta de metal, o nome Pedacinho de Céu estampava uma placa coloridinha, adornada com pequenas nuvens brancas.
Vi deixou a moto descer um pouco mais na rua, devagar, até estar de frente para a porta certa. Tinha o farol alto iluminando a rua vazia quando tirou o capacete brevemente, esfregando a mão pelos cabelos. E segurou a moto para que Tomás pudesse descer e se livrar do capacete reserva.
— Tá entregue — anunciou, abrindo o sorriso mais de lado quando Tomás se aproximou para beijá-lo em agradecimento. — Sabe onde me achar se precisar de companhia. Vou tentar incluir essa atividade no CNPJ da loja.
Tomás riu, balançando a cabeça lateralmente.
— A gente marca um dia melhor na próxima — sugeriu, a boca perto da orelha de Vi permitia um quase sussurro. — Um dia em que eu possa subir, se você me chamar de novo.
— Combinado, então. Me diz um dia bom na rotina de médico — brincou, virando o rosto para mordê-lo de leve no queixo. — Vai lá, antes que a sua vó escute e venha me dar um couro.
— Não sabia que você já conhecia a vovó. Isso foi bem preciso — Tomás respondeu no mesmo tom, dando um último beijinho suave em Vi antes de sacar as chaves do bolso lateral da mochila e se afastar até a porta.
Ouviu o ronco da moto acelerando assim que fechou a porta por dentro, tão alto que poderia acordar algum vizinho. Aquilo quase o fez rir.
Procurou pelo celular no outro bolso enquanto subia as escadinhas estreitas que levavam à sobreloja onde morava com a avó. Uma notificação acima das demais atraiu sua atenção. Uma mensagem de Lótus, de alguns minutos antes.
“Oi, bichinho <3 como foi a noite com sua avó? tô com saudades, dorme bem!”
Tomás mordeu o canto do lábio, ajeitando os óculos. Ele não o tinha visto, tinha? A hora da mensagem era perfeita, mas Lótus sempre mandava alguma por aquele horário, ou um pouco mais cedo.
“Foi tranquila! E já to deitadinho mesmo. Boa noite. 😴”
Teria a chance de compensá-lo pela mentirinha inofensiva quando o visse no começo da semana seguinte.
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― Eu posso encostar nela?
Lótus ergueu os olhos para a mocinha de moicano que havia parado diante dele. Sentado na calçada do shopping com um frappuccino de morango em mãos, suado após quase quarenta minutos de performance, ele ainda conseguia ter a aura animada de um diabrete.
― Na Cremilda? ― questionou, tocando a cobra que descansava ao redor de seus ombros. Não era um animal grande, mas o corpo vermelho com manchas alaranjadas servia para chamar atenção.
Antes que pudesse falar que sim ou não, a garota já avançava sobre o bicho.
― As dessa espécie têm um veneno que te faz bater a caçuleta em três minutos, doçura.
A mão da garota ficou suspensa no ar, com uma expressão incrédula que poderia ser culpa do sorriso largo de Lótus ao falar tão calmamente sobre a peçonha do bichinho que carregava nos ombro, ou ― e ele apostaria nessa hipótese ―, simplesmente por não ter entendido o que quis falar.
― Não mexe, não ― completou, o corpo se inclinando para frente de um jeito íntimo que não era acolhedor.
Acompanhou os passos da moça até ela sumir de vista, rindo então, os dedos finos, de unhas bem esmaltadas, fazendo carinho em Cremilda.
Cobras-de-milho não eram peçonhentas. Na realidade, eram tão dóceis que, às vezes, Lótus pensava que se havia um deus, ele ao menos deveria tê-las dotado com um pouco mais de ânimo para morder.
Cremilda, ainda por cima, era social demais.
No geral, Lótus gostava bastante da atenção que ele e suas cobras recebiam em performances, mas estava se sentindo amargo de um jeito que nem o frappuccino de morango já pela metade conseguiu aliviar. Puxou o celular do bolso pelo que deveria ser a décima vez em menos de dois minutos. Nada.
Tinha a esperança de que a conversa com Tomás não morresse ali, naquele boa-noite. Que ele enviasse mais uma mensagem com um “viu, eu sei que acabei de falar que tava com a minha avó, mas na verdade tava me agarrando com um galalau saído diretamente de uma webcomic de omegaverso, acho que você merecia saber”.
Não o incomodava o fato de ele ficar com outras pessoas, mas a mentira. Lótus era um metidinho: o suficiente para fazer questão de ser sempre mimado por todos, mas gastar suas energias apenas com um grupinho bastante exclusivo. Não se esforçava tanto para não ser retribuído, muito menos para ser retribuído daquela forma.
Viu os dois antes de começar a performance. A noite tinha aquela promessa gostosa de liberdade que havia aprendido a curtir em São Paulo, do tipo que pode te cobrir com uma capa de invisibilidade ou te colocar nos holofotes, uma promessa que derreteu feito sorvete no sol quente quando pousou os olhos em Tomás e seu acompanhante. Perder a compostura, no entanto, sequer fazia parte da natureza de Lótus. Ao seu redor, uma multidão meio aparvalhada parecia pronta para lhe oferecer atenção, e ele tinha sua música preferida engatilhada no celular.
Deu a Tomás mais vinte minutos de oportunidade, enquanto terminava de beber o frappuccino em golinhos modestos. Nada.
Depois de uma rápida pesquisa no Google, abriu uma segunda aba e buscou o site de uma floricultura badaladinha, escolhendo um belo arranjo de gerânios vermelhos. Escolheu a data de envio para dali alguns dias, quando encontraria Tomás, e no espaço para o recado que seguiria com as flores, digitou “um presentinho para te deixar pensando em mim”.
Gerânios, sua pesquisa garantiu, eram repletos de pólen.
Continua…
No próximo capítulo… Ele sempre chega na hora certa e, desta vez, ele chegou bem na época do Festival da Vitória. O Senhor Farkas tinha solicitado que Yan cobrisse suas orelhas. Isso seria mesmo necessário? Que razões ele teria para se afastar da presença protetora de Oz?
O Capítulo 4 — O segredo são duas colheres de mel chega no dia 1 de setembro às 12h!
ATENÇÃO! Na semana que vem não teremos capítulo novo, mas o apanhadão do primeiro mês de postagens, além de umas coisinhas a mais. Uma alma bondosa sussurrou no meu ouvido que agosto seria o mês do meu aniversário no calendário terrestre. Conto com a sua presença para participar das comemorações!
Até a próxima!
Ei, vizinho! Não esquece de me acompanhar nas outras redes! 💫
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