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đź’« Pontes Imortais ― CapĂtulo 23
Finalmente vocĂŞs acordaram!
Uma boa tarde, vortexianos! O capĂtulo de hoje Ă© muito especial porque Ă© o penĂşltimo capĂtulo da temporada! Sim, nosso primeiro tour pelas Cidades Flutuantes está chegando ao fim. Neste capĂtulo, nos despedimos de SĂŁo Paulo por enquanto e, na semana que vem, nos focamos nos eventos que causaram todo o problema lá em Farkas? Prontos? Eu diria para se segurarem bem firme nas asas do nosso Fronteiriço, porque uma tempestade se anuncia e podemos enfrentar turbulĂŞncia!
No capĂtulo anterior… Em Farkas, o plano de Li’a foi escancarado. Na hora H, o assassinato do Senhor dos Lobos falhou e deixou a Sereia em maus lençois! Voltaremos a ela na semana que vem. Por hoje, estamos de volta a SĂŁo Paulo depois do encontro fofo — finalmente! — de Tomás e Yue. É hora do Indiepira, o festival de rock sertanejo
Para este capĂtulo, temos duas mĂşsicas para a trilha-sonora! A primeira Ă© EvidĂŞncias, na versĂŁo da banda Hardneja Sertacore, para a cena do festival. E a segunda Ă© Temporal, da Pitty, para… bem, outras coisinhas! đź‘€
CapĂtulo 23 — Finalmente vocĂŞs acordaram!
SĂŁo Paulo, 2023
Quando Lótus chegou na praça Roosevelt, a banda da vez tocava uma versão hardcore de Dormindo na praça no pequeno palco do Indiepira. Ao redor, o público se apertava entre risadas e um coro de vozes alteradas pelo álcool.
Assim que os olhos dele pousaram sobre o carinha alto no meio das pessoas, com ombros largos e um copão de cerveja na mesma mão que segurava um cigarro, reviraram-se com tanta ênfase que suas pálpebras doeram.
Victor era uma figura incômoda, muito mais Praça Roosevelt do que Indiepira, muito mais o tipo urbanoide do que alguém capaz de conhecer um clássico da música como aquele. De fato, ele não cantava, mas sim dedilhava o ar como se tocasse uma guitarra, entre um trago ou outro, pontuado por goladas de cerveja. Ainda assim, bastante gente observava seu teatrinho sem propósito.
Ele atraĂa olhares de um jeito irritante, como alguĂ©m que era muito, ao mesmo tempo em que conseguia ser tĂŁo simples.
— Que miséria o Tomás viu em ti além de parecer bom pra sentar? — Lótus perguntou, parado às costas dele, a voz ácida escondida pelos sons da banda.
Como se guiado por uma presença esperada, Victor se virou, erguendo uma sobrancelha assim que seu olhar encontrou aquela figura baixinha, com o pedacinho da franja pintado de rosa. O reconheceu imediatamente como o cara no plano de fundo de Tomás. O sorriso veio a contragosto, acompanhado por apenas uma das covinhas, como se mesmo elas relutassem em aparecer. Mesmo assim, Vi ergueu uma mão para cumprimentá-lo.
— E a�
Lótus pendeu a cabeça, reconhecendo o movimento e abrindo ele próprio um sorrisinho contido quando ofereceu a mão de um jeito que obrigasse Vi a desfazer o aperto de mão que tinha armado e segurar a sua de um jeito mais delicado. Quase parecia oferecê-la para um beijo. Não ia deixar aquele ali bancar o alfa na sua presença.
— Que foi que cê falou, carinha? — Vi questionou assim que soltou a mão do toque rápido, voltando a levar o cigarro até a boca.
— Perguntei se você já viu o Tomás. — Lótus vestiu um sorriso ainda mais fingido, pegando o celular para olhar a última mensagem que havia recebido. Tomás havia dito, em uma mensagem toda fora de ordem, que “talvez estivesse perto do palco, na luz roxa”.
O “talvez” já era bastante confuso. Seria menos se tivesse encontrado qualquer coisa parecida com uma luz roxa naquele lugar. O holofote lançado sobre o público emanava tons bem esverdeados, mas era a única luz perto do palco. Se Tomás tinha mandado a mesma instrução para aquele outro ali, então chegaram a conclusões parecidas. Ainda assim, nenhum dos dois parecia ter encontrado qualquer sinal dele.
— Não, mas fica perto da luz que eles devem colar aà logo. — Vi segurou um riso, se divertindo com a confiança que emanava enquanto Lótus parecia tão confuso. — Ele tá chapado. Dá pra sacar pelas mensagens. Cê não tava ligado?
— Que sorte a minha estar perto de um especialista! A voz de Lótus assumiu um tom ainda mais musical.
— Bom, né? Ou cê ia ficar perdidinho aà até trombar ele — respondeu, e riu, matando o copo de cerveja antes de lançá-lo numa simulação de basquete em direção à lixeira. E errando.
LĂłtus acompanhou a trajetĂłria do copo com o olhar, voltando a encarar Victor em seguida, o sorriso de cantinho insinuando que aquela performance desastrada o fizera chegar a alguma conclusĂŁo obscura.
— Ou… — Lótus insinuou naquela inflexão peçonhenta que começava a deixar Vi ligeiramente irritado — eu posso só mostrar onde estamos.
Erguendo o celular, tirou uma foto rápida de Vi e dos arredores, que enviou para Tomás acompanhada de uma mensagem:
“Bichinho, se tu precisar de ponto de referência pra me achar, tô perto disso 🙄🌸”
Tomás estava on-line no instante em que enviou. Abaixo do nome dele, a mensagem mudou para “digitando…” por tanto tempo que Lótus acabou suspirando, impaciente.
“Lindos ❤️ tão juntos?? Onde??? D:”
Um assovio alto e agudo interrompeu os pensamentos de LĂłtus. Ele encolheu os ombros, fazendo uma caretinha.
— Ow, seus chapados! — Vi gritou depois de assoviar, erguendo uma mão para chamar a atenção de Tomás e Yue, mais adiante. — Aqui, caralho!
Os dois se aproximaram entre risadas animadas. Yue tinha um dos braços em volta dos ombros de Tomás, mantendo-o tão perto que o aperto era quase possessivo. Esticou a mão quando chegou perto, segurando a de Vi para trazê-lo para si e recebê-lo com um selinho.
— E eu não ganho nada? — Lótus fez biquinho.
— Aqui! — Tomás se soltou do braço de Yue, pulando na direção dele para enlaçar o pescoço de Lótus com os braços e morder sua bochecha. — Você achou a luz verde!
Ouvindo-o assim, Lótus percebia o que Vi tinha dito há pouco. Tomás estava claramente chapado. A imagem era bonitinha e o fez abrir um sorriso, ao menos até ver a forma irritante como Vi o encarava, com o braço apertado em volta de Yue.
— Te disse, não disse? — Vi jogou pro ar, erguendo o rosto de um jeito convencido. Se o tio da barraca de carne louca lhe emprestasse um banquinho, socaria a cara dele.
— Quer uma estrelinha dourada, lindo? — Espezinhou, erguendo os ombros como se não se importasse. — Você tinha dito que era uma luz roxa, bichinho! — comentou com Tomás.
— Tinha? Não… É verde… Yue, eu escrevi que era roxa?
Vi esperou que Tomás se soltasse de Lótus para trazê-lo para perto, envolvendo-o em um beijo que terminou em riso quando Tomás escondeu o rosto em seu peito para dizer que “achava” que estava chapado. Aproveitando o espaço, Lótus deu um passinho para perto de Yue, mordendo-o no braço para conseguir atenção.
— Se as duas lindezas ficarem loucas demais, que é que a gente faz, menino? — Lótus brincou, aceitando o afago na cabeça que Yue lhe ofereceu.
― Vamos pro Vi ― Yue explicou, tranquilo. ― Eu prometi, tá? ― continuou, procurando Victor para avisar.
— Já tá oferecendo a casa como se fosse sua, folgado? — Vi rebateu, erguendo Tomás do chão para poder beijá-lo no rosto. — Eu que não vou negar.
― E ela não é? ― Yue implicou, apertando o nariz de Lótus antes que recebesse uma segunda mordida. ― Tomás, vamos precisar de duas focinheiras.
— Que kink é esse? — O olhar de Vi era acusatório, não de uma forma negativa.
Perto do palco como estavam, a música alta era um obstáculo à conversa. Tomás sentia as orelhas doerem, afetadas pelo som e sensibilizadas pela maconha. Enlaçou uma mão no braço de Lótus, puxando-o consigo, num gesto que fez Vi e Yue os seguirem.
Passando o braço em volta dos ombros de Yue, Vi o trouxe para perto, admirando a cara séria que ele mantinha no rosto mesmo quando cutucava o lóbulo de sua orelha por pura pirraça.
— Você ficou chapado antes de eu chegar — sussurrou, esperando que Yue finalmente levasse a mão por cima do ombro para afastar a dele com um sorriso que tentava esconder. Então a segurou, usando a brecha para roubar-lhe um beijo no rosto.
— Cuzão! — Yue protestou, não conseguindo mais conter o riso enquanto estrebuchava um pouco até se soltar e revidar com um soco no ombro.
— Violento! — Vi esfregou o ombro com a mão, então voltou a enlaçá-lo, trazendo Yue em um abraço contra o peito.
Yue tinha marra o suficiente para manter no rosto a expressão de protesto, mas não para resistir ao sorriso que o fez esconder o rosto contra o ombro de Vi quando ele voltou a beijá-lo.
— Como foi o date de vocês?
— Tá curioso? — Yue amaciou a voz, enroscando a mão nos fiozinhos curtos de cabelo perto da nuca de Vi, retribuindo o mar de implicâncias com um toque delicado de seu nariz contra o de Victor. Conseguia ser genioso na mesma medida em que era capaz de mostrar doçura, em especial quando se sentia à vontade. — Eu te conto mais tarde.
— Eu vou precisar fumar um pra aguentar esperar.
Vi encostou o corpo em um poste perto da esquina e olhou em volta antes de tirar o brinco em forma de cigarro da orelha. De um canteiro que servia de banco ali ao lado, Tomás e Lótus o encaravam com olhos curiosos enquanto Yue parecia segurar o riso.
— Psiu, Tomás, olha isso aqui — Vi chamou com um sorriso de canto antes de puxar a ponta do brinco, que se abriu como uma tampa, revelando um compartimento secreto de onde tirou um baseado bem bolado, que exibiu com expressão orgulhosa. — Eu que bolei.
— Oxe, e é pra isso o brinco? — Lótus suspirou, abanando a mão no ar pouco antes de encarar Tomás, baixando a voz: — Ê, bichinho, te falar, viu? Já diria minha mãe, gosto não se discute, se lamenta.
Tomás tentou esconder a risada contra as mãos, mas ela escapou entre os dedos, mais alta do que tinha previsto; certamente, muito mais cristalina.
— Se vocĂŞ continuar implicando assim eu vou ser obrigado a te chamar de Dona HermĂnia! — ameaçou entre risos.
Achava tudo adorável: tanto a felicidade boba de Vi escondendo o cigarro naquele brinco quanto a carinha ranzinza que Lótus parecia ter guardado especialmente para o rapaz.
— Já pode começar, bichinho, que eu não vou parar — ele respondeu na defensiva, cruzando os braços e espiando Vi com certa curiosidade. — Você vai ficar chapado? E eu vou ser o único sóbrio nesse rolê? Porque esses dois aqui já foram com deus, pelo jeito.
— Ou — Vi concedeu, o sorriso se erguendo um tantinho mais — você chapa com a gente. Eu divido o beck.
— Hm — Lótus suspirou, com uma caretinha pontuando o rosto. — Quero saber de marmotagem não. Alguém tem que ser o adulto responsável na ausência do Yue. Não é, Yue?
Em pé, ao lado do banco, Yue encarava as nuvens cada vez mais pesadas que se juntavam no céu sobre a praça. No horizonte, o céu de São Paulo parecia mais limpo do que o normal, como se as nuvens de toda a cidade tivessem se juntado logo acima da praça, gordas e cinzentas, da cor da pelagem de lobos.
A comparação foi a primeira que lhe veio à mente, tão peculiar e inusitada que fez Yue rir consigo mesmo enquanto ajeitava o cabelo.
— Vai chover — anunciou, alheio à conversa.
— Viu só? Te disse que o Yue tava ausente — Lótus confirmou, apontando na direção dele. — Meu filho tava pensando na morte da bezerra, é?
Com o ombro apoiado no poste, Vi abaixou o rosto para alcançar o cigarro no fogo azulado do isqueiro. Deu dois tragos, baforando fumaça pelos lábios enquanto esperava a chama pegar. Quando voltou a erguer o olhar, Yue tinha sido abordado por um cara.
Ergueu as sobrancelhas, dando um trago demorado no beck e soltando a fumaça em direção ao céu. Seus olhos nem se desviavam do recém-chegado. Era tão alto quanto Yue, com ombros mais largos e um sorriso irritante.
De frente para o espelho, veria aquele mesmo sorriso nos próprios lábios, mas, quando habitava o rosto de outras pessoas, costumava vir aliado a personalidades bem menos agradáveis que a de Victor.
— Oi, lindo — o carinha começou. Tanto Vi quanto Yue tinham o rosto convertido em caretas gêmeas. — Eu tô com dois caras ali e a gente queria curtir o show com você e seus dois amigos, que cê acha?
Ele variava olhares entre Tomás, Lótus e Yue, bem na sua frente. Vi deu outro trago no beck, esperando para ver como Yue dispensaria aquele lá. Vê-lo dispensar outros caras para estar com ele, depois de tanto tempo tratando-o apenas como amigo, era prazeroso aos ouvidos.
— A gente tá de boa — Yue respondeu, sem emoção.
— Sério? E você fala pelos três mesmo? — O olhar do cara flutuou até os dois no banco, como se repetisse para eles a mesma pergunta. Afastado alguns metros, Vi o encarava, com o ombro apoiado no poste.
— Falo. Vaza. — Yue deu de ombros, sem se importar. Tinha a mesma expressão perfurante, mesmo que levemente abalada pelo efeito da droga.
Yue se virou, pronto para se aproximar do banco, perto dos outros dois, mas foi contido quando o rapaz o segurou pelo braço.
— Você é grosso, né? — questionou o cara, incomodado. — Eu tava de boa.
Tomás foi o primeiro a reagir, com uma careta irritada que fez Vi se inflamar mais.
Afastando-se do poste, ele cortou em poucos passos a distância que o separava de Yue, apoiando uma mĂŁo em seu ombro enquanto a outra empurrava o cara pelo peito, fazendo com que ele cambaleasse alguns passos para trás antes de retomar o equilĂbrio.
— Ele disse “vaza” — repetiu, erguendo um pouco a voz. — Ouviu agora?
Da rua, um grupo de cachorros vira-latas emendou um coro de latidos e rosnados que quase parecia seguir a ameaça nos olhos de Vi.
— Porra — o sujeito resmungou, voltando para perto com a testa franzida. De longe, seus dois amigos pareceram cientes da confusão, porque apressaram o passo até alcançá-lo pelos braços. — Eu tava falando com eles.
— E eles estão comigo — Vi explicou, com um sorriso que começava a se erguer junto ao olhar feroz. — Vou contar até três pra você vazar.
— Vi — Yue pediu, barrando-o na altura do peito com o braço —, sem treta.
— Não vou tretar. Ele já tá vazando. Não tá, carinha?
Ao lado dele, um dos amigos era um rosto conhecido, alguém que Vi já tinha visto inúmeras vezes na escadaria da Cásper ou em rolês pela Augusta. Ele apertou as mãos em volta do braço do amigo, puxando-o.
— Vamo, mano — o amigo chamou. — Eu conheço ele. Vamo.
Enquanto o sujeito se afastava com os ombros encurvados para frente, Vi teve vontade de gritar que ele parecia um filhote fugindo com o rabo entre as pernas, mas a expressão séria de Yue e o rostinho meio impressionado de Tomás o seguraram.
— Eu dava conta de um maluco desses em dois socos — avisou, fazendo Yue rir quando se encostou em seu peito.
— Tá se exibindo pra mim ou pros meninos? — Yue sussurrou, travesso.
Do lado de Tomás, Lótus ainda tinha o olhar em Vi, com os braços cruzados e a cara de reprovação.
— Sem classe — comentou com Tomás, embora os olhos continuassem sobre Vi enquanto ele passava a mão pelo cabelo, o cigarro pendendo do canto da boca, como estivera durante toda a cena.
Um trovão alto fez os quatro erguerem o rosto. As nuvens escuras se iluminavam com pequenos relâmpagos de aviso. Havia a iminência de uma tempestade em cada pequeno som.
— Você chamou a chuva, hein, palhaço? — Vi beliscou Yue na altura da cintura, recebendo em resposta uma mordida perto do ombro.
Os primeiros pingos já eram grandes e pesados. Tomás sentiu um perto da testa e cobriu a cabeça com as mãos. Vi notou o movimento, estendendo a mão na tentativa de protegê-lo dos outros.
Pouco a pouco, a chuva se intensificou, fazendo parar a mĂşsica no pequeno palco e alardeando o pĂşblico, que se separou em pequenos grupos, entre berros divertidos, buscando abrigo debaixo do toldo dos bares.
— Vai ficar muito apertado aqui — resmungou Lótus quando viu o bando de pessoas correr na mesma direção.
O Costela, plano inicial de Vi, já tinha tanta gente debaixo de seu toldo que parecia improvável conseguirem espaço para mais quatro apertados em um espaço tão pequeno.
— Bora achar um toldo do outro lado, então, antes que a gente fique no aberto — ele anunciou, segurando Yue pela mão. Tentou alcançar a mão de Tomás, mas Lótus se colocou entre eles, agarrando Tomás pelo braço para apressar o passo junto com ele enquanto cruzavam a praça entre gritinhos, com a chuva ficando cada vez mais forte.
Ao chegarem do outro lado, uma tempestade torrencial caĂa do cĂ©u como uma cachoeira.
Aquele lado da praça era margeado por diversos prédios, altos e antigos, com portões de ferro que davam direto na calçada, sem jardim ou portaria. Conseguiram abrigo sob o puxadinho de um deles, uma estreita estrutura de concreto, bastante satisfatória, pelo menos enquanto o vento estivesse no sentido contrário.
— Eu fiquei todo encharcado — Lótus reclamou, meio mimado, enquanto torcia um pouco de água dos cabelos. Um filete escorria sobre sua testa, que ele esfregou com a manga da blusa igualmente molhada.
— Nenhum Uber vai vir buscar a gente nessa tempestade — Tomás disse, tentando enxergar através das lentes molhadas dos óculos.
— A gente espera abaixar e chama um pra casa — Vi respondeu, com um sorriso despreocupado. — Rapidinho tamo lá. Eu posso emprestar roupa enquanto a gente põe a de vocês pra secar. Empresto até pro rabugento — acrescentou, olhando para Lótus.
— O apocalipse paulista vai me obrigar a ser brega! — Lótus reagiu com uma careta estarrecida.
A conversa puxou de Yue uma risadinha suave.
— Bonitinho você achar que eu não ia só roubar suas roupas — comentou, apertando a mão de Victor enquanto se encostava contra ele. A pele quente contrastava com o frio das roupas molhadas numa sensação que o fez rir mais uma vez. Não se importava de estar pingando água preso debaixo de um toldo aleatório se podia estar com Vi.
Em meio a todos os desconfortos de sua vida, Vi sempre foi o seu oásis. Agora que podia apertar a mão dele na sua sem qualquer receio, o cheiro úmido de sua pele era um lembrete ainda mais forte de que tudo ficaria bem, desde que não precisasse sair dali.
Ficava ainda melhor tendo Tomás e Lótus com eles. Yue nunca se considerou uma pessoa sociável. Se pudesse ver a si mesmo de fora naquele momento, diria que era um sonho. A chuva era só um jeito do mundo mantê-lo com os pés no chão para que não pensasse estar preso em alguma ilusão.
Inevitável.
Ele empurrou para as sombras qualquer significado diferente de maravilhoso que aquela palavra pudesse carregar. Se ela iria assombrá-lo feito um pensamento intrusivo, poderia transformá-la.
Um relâmpago mais forte aliado à mudança de direção do vento fez com que Vi desse um passo para trás, quase o obrigando a se apoiar contra a porta de ferro do prédio para que os outros tivessem espaço.
Tomás tinha as mãos apertadas contra as orelhas e dava pequenos pulinhos para espantar o frio. Vi o trouxe para perto e, enroscado ao braço de Tomás, Lótus veio junto, mesmo a contragosto.
A proximidade era um interlúdio, o ponto de encontro entre a promessa do que podiam ser se aquele lance se firmasse e a sensação cada vez mais embriagante de que era tudo um grande déjà vu.
O próximo raio caiu perto o suficiente para iluminar toda a praça, acompanhado de um estrondo que reverberou pelas janelas dos prédios. Em meio ao som, outro quase passou batido: o som da trinca da porta de ferro do prédio sendo destravada, momentos antes de alguém abri-la por dentro.
— Vocês não são a minha pizza — reclamou uma voz manhosa quando os cabelos azul-turquesa de Bernardo apareceram pela abertura, seus olhos agitados localizando Tomás bem na hora. — Oi! Ficaram presos na chuva?
A expressĂŁo de Bernardo murchou conforme a resposta falhava em vir.
Em algum momento entre o Ăşltimo dos relâmpagos e a porta se abrindo, algo mudou. Era o interlĂşdio tomando forma, conforme uma enxurrada de memĂłrias de vidas esquecidas caĂa como uma avalanche nas cabeças dos quatro jovens abrigados da chuva.
As memórias seguiam a trajetória espiralada de uma galáxia. Ou de um vórtex abrindo a bocarra monstruosa. Ele comia criaturas, então as regurgitava para cuspi-las em outra dimensão. As memórias eram vermelho-azuladas, e vinham impregnadas de um cheiro úmido, familiar. Apossavam-se deles sem se importar com a dor que traziam.
Tomás ergueu o rosto, enjoado, enquanto seus olhos passeavam pelos três rostos tão conhecidos à sua frente. De súbito, se lembrava de tudo. Seu nome era Yan, e uma daquelas pessoas o assassinara.
Aquele que ele menos esperava.
Carregada pelo vento molhado, uma voz cristalina, risonha e quase infantil soprou em seus ouvidos:
Finalmente vocĂŞs acordaram!
Continua…
A conclusĂŁo da temporada! Quem matou Yan? E o que aconteceu com os outros? VocĂŞ descobre tudo no nosso evento de gala da semana que vem! Vem aĂ ele, o ponto de partida!
O CapĂtulo 24 — Cidades flutuantes Ă s vezes se encontram chega no dia 22 de março Ă s 12h!
Até breve!
Ei, vizinho! NĂŁo esquece de me acompanhar nas outras redes! đź’«
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