đŸ’« Pontes Imortais ― CapĂ­tulo 16

Um sinal dos Imortais

Cheguei e trago refrescos — pra quem gosta de treta, sangue e putaria monsterfuck. Se vocĂȘ nĂŁo gosta, jĂĄ peço perdĂŁo. O capĂ­tulo de hoje nĂŁo tem respiros.

No capítulo anterior
 Victor e Yue finalmente se entenderam e o coro dos anjos se anuncia no céu paulistano. Enquanto isso, em Farkas, a morte de Ravi dita o fim de uma era e a ascensão de um novo Mestre dos Lobos. Serå que Oz då conta? Mesmo tendo que lidar com o peso do assassinato de seu pai?

A trilha-sonora de hoje Ă© Red Lights, dos Stray Kids!

ATENÇÃO! Este capĂ­tulo contĂ©m cenas de violĂȘncia fĂ­sica e sexo e nĂŁo Ă© recomendado para menores de idade. 🔞

Capítulo 16 — Um sinal dos Imortais

Farkas, Pré-Hecatombe

Na Ă©poca de Ravi, a Sala de Escuta submergia inĂșmeras vezes no silĂȘncio. Mesmo cercado de lobos, era como se eles fossem incapazes de se conectar com seu lĂ­der e precisassem de um sinal para saber quando reagir. 

Yan sempre pensou que esse fosse o comportamento normal dos hĂ­bridos, afinal era o Ășnico do qual tinha memĂłrias. Via sĂł agora que estava enganado. 

Com Oz sentado displicentemente no trono que ocupava o meio do ambiente, a perna jogada por cima de um dos braços da cadeira, balançando a centĂ­metros do chĂŁo, os lobos reagiam a tudo: rosnavam quando ele se irritava, sapateavam excitados quando Oz ria, mostravam os dentes em advertĂȘncia sempre que ele levava algum tempo refletindo sobre uma resposta. 

Yan sentia vez ou outra um arrepio descer a coluna. Sempre tinha sonhado com o dia em que Oz seria o Senhor dos Lobos, mas agora via, a contragosto, que a criatura sentada ao trono quase nem se parecia com o seu amor de infĂąncia. Era tomado, com mais frequĂȘncia do que gostaria, pelo desejo de se trancar com ele em um quarto atĂ© fazĂȘ-lo reavivar o brilho que havia apagado dos prĂłprios olhos. 

— Quantos mais eu tenho que atender? — Oz questionou quando a porta se fechou atrĂĄs do Ășltimo cidadĂŁo. — Que a Grande Loba Kana me dĂȘ paciĂȘncia — disse e revirou os olhos. 

Os lobos fizeram folia, espalhados pela sala. JĂĄ nĂŁo ficavam apenas nos cantos desde que Oz assumira as audiĂȘncias do clĂŁ.

— SĂł mais alguns, mestre — respondeu a bela farkasiana prostrada ao lado do trono. 

Ela carregava nas mĂŁos uma pequena cesta de frutas secas trazidas de Banjora. Os lĂ­deres do clĂŁ principal da cidade tinham mandado um carregamento dessas como oferenda de condolĂȘncias pela morte de Juno. 

Oz as apreciava e muito. Havia dias em que era seguido de perto por alguma beldade carregando uma cesta cheia. Yan tinha os olhos na de agora. Era uma das discĂ­pulas externas do clĂŁ cujo nome sĂł se importaria em memorizar se ela nĂŁo fosse substituĂ­da em menos de uma semana. 

Ele abriu a boca, pendendo a cabeça para trĂĄs numa brincadeira. Seu cabelo roçou a coxa da moça enquanto ela o servia com um pequeno punhadinho de frutas, deixando os dedos tocarem inocentemente os lĂĄbios dele. 

Yan nem piscava. Foi o que chamou a atenção de Oz, afinal. Ele pareceu desconcertado o suficiente para erguer de volta a cabeça e fazer um sinal para que a garota saĂ­sse. NĂŁo sem antes sussurrar algo perto de seu ouvido cujo conteĂșdo era fĂĄcil de deduzir, mesmo sem ouvir. 

— Desde quando vocĂȘ tem ciĂșmes? — ele perguntou, entretido, esticando o pĂ© para enroscar no braço da cadeira onde se sentava Yan, puxando-a para perto como se nĂŁo pesasse nada. 

— NĂŁo tenho ciĂșmes — o nivariano respondeu, ajeitando as orelhas antes dobradas para trĂĄs, o que provocou em Oz um riso divertido e estimulou os lobos a uivarem. 

— NĂŁo mesmo? 

Oz se ajeitou na cadeira para se virar de lado, voltando a jogar uma perna por cima do braço do trono e a cabeça para perto de Yan. Fofas ondas de cabelo preto se espalharam sobre o colo do curandeiro como tentĂĄculos. 

Yan concedeu um sorriso, passando a ponta do nariz pela de Oz em um carinho gentil que o fez suspirar. Sempre o amolecia assim, nĂŁo importava qual fosse o humor de Oz no dia. Aquilo fazia seu coração disparar. 

— NĂŁo muito. Mas talvez eu precise te morder mais tarde para que ela esteja ciente da minha existĂȘncia quando estiver no seu colo — Yan sussurrou. 

— Quem disse que ela vai estar no meu colo? Ai! — Oz exclamou, fazendo os lobos emitirem ganidos fracos em eco antes de rir, afagando o lado da bochecha que Yan tinha acabado de morder. — VocĂȘ Ă© um selvagem. 

— Eu posso ser mais se vocĂȘ ficar me testando — Yan provocou tocando seu rosto. Os olhos que o olhavam eram os que amava. 

— Mestre — chamou um leva-e-traz pela fresta da porta que a garota havia deixado aberta. Yan viu quando os olhos de Oz mudaram de novo, ganhando um brilho debochado, quando ele se virou na direção do jovem, que ameaçou ir embora. 

— Agora fale o que queria — o lĂ­der exigiu, sem se importar em assumir uma postura oficial. 

— Posso mandar entrar o prĂłximo, mestre? Ele diz que Ă© importante. — A voz do leva-e-traz era baixa e trĂȘmula. Tinham por Oz o mesmo tipo de respeito temerĂĄrio que nutriam antes por Ravi.

— Mande. Vamos ver quĂŁo importante Ă© — Oz concordou, entediado. 

O homem entrou. Era jovem como eles, alto e de corpo esguio, ainda que tivesse as roupas marcadas pelo contorno suave de mĂșsculos — e um braço enfaixado por baixo da manga larga, Yan nĂŁo falhou em notar. 

— Diga lĂĄ qual Ă© esse assunto tĂŁo importante — Oz entoou com a voz apĂĄtica enquanto o homem o cumprimentava respeitosamente com uma reverĂȘncia. 

— Mestre Farkas, eu sinto por sua perda — disse ele com a voz carregada de condolĂȘncias que Oz dispensou com um gesto de mĂŁo. — SĂŁo os lobos, mestre.

Yan sentiu o corpo enrijecer enquanto Oz se ajeitava finalmente no trono, apoiando o cotovelo sobre o braço de madeira para deitar o rosto na mĂŁo, entretido. Espalhados pela sala, os lobos passaram a lĂ­ngua pelos dentes com os olhos fixos no visitante. 

— O que tĂȘm os lobos, colega? — questionou. — Desembucha em vez de fazer suspense. 

— Senhor, ontem mesmo eu caminhava pelo centro da cidade com minha filha quando um dos lobos tentou atacar a criança — desabafou o homem, se encolhendo quando alguns lobos avançaram um passo em sua direção. 

Oz assoviou e eles pararam. Então riu, balançando a cabeça.

— Meus lobos nunca atacaram farkasiano algum. NĂŁo me venha com historinhas. — Ele ergueu a sobrancelha, o sorriso morrendo em uma expressĂŁo intimidadora. 

— NĂŁo é  HistĂłria, mestre. Oz — arriscou ele —, vocĂȘ se lembra de mim. Kriso, do armazĂ©m de comĂ©rcio entre cidades. Eu sempre fui o responsĂĄvel por fornecer os seus pedidos de frutas e queijos de Banjora. E tambĂ©m produzir os pĂŁes com receita nivariana que vocĂȘ compra para o seu
 amigo. 

O olhar dele buscou Yan, ilustrando sobre quem falava. Oz mostrou os dentes, entĂŁo convertendo a careta em um sorriso frio em um piscar de olhos.

— Kriso do armazĂ©m, Ă© claro. Como eu nĂŁo me lembraria? VocĂȘ faz soar como se fĂŽssemos amigos, nĂŁo Ă© mesmo? Eu pareço alguĂ©m que esquece dos amigos, Kriso? — perguntou. E esperou pela resposta.

— N-nĂŁo, Oz
 Mestre. De forma alguma. 

Kriso balançou a mĂŁo no ar em negativa. Yan viu como ele tremia e tocou o braço de Oz com um carinho que exigia atenção. 

Oz o olhou, o sorriso instantaneamente convertido em gentileza quando pegou a mĂŁo de Yan e a trouxe para perto, presenteando-a com uma sequĂȘncia de pequenos beijos e mordidinhas. 

— Já estamos acabando, Yan — ele prometeu antes de voltar o olhar para Kriso. — Kriso, eu vou ser direto: por que está mentindo sobre meus lobos? — Fez um sinal com a mão quando ele ameaçou protestar. — Se foi atacado, então me descreva esse lobo. Como ele era?

— Uma loba, mestre. Uma loba hĂ­brida enorme de pelos negros, com um dos olhos feitos de mĂĄquina — respondeu Kriso. 

— Nix? — entoaram Oz e Yan juntos.

A grande loba sempre fora obediente a Oz, desde quando ainda era completamente orgĂąnica. Mesmo depois, com a estrutura metĂĄlica que revestia metade de sua cabeça, nĂŁo agira diferente. Sempre fora exemplar em seguir ordens, mesmo que sĂł tivesse uma das orelhas para ouvi-las. 

— VocĂȘ nĂŁo faz sentido, Kriso — pontuou Oz, decepcionado. — Nix Ă© uma loba antiga e obediente. 

Os olhos de Oz vasculharam a sala Ă  procura da loba. NĂŁo havia notado atĂ© entĂŁo a ausĂȘncia dela entre os demais.

— Ela deve estar caçando na floresta — Oz sussurrou para Yan. 

— Mestre, eu tenho provas — ofereceu Kriso. 

Erguendo a manga larga das vestes, ele exibiu o antebraço coberto de faixas, por onde o sangue por pouco nĂŁo tinha atravessado. Estimulado por um sinal de Oz, Kriso as desenrolou volta por volta, expondo a ferida ainda ensanguentada, pontuada por pequenos coĂĄgulos. 

Yan torceu o nariz e se levantou. 

— Eu posso dar uma olhada? — pediu, se dirigindo atĂ© Kriso por entre os lobos. 

O homem hesitou, puxando o braço para perto do corpo e ganhando em resposta um rosnado de Oz que ecoou nas vozes dos lobos. Isso o fez mudar de ideia, pois ofereceu, no mesmo instante, o braço para Yan. 

O curandeiro sacou da bolsa um lenço limpo, umedecendo-o com uma solução esterilizante que usou para limpar o sangue coagulado e observar os padrĂ”es da ferida. 

As marcas, o tamanho, a força com que aqueles dentes afiados tinham rasgado a carne de Kriso como papel, tudo condizia com a histĂłria. Aquela podia muito bem ser uma ferida de ataque de lobo. NĂŁo qualquer um, mas um grande e forte, como era o caso de Nix. 

— Ele pode estar dizendo a verdade, Oz — Yan concedeu, no tom brando que julgava melhor para lidar com ele. 

— Eu estou — Kriso reforçou. Tinha um tom diferente para falar com Yan, para o qual o curandeiro escolheu fazer vista grossa. 

— Nix nĂŁo ataca sem comando — Oz vociferou, irritado. E se levantou. — Me conte sobre esse ataque. Eu quero saber se acredito em vocĂȘ.

Ele avançou a passos pesados. Os lobos o acompanharam, rodeando o trio como se aguardassem o momento para um ataque. 

— M-mestre
 — Kriso começou, nervoso pela proximidade dos lobos. — Mestre, e-eu precisei c-colocar o b-braço no
 no caminho. Para s-salvar a criança
 

— Se nĂŁo consegue falar, como espera que eu acredite? — Oz pressionou, cruzando os braços. — Bom, sua criança estĂĄ ferida? — perguntou e esperou que ele negasse. — Certo. VocĂȘs foram atacados por um bicho parecido com um lobo, sua criança estĂĄ bem e vocĂȘ fez questĂŁo de exibir essa ferida asquerosa. O que mais quer, Kriso? Por que estĂĄ aqui? 

— Para
 — Kriso se repreendeu, despido da coragem que o levara atĂ© o Hall da Conflagração — avisar o s-senhor do que a-a-aconteceu, mestre. Eu imaginei que qui-quisesse saber se um dos lobos estivesse f-fora de controle. 

Ele tremia, causando a gagueira. Yan tocou seu pulso para passar algum conforto. Kriso afastou o toque, começando a enrolar o braço de volta rapidamente com a faixa suja. 

Oz suspirou, impaciente, entĂŁo ergueu a mĂŁo e o sorriso como quem dizia que daria uma demonstração. 

— Em pĂ© — ordenou baixo e os lobos se levantaram. — Sentados — continuou e eles se sentaram. 

EntĂŁo ergueu o rosto, apoiando a mĂŁo na lateral da boca e soltando um uivo alto, acompanhado logo em seguida pelos lobos, que terminou em uma risada do lĂ­der e um coro de latidos dos animais. 

— Esses sĂŁo os lobos que vocĂȘ veio chamar de “fora de controle”? — implicou, sorrindo pelo canto da boca.

Kriso tinha se encolhido, os braços apertados contra o peito em pavor.

— Eu nĂŁo quis dizer, mestre
 Eu nĂŁo quis dizer que vocĂȘ nĂŁo os controla. Mas os hĂ­bridos
 — ele pontuou, o olhar clamando para que Oz o ouvisse — foram feitos com tecnologia que veio
 de Nivaria, nĂŁo foi?

Se Kriso tivesse olhado para Yan discretamente, veria que ele balançava a cabeça em um sinal para que se calasse a tempo. Quando finalmente o fez, foi na pior das horas, bem no fim da frase, quando jĂĄ era tarde demais. 

— VocĂȘ estĂĄ implicando — Oz começou em um sussurro, apoiando o braço sobre o ombro de Kriso para chegar perto com o rosto — que isso foi culpa do Yan?

— Ele não disse isso — Yan respondeu, tocando-o na cintura.

— Ele disse, sim — Oz assentiu, erguendo um pouco mais o sorriso. — Em alto e bom som. 

Oz sĂł precisava de uma desculpa, um motivo para transformar aquilo em uma acusação. Era muito pouco sobre Yan daquela vez, mesmo que a raiva se escondesse sob o pretexto de proteção. 

Um grupo de lobos se colocou em seu caminho, afastando-o de Oz, mordendo a ponta de suas vestes para que não o interrompesse. Yan ficou parado, aflito, vendo quando Oz ergueu Kriso pelo pescoço e o arremessou do outro lado da Sala de Escuta.

O comerciante caiu, tossindo assustado enquanto tentava recuperar o ar e entoava pedidos de perdĂŁo que Oz fingiu nĂŁo ouvir. 

Ele teve um sorriso no rosto durante todo o processo: quando avançou até ele, quando o puxou pelo cabelo até atrås de uma mesa, e quando, sem misericórdia, comandou com um estalar de dedos para que seus lobos atacassem.

— Isso, Kriso, Ă© um ataque dos meus lobos — explicou, a voz se sobrepondo aos gritos do homem. — Acho que estamos de acordo que Ă© muito diferente da mordidinha de raposa que vocĂȘ tem no braço. 

Oz cuspiu as palavras. Raposa, ele disse, e o coração de Yan disparou. Mas Oz nĂŁo tinha como saber sobre Maali. Nem mesmo Yan voltou a vĂȘ-lo nas Ășltimas semanas. 

Com a doença e entĂŁo a morte de Ravi e Juno, todo o seu tempo foi passado dentro do Hall, que recebeu poucas visitas. Tinha batido os olhos em KuĂ­, silencioso no meio das pessoas que foram prestar condolĂȘncias, mas nĂŁo pĂŽde falar com ele e, se ele estava na presença de Li’a, nĂŁo a viu.

Maali podia estar mexendo com os lobos? O pensamento fez seus olhos marejarem. 

— O cachorro ficou louco de verdade — Shu sussurrou assustado, escondido sob seu cabelo.

— Oz — Yan chamou, sentindo os olhos molhados. O brilho frio no olhar dele enquanto via os gritos se transformarem em gemidos e cessarem em seguida fazia Yan querer chorar. 

Oz o olhou e aquilo o desarmou. Com um assovio, fez os lobos cessarem o ataque, cruzando a distĂąncia que o separava de Yan em poucos passos. 

De onde estava, Yan sĂł via as pernas imĂłveis do comerciante e a poça de sangue que se alastrava ao redor delas. EntĂŁo, nĂŁo viu mais nada, quando o corpo grande de Oz bloqueou sua visĂŁo. 

— Ele te fez chorar — rosnou o farkasiano, mostrando os dentes enquanto trazia Yan contra o prĂłprio peito. 

O curandeiro apoiou as mĂŁos em seu estĂŽmago, afastando-o um pouco. 

— NĂŁo — respondeu, erguendo o rosto. — VocĂȘ fez. 

— Eu? O que foi que eu fiz? — Oz questionou, defensivo. Tinha um sorriso indignado no rosto quando cruzou os braços. — Por causa desse homem? Desde quando vocĂȘ chora por qualquer um?

— Eu choro por vocĂȘ — Yan repreendeu, erguendo a voz. — Era esse o lĂ­der que queria ser, meu amor? AlguĂ©m que mata por capricho?

Oz ficou em silĂȘncio. ChamĂĄ-lo de amor era raro, uma arma poderosa. Oz olhou para o chĂŁo e ergueu os ombros, como uma criatura imatura. Apoiou as mĂŁos no cinto e arriscou subir de volta o olhar e limpar a lĂĄgrima que escorria pelo rosto de Yan.

— VocĂȘ quer revivĂȘ-lo? — perguntou. E Yan suspirou, esfregando o rosto com as mĂŁos por baixo dos Ăłculos. — VocĂȘ nĂŁo precisa levar isso tĂŁo a sĂ©rio. A gente traz ele de volta se vocĂȘ quiser. 

— E se eu nĂŁo conseguir? VocĂȘ pensou sobre isso? 

Com um sorriso displicente, Oz rodeou seu corpo, beijando Yan no topo da cabeça. 

— Eu sĂł vi o seu dom falhar uma vez — segredou. — Mesmo que todos achem que foram trĂȘs. Tenta. 

Yan respirou fundo, abrindo espaço por entre os lobos atĂ© poder contornar a mesa. Havia muitas feridas pelo corpo de Kriso, fundas e ensanguentadas. Sangue nĂŁo o intimidava, ou morte. NĂŁo era com Kriso que se preocupava. Mesmo assim, se abaixou, encontrando um pedaço de chĂŁo limpo para se ajoelhar e tocar seu peito pela abertura das vestes. 

A pele estava quente. Os olhos de Yan se iluminaram como uma joia. NĂŁo perdeu a concentração atĂ© ver o peito de Kriso se mexer com a respiração fraca e sentir sob seus dedos as batidas de seu coração. A vida voltara rĂĄpido, mas as dores passariam devagar. Tempo o bastante para marinar o medo em mĂĄgoa, depois em insubmissĂŁo. Os ventos farkasianos eram prĂłsperos em carregar palavras duras. Como haviam feito Ă  Nivaria. 

Yan voltou a pensar em Maali. Estimular o descontrole dos lobos era um plano frio, pragmĂĄtico. NĂŁo parecia combinar com sua natureza intensa. Começava a achar que o Maali que conhecera estava, para todos os efeitos, morto de verdade. Essa segunda morte era ainda mais dolorosa. 

— Viu? Eu disse que vocĂȘ conseguiria — reafirmou Oz, entĂŁo mudando a atenção para Kriso quando ele abriu uma fresta dos olhos. — Espero que nunca mais faça acusaçÔes contra esse nivariano. Deve sua vida a ele agora, colega.

Ele ainda conseguia sorrir sem preocupaçÔes. Havia uma trava em Oz que tinha se rompido no dia em que Ravi deu-lhe ordens para matar pela primeira vez. Este novo lado via a morte como uma casualidade mais do que como algo permanente. 

Yan enxergava isso ao mesmo tempo em que enxergava Oz, seus olhos gentis por trås da cortina de névoa do sorriso. Precisava de um tempo sozinho com ele para lembrå-lo de quem era.

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Sob as ordens de Oz, um ferido Kriso tinha sido levado aos cuidados dos demais curandeiros a serviço de Farkas. Fora um pedido de Yan, feito com uma voz baixa e doce, ao pĂ© do ouvido, cujo conteĂșdo Oz fora incapaz de negar. Tampouco fora capaz de negar o segundo pedido, que veio logo a seguir. Esse segundo, o farkasiano recebeu com um rosnadinho gutural, baixo como um grunhido. 

Tinha deixado Shu no quarto que dividiam, munido de uma recheada cestinha de pĂŁes, a comida preferida dos dois. Shu ficara assustado com o que vira na Sala de Escuta e Yan nĂŁo o culpava. Fez uma pequena toca de mantas para que o amigo se sentisse mais seguro atĂ© que voltasse pela manhĂŁ. 

Oz tinha se mudado para os aposentos dos lĂ­deres. Yan sempre imaginou que Oz, quando lĂ­der, jamais gostaria de morar em uma parte do Hall que o fizesse parecer tĂŁo inalcançåvel e isolado. Foi outra das surpresas que o deixaram triste quando Oz anunciou que deixaria o cĂŽmodo prĂłximo ao dele e se mudaria lĂĄ para cima. 

Sentia Oz escorrendo por entre seus dedos, se dissipando de suas mãos, se perdendo. Quando parou aos pés da escadaria, teve outra vez vontade de chorar. Nunca teria outra metåfora melhor para a distùncia do que aquele sem fim de degraus horrorosos.

— Boa noite, lindo.

Yan sentiu o sussurro vindo das suas costas e arrepiou. Virou-se sĂł para encontrar Oz com um sorriso no rosto. 

Naquela noite, nĂŁo haveria distĂąncia. 

Oz tinha na mĂŁo um pequeno ramo de rosas-de-terra, abertas e perfumadas. As covinhas do sorriso ficaram evidentes quando ofereceu as flores para Yan, destacando uma para enroscar em seu cabelo, ao redor de uma das orelhas. Os pequenos sulcos no caule, onde estariam os espinhos, entregavam a Yan que Oz tinha tido o cuidado de retirĂĄ-los com as prĂłprias mĂŁos. 

— Por te fazer chorar — ele disse, como se o motivo do choro fosse tĂŁo Ă­nfimo quanto uma pequena discussĂŁo. 

Yan sorriu, concedendo-lhe um abraço em resposta. O cheiro de Oz, as flores e aquele sorriso podiam atĂ© mesmo fazer com que esquecesse por uma noite o motivo de sua tristeza. 

— O que estĂĄ fazendo aqui embaixo, onde dormem os meros mortais? — Yan perguntou em tom de brincadeira. 

— Eu nĂŁo podia deixar que vocĂȘ subisse isso tudo sozinho sĂł pra me ver — ele respondeu, travesso, antes de pegar Yan no colo, ignorando seu riso surpreso. 

Passando os braços em volta do pescoço de Oz, Yan o beijou no rosto e deixou a cabeça repousar em seu ombro.

— Meu — sussurrou, arranhando-o discretamente no pescoço enquanto Oz avançava escada acima como se os altos degraus nĂŁo fossem nada. 

Viu o sorriso no rosto dele, ainda que Oz nĂŁo dissesse nada. Sabia como soava quando dizia isso. 

Como Maali. Como lembranças doces de um tempo esquecido, no qual eram os trĂȘs, com promessas de futuro, com planos. 

— EntĂŁo — começou Oz —, vocĂȘ ficou mesmo com ciĂșmes mais cedo. O suficiente pra querer me morder. VocĂȘ falou sĂ©rio quando disse que queria deixar uma marca para que soubessem de vocĂȘ? 

— Eu falei — respondeu Yan, erguendo o queixo. 

Apesar de suas origens, era protegido antes por ser curandeiro do líder do clã, amigo íntimo de seu filho ao longo de toda a vida. Agora, era mais do que isso. Espiou por cima do ombro de Oz os rostos dos leva-e-traz e dos discípulos que observavam enquanto o Senhor dos Lobos o levava nos braços até o cÎmodo no topo das escadas. E ofereceu-lhes um sorriso dócil.

Oz tinha ordenado que todo o cĂŽmodo fosse redecorado jĂĄ na manhĂŁ seguinte Ă  morte dos pais, enquanto metade dos funcionĂĄrios ainda se ocupava com o velĂłrio. A doença era uma boa desculpa para apagar a existĂȘncia daquele velho lĂ­der. Oz e Yan nĂŁo tinham adoecido, mas quem poderia garantir que ela nĂŁo tinha potencial para se espalhar pelo Hall mesmo assim?

Os mĂłveis antigos foram queimados longe da residĂȘncia do clĂŁ principal. A primeira vontade de Oz tinha sido a de ordenar a queima perto o suficiente da Ăłpera para que KuĂ­ interpretasse — certeiramente — que ele prĂłprio nĂŁo era mais bem-vindo. Algo o fez mudar de ideia. Yan esperava que fosse um resto de consideração pela diplomacia. 

Instalados Ă s pressas, os mĂłveis novos nĂŁo perdiam em ostentação. A cama certamente era  uma coisa para Oz: grande e espaçosa. Ali poderiam se instalar trĂȘs dele, ou entĂŁo ele e mais quatro acompanhantes, o que Yan imaginava que tivesse sido a matemĂĄtica de sua cabeça. O lustre pendurado no teto devia ter vindo de longe, translĂșcido e brilhante. Tinha a aparĂȘncia de um grande floco de neve esculpido em cristal, um artesanato fino que destoava de todo o resto. Aquele era um capricho de Oz para Yan.

Oz entrou, trazendo o nivariano ainda nos braços, então sentou-se na beirada da cama, puxando-o pela nuca para que pudesse beijar seu pescoço. Yan deixou a cabeça pender para trås, o cabelo solto caindo contra as costas, abrindo espaço.

— Sem meu pai aqui, nĂŁo existe ninguĂ©m para barrar nosso casamento — Oz sussurrou. Yan sentiu o coração acelerar e soltou um suspiro surpreso. O assunto casamento tinha sido outro tabu por anos, tirando de  Oz alguns rosnados mal-humorados. 

Yan nunca tinha sido a pessoa a puxar aquela conversa, mas ouvir Oz retomar por conta uma pequena parte de seus planos o fazia amolecer em seu colo.

— NĂŁo mesmo — concordou Yan. 

A roupa que vestia nĂŁo era nada alĂ©m de um robe de tecido frio, leve e brilhante, da mesma cor clara de suas vestes de curandeiro, cujo caimento enfatizava um pouco mais sua silhueta. 

Trouxe as mĂŁos para o laço ao redor da cintura fina, soltando-o com um puxĂŁo lento, se ajeitando para sentar de frente para Oz, sobre suas coxas, um joelho apertado de cada lado de seu quadril. 

Deixou que a gola do robe se abrisse devagar enquanto o tecido gelado deslizava por seus ombros. Suas coxas nuas roçavam o material um pouco mais grosso das vestes de Oz. Pareciam menos reveladoras, embora o volume que despontava sob elas evidenciasse que nĂŁo possuĂ­am muitas camadas. A cauda de Yan se agitou eriçada. 

— NĂŁo tem ninguĂ©m acima de nĂłs agora. — Oz tinha um tom atraente no sussurro, doce como uma esfera de chocolate com o recheio de rum, desses que escorrem  quentes pela lĂ­ngua.

— De vocĂȘ, bobo — Yan respondeu, encaixando a mĂŁo no pescoço de Oz, descendo-a por seu peito, pela fresta aberta de sua roupa, eriçando os pelos em volta de seus mamilos no caminho para desfazer o nĂł que prendia o tecido. — NĂŁo tem ninguĂ©m acima de vocĂȘ.

Oz esperou atĂ© que a roupa se abrisse e o tecido caĂ­sse sobre a cama. Seu braço envolveu a cintura de Yan, firmando o corpo dele contra o seu antes de virĂĄ-los, derrubando-o de costas com o cabelo esparramado nos lençóis, o peito de Yan pressionado pelo peso do seu. 

— E se vocĂȘ estiver logo embaixo de mim? — ele segredou, tocando o rosto de Yan com a ponta do nariz. — Isso nĂŁo Ă© perto o suficiente do topo?

 Yan gemeu baixo, deixando que Oz esfregasse em seu pescoço as pontinhas ĂĄsperas dos pelos da barba que começavam a nascer. Arrepiou, entreabrindo os lĂĄbios com um sorriso permissivo.

E entĂŁo pegou Oz de surpresa quando impulsionou o peso para derrubĂĄ-lo na cama, vendo-o se derreter em um riso impressionado enquanto Yan se ajeitava em seu colo, a cauda se agitando excitada no ar Ă s suas costas. 

— Aqui eu prefiro ficar em cima de vocĂȘ — sibilou, inclinando o corpo para frente. — Tenho sua permissĂŁo, mestre?

As unhas de Yan arranharam o caminho entre os mĂșsculos do peito de Oz atĂ© alcançar seu abdĂŽmen duro e pressionar a camada mais macia nas laterais de seu corpo. 

— Tem minha permissĂŁo para o que quiser. SĂł nĂŁo me chame de mestre — Oz pediu, ganhando de Yan um beijo forte que o calou. 

Yan sentiu o pau de Oz pulsar quente contra sua virilha. O invĂłlucro de pele que o recobria tinha minĂșsculos pĂȘlos macios que roçavam sua coxa e causavam arrepios. 

Desceu a mĂŁo atĂ© ele, envolvendo-o em seu toque. JĂĄ Ă  mostra, a glande tinha a pele lisa em um formato parecido com o de uma polpuda gota. 

Yan saiu de seu colo, afundando o corpo entre as coxas abertas de Oz, lambendo-as na parte interna. Contornou a lĂ­ngua por suas bolas, subindo-a pelo prepĂșcio atĂ© envolver sua glande com os lĂĄbios. 

Oz gemeu, apertando-o entre os joelhos. 

Ele tinha uma camada fina de pĂȘlos que descia do caminho abaixo do umbigo e se alastrava pela virilha atĂ© o alto das coxas. Yan gostava daquele detalhe e de como tinham a textura de pelos de lobo, pretos como as ondas de seu cabelo. Se acumulavam no envoltĂłrio de pele que Yan tinha puxado com a mĂŁo atĂ© a base de seu pau, expondo-o por inteiro. Era do mesmo tom de pele de seus lĂĄbios.

Yan chupou a cabeça arroxeada do pau de Oz, ouvindo-o gemer seu nome enquanto prendia a mĂŁo em seu cabelo perto da nuca. Ergueu o olhar, saboreando a visĂŁo de seu rosto tomado por prazer, a pele descascada acima do nariz franzida em uma caretinha que expunha os dentes afiados. 

Sem o crĂąnio de lobo, podia ver melhor as pontas bicudas de suas orelhas, com mechas de cabelo adornando-as como cipĂłs. 

As narinas de Yan se enchiam de um cheiro doce outrora esquecido, ainda que o gosto que se espalhava por sua boca, tomada pelo pré-gozo, fosse salgado e delicioso.

— Yan — chamou ele com a voz rouca —, quero gozar na sua boca. 

— Quer? — Yan provocou, afastando um pouco a boca, o lábio inferior suavemente encostado à cabeça do pau de Oz. — Pede.

Oz rosnou baixo, emendando um gemido quando Yan lambeu sua glande, contornando a veia saliente que se estendia pelo dorso. Puxou seus cabelos com a mĂŁo grande, apertando-o na nuca atĂ© roubar-lhe um gemido. Yan nĂŁo deixou  seus olhos abandonarem Oz, abrindo um sorrisinho divertido enquanto repetia o pedido, a cauda se agitando em excitação. 

— Posso? — pediu Oz, enfim, com a respiração pesada. E jogou a cabeça para trĂĄs em um ofego quando Yan voltou a lambĂȘ-lo mais uma vez. 

— NĂŁo — respondeu, rindo quando Oz emendou no gemido mais uma sombra de grunhido. 

Aproveitando o momento, Yan deslizou o corpo para cima dele, beijando-o no peito. Os braços de Oz se firmavam ao seu redor, assim como a mĂŁo dele em sua nuca, se controlando para nĂŁo puxĂĄ-lo. Yan gostava dos dois modos: o primeiro quando Oz, entretido com suas provocaçÔes, apenas o seguia com reaçÔes, resistindo Ă  vontade de devorĂĄ-lo; e o outro quando, tomado pelo tesĂŁo, era incapaz de conter o desejo de possuĂ­-lo. 

Espalmou as mĂŁos no peito dele, enchendo-o de pequenos beijinhos no maxilar enquanto a mĂŁo, afundada entre os corpos, masturbava ambos ao mesmo tempo, esfregando um contra o outro. O braço de Oz se firmou ao redor de seu corpo, a mĂŁo apertando sua cintura enquanto a outra puxava seus cabelos, fazendo a cabeça de Yan pender para trĂĄs. O toque era firme, mas ainda gentil o bastante para que Yan sorrisse. 

— Por que me fez pedir se ia dizer nĂŁo? — grunhiu Oz, virando o rosto para apertar os lĂĄbios contra a orelha dele, mordendo-o perto dos brincos. 

— Porque se eu te desse sĂł o que me pede, nĂŁo ia poder oferecer mais — ele sussurrou, enrolando a cauda na coxa de Oz quando ergueu o corpo. — Hoje, eu vou ficar em cima de vocĂȘ pra te lembrar de que sempre vai ter alguĂ©m aqui que nĂŁo tem medo
 ― Yan ofegou ― de te dizer nĂŁo. 

Oz se sentou com ele no colo, a mĂŁo descendo para a base das costas de Yan quando o puxou para si. Ofegou quando sentiu a pica dura encontrar caminho entre as coxas dele, a glande deslizando para dentro de seu cu devagar. Yan deu um gritinho, tocando os lĂĄbios de Oz com os dedos para recusar um beijo. 

— VocĂȘ vai gozar dentro de mim — continuou, ondulando o corpo para senti-lo mais fundo dentro de si, um gemido mais alto escapando por entre seus lĂĄbios — pra lembrar que nĂŁo importa o que aconteça
 sua casa Ă© sempre comigo. 

Outro gritinho preencheu o quarto quando Oz o ajeitou no colo e mexeu o quadril. Se sentia todo dentro dele mesmo antes de puxĂĄ-lo para baixo, colando a bunda de Yan em seu colo e ondulando o corpo devagar. Ele gemeu de novo. E de novo. E entĂŁo relaxou o suficiente para que Oz se mexesse com mais liberdade. 

— Eu nunca esqueço — Oz sussurrou, mordiscando o canto da orelha de Yan. Tinha um sorriso safado no rosto quando o puxou para trĂĄs pela nuca, inclinando o corpo para meter mais forte. 

Yan se contorcia em gemidos no seu colo quando Oz envolveu seu pau com a mão, masturbando-o råpido. Apertou-o com os joelhos em resposta, a cauda se soltando de sua coxa para se enlaçar, quente e felpuda, ao redor do braço de Oz.

— Goza primeiro. No meu colo — Oz disse em tom de ordem. 

A pele de Yan se arrepiou. Trazendo as mĂŁos junto com a cauda, enterrou as unhas no pulso de Oz em um pedido silencioso enquanto o corpo era tomado por arrepios mais potentes.

O prazer, da forma como Yan o conhecia, vinha em ondas. A primeira, mais suave, tomava seus pĂ©s e tornozelos e o fazia querer fugir. Ele jogou o corpo um pouco para trĂĄs, como se pudesse escapar daqueles toques, mesmo que as mĂŁos continuassem firmemente presas ao pulso de Oz. 

A segunda onda vinha atĂ© sua cintura. Parecia-se mais como um banho gelado de rio, como as ĂĄguas gĂ©lidas de Nivaria, que o forçavam a se erguer nas pontas dos pĂ©s para evitar que o frio o tomasse atĂ© o peito. Yan gemeu, arqueando o corpo, curvando os pĂ©s  enquanto os esfregava no lençol amarrotado da cama. 

A terceira e Ășltima onda era inatacĂĄvel, pois cobria-o atĂ© as orelhas. Elas se arrepiaram junto com o resto do corpo quando a onda guiou Yan atĂ© o orgasmo, derramando gozo morno na mĂŁo de Oz.

O orgasmo dele nĂŁo demorou a vir. Mais algumas estocadas e Oz o puxou contra si, apertando Yan contra o peito enquanto sua porra quente o preenchia.

Oz gostava de levĂĄ-lo nos braços e deitĂĄ-lo quando acabavam. NĂŁo importava se estivessem na beira da cama, no chĂŁo ou espremidos contra a parede, ele tomava Yan no colo ou sobre o ombro em uma troça juvenil e o deitava de volta na cama, afagando sua orelha com carinhos pesados. 

Yan respirou fundo. Quando Oz o deitou com a cabeça nos travesseiros, tomou para si uma de suas mĂŁos, espalhando por seus dedos pequenas mordidas afetuosas. 

— Vai ficar me mastigando agora? — ele brincou, rindo ao seu lado. — Agora eu vejo por que te chamavam de ratinho. 

Mostrando os dentes, Yan o acertou no rosto com um movimento da cauda. 

— Eu não sou um rato — corrigiu com a voz baixa. — Sou um arminho.

— E eu nĂŁo sei? — Oz sorriu, aproveitando o golpe para prender a cauda felpuda debaixo do braço, alisando-a com o toque. — Mas, sĂ©rio, se estiver com fome, mando trazerem algo melhor pra vocĂȘ mastigar. 

— NĂŁo — rebateu, balançando a cabeça. — NĂŁo quero que chame ninguĂ©m aqui atĂ© amanhĂŁ.

Sozinhos, tinha controle de tudo. Sozinhos, tinha a companhia do Oz com quem soube lidar por toda a vida. NĂŁo o lĂ­der imaturo — com o temperamento explosivo que ainda arranjaria problemas dos quais Yan nĂŁo poderia protegĂȘ-lo —, mas seu Oz, quente e afĂĄvel, com um humor irritante, um Oz que poderia beijar ou morder, dependendo de como as covinhas surgissem em seu rosto zombeteiro. 

— Pelo menos vamos beber, então! — ele ofereceu, indicando uma mesa semi-oculta pelo breu do outro lado do quarto. — Mandei trazerem antes de te encontrar.

Sobre o tampo maciço de madeira adornada, havia uma Ășnica garrafa rechonchuda de vidro fosco, fechada com uma rolha e acompanhada de dois pequenos copos e um potinho de cerĂąmica com tampa.

— O que Ă© desta vez? — Yan perguntou, curioso. Oz tinha, desde quando eram jovens, uma farta coleção de vinhos e cervejas de diferentes procedĂȘncias, a maioria oferecida como presente ou conquistada em algum tipo de aposta. 

— Aquele rum metido a besta que o seu amiguinho da Ăłpera trouxe pro meu pai — ele confessou, mostrando os dentes quando abriu um curto sorriso. — Tinha sobrado uma Ășltima garrafa, lembra? A que Ravi queria que vocĂȘ buscasse no dia que morreu? Eu mandei que trouxessem com um pote de mel, para tornar aquela obscenidade mais tragĂĄvel. 

— Eu pensei que vocĂȘ odiasse rum vulcĂąnico — Yan sussurrou surpreso, enlaçando o pescoço de Oz para mantĂȘ-lo perto. — O que te fez mudar de ideia?

— Meu pai — disse ele entredentes. — A forma como bebia isso como se fosse a coisa mais exclusiva do mundo sĂł por vir de tĂŁo longe. Eu pensei
 Por que nĂŁo? Se ele podia desfrutar desse tipo de iguaria, entĂŁo nĂłs dois temos o mesmo direito. E se ele tiver reclamaçÔes, pode proferi-las de seu tĂșmulo
 — o sorriso de Oz terminou de se erguer — 
 de dentro do vĂłrtex. 

Ele riu. Yan suspirou. Ravi passou toda a vida vociferando o quanto nĂŁo gostaria de ter o corpo jogado no vĂłrtex, como um cidadĂŁo comum. Havia escolhido o melhor lugar para sua lĂĄpide, selecionado o mais pomposo dos tĂșmulos
 Tudo para morrer sob a liderança de seu filho, cuja primeira ordem foi a de que os corpos de seus pais deveriam ser lançados ao vĂłrtex e nĂŁo guardados debaixo da terra, de onde a doença desconhecida que contraĂ­ram ainda pudesse encontrar o caminho de volta.

— Vou pegar pra gente — Oz avisou, se empurrando com o braço para erguer o corpo, sĂł para ser impedido pelos braços de Yan, ainda enlaçados em seu pescoço. 

— NĂŁo — ele repreendeu, passando o nariz por seu rosto para derretĂȘ-lo de volta na cama. — VocĂȘ Ă© o novo lĂ­der de Farkas e aquela Ă© a Ășltima garrafa que marca a era de Ravi. É importante — explicou, a voz doce como mel. — Eu vou servir a gente hoje.

Ofereceu a Oz um beijo breve que nĂŁo abria margem para uma negativa, entĂŁo se levantou, indo atĂ© a mesa. 

O leva-e-traz que trouxera o rum tinha deixado a rolha apenas encaixada na garrafa, por gentileza ou puro medo de ser chamado de volta pelo serviço incompleto. Yan a tomou nas mãos, encaixando o dedo pela pequena alça de vidro.

Não havia rótulo. A grande graça do rum vulcùnico eram os padrÔes de cor que apareciam através do corpo da garrafa. Deu uma leve agitada nela, salientando o tom vermelho vivo do líquido no fundo, que desembocava em uma espuma escura como fumaça carregada. Se parecia, como dizia o nome, com algo tirado da boca de um vulcão, ainda que fosse uma bebida surpreendentemente fria, o que garantia popularidade nas regiÔes de clima mais quente das Cidades Flutuantes.

— É tĂŁo bonita! — Yan exclamou com a garrafa na mĂŁo, puxando a rolha para sentir o aroma que o rum espalhava no ar. — Ainda fico surpreso que vocĂȘ tenha decidido beber algo trazido por KuĂ­. Achei que nĂŁo gostasse dele. 

— Aquele instrutor de Ăłpera pomposo que vive se engraçando com vocĂȘ e me trata como se eu fosse uma porra dum filhote? Eu odeio o cara! — Oz desabafou da cama, rosnando baixo. — Mas ele nĂŁo precisa saber que eu decidi provar esta merda. VocĂȘ pretende se encontrar com ele pra contar? — esbravejou, cruzando os braços. 

— Eu nĂŁo pretendo coisa alguma, seu bobo — riu Yan. E gritou. 

A alça tinha deslizado por seu dedo. Quando a garrafa se espatifou no chão, espalhando bebida e cacos, Yan tinha acabado de encolher os braços contra o corpo, protegendo o rosto por reflexo, a cauda se enrolando apertada ao redor de seu corpo depois de atingir a garrafa no ar em um golpe råpido para que o vidro não caísse perto de seus pés.

— Yan! — Oz rosnou, levantando da cama de uma vez. 

A velocidade com que atravessou o quarto foi invejĂĄvel, culpa da estatura que o presenteara com pernas longas e fortes. Ele ergueu Yan nos braços, encarando-o com o semblante sĂ©rio. 

— Desculpa — pediu o curandeiro. 

— Se machucou? — ele rebateu, praticamente por cima, checando os pĂ©s molhados de Yan em busca de alguma ferida causada pelo vidro, evitada pelo golpe da cauda.

— NĂŁo, mas perdi toda a nossa bebida. 

Oz revirou os olhos com a manha, levando-o de volta para a cama. Se sentou, com os pés de Yan apoiados no colo, e secou o resto de rum avermelhado de seus dedos com a ponta do lençol.

— Foda-se — disse, e deu de ombros. — Talvez seja um sinal dos Imortais para que essa droga nĂŁo toque a nossa boca, no fim das contas. — Yan acompanhou quando o rosto marrento se transformou em um sorriso e Oz ergueu sua perna atĂ© a altura do queixo, subindo por ela com uma trilha de beijos. — Eu tenho coisas melhores pra tocar com a minha. 

Quando acordou na manhĂŁ seguinte, Yan encontrou Oz ainda apagado, afundado na bagunça de lençóis e travesseiros, com o cabelo amassado cobrindo-lhe o rosto. 

Sorriu e o beijou na lateral do corpo, nĂŁo ganhando nada alĂ©m de um grunhido em resposta, quando ele girou para o lado, levando consigo quase toda a coberta, fazendo Yan levantar atrĂĄs de suas vestes para ter algo com o que cobrir o corpo. 

Colocou os óculos e penteou o cabelo com os dedos, puxando uma mecha fina que usou para dar um nó ao redor do resto, parecido com o nó na faixa ao redor do robe. Assim tinha ao menos algum vestígio de ordem até chegar ao próprio quarto.

Notou uma sombra se mexendo por baixo da porta, inquieta, andando de um lado para o outro, destacada da claridade do dia que penetrava pelas frestas. Caminhou com cuidado para evitar os cacos e o resto pegajoso de bebida derramada, abrindo apenas uma fenda da porta para evitar que a luz acordasse um Oz irritado.

— Algum problema? — perguntou Ă s costas do leva-e-traz, que se assustou,  cobrindo a boca com as pontas dos dedos em um pedido mudo de desculpas. 

— Senhor Curandeiro
 — ele gaguejou, ajustando a postura, olhando efusivamente para a porta, como se esperasse que Oz surgisse logo atrĂĄs, o pegasse pelo pescoço e o arremessasse escadaria abaixo por ter perturbado seu sono. — Eu preciso comunicar ao Mestre Farkas
 HĂĄ um problema com as mariposas-de-sereno, senhor. 

— Com as mariposas? — Yan franziu a testa, revezando olhares entre o jovem e a porta, que fechava com cuidado atrĂĄs do prĂłprio corpo. — NĂŁo hĂĄ necessidade de acordar o seu mestre agora. Na verdade, Ă© melhor que o deixem dormir atĂ© a hora que quiser. 

— Mas, senhor, e quanto ao problema
? — A voz quase morreu no ar, interrompida por um movimento de mão de Yan.

Ele sorria, movendo as orelhas gentilmente para trás em um aviso. Era engraçado como estar nos aposentos do líder fazia instantaneamente com que seu tratamento virasse “senhor”.

— Faça como eu disse — reforçou, e desceu um degrau antes de se virar para chamar o jovem com a mĂŁo. — Eu mesmo vou verificar as mariposas. Venha, ou vou ser obrigado a dizer ao seu mestre que me deixou descer toda essa escadaria sozinho. Isso nĂŁo seria uma indelicadeza? — perguntou, pontuando com um breve movimento das orelhas.  

Continua


No prĂłximo capĂ­tulo
 TomĂĄs visita sua cafeteria favorita e tem um encontro inusitado. Aquilo ali Ă© uma gangue de cachorros?

O CapĂ­tulo 17 — Por que nĂŁo? chega no dia 19 de janeiro Ă s 12h! 


Até mais!

Ei, vizinho! NĂŁo esquece de me acompanhar nas outras redes! đŸ’«

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