💫 Pontes Imortais ― Capítulo 1

Sr. Lobo Selvagem

Finalmente, chegamos ao começo oficial da aventura! Depois de meses de ansiedade (de minha parte), é um prazer ter vocês aqui para conhecer a história de Pontes Imortais!

No prólogo… Vimos que as coisas não deram muito certo para Uki Yan nas Cidades Flutuantes. Mas agora vamos deixar as mágoas e a traição um pouco de lado e espiar o que se passa em São Paulo para conhecer o começo da história de uma outra vida.

A música indicada para a leitura deste capítulo é Dogão é Mau, do Dogão. Parece que o começo da nossa história tem um clima bem leve! Vamos ver quanto tempo isso dura.😅

Prontos para mergulhar no Vórtex?

Pontes Imortais

Capítulo 1 — Sr. Lobo Selvagem

São Paulo, 2023

― Obrigada, doutora. ― Sob a gaze que ainda segurava contra a narina, a voz da paciente saiu anasalada. Tinha a cabeça levemente tombada, o coque grisalho quase se desfazendo.

― Não precisa agradecer por algo que não foi um favor.

A pessoa em pé no ambulatório tinha a voz melodiosa e um sorriso gentil, perceptível mesmo com a máscara hospitalar. Os olhos se curvaram um pouco para cima, por trás das lentes dos óculos, quase escondendo as íris cor de âmbar.

― E eu ainda sou estudante, não médico ― a pessoa continuou, terminando uma anotação no prontuário. Então completou, abaixando o tom de voz. ― E nem mulher.

― Oh… ― A paciente voltou a endireitar a cabeça, pega de surpresa. O tom de suas bochechas mimetizou as manchinhas vermelhas de sangue na gaze. ― Perdão, mocinho. Eu não quis soar transfóbica.

― Eu sou um homem cis ― ele se divertiu, mordendo o canto do lábio. ― Seu nariz… ― Apontou com o olhar, voltando a se aproximar. Tocou a mão da mulher, guiando a gaze com calma até a narina, de onde ainda escorria um rastro fino de sangue.

O cordão que pendia do pescoço tinha se embolado e virado o crachá ao contrário. Com a mão livre, ajeitou-o, esperando que a paciente tivesse tempo de ler seu nome abaixo da foto. Tomás Zhu, estagiário.

― Tomás é um nome bonito, mocinho. ― Ela continuou, sem graça, numa tentativa de melhorar a impressão que tinha causado. Tomás não ligava de verdade. Não seria a primeira vez, e nem a última, em que alguém o confundia assim. Poderia culpar a voz por isso, ou a estrutura óssea que o tinha presenteado com ombros tão delicados. ― Combina com você, assim como essa mecha estilosa.

O cabelo. Tomás mal conseguiu conter um riso breve desta vez. E optou por assentir em um agradecimento silencioso. Era melhor do que explicar que aquele estreito tufo de cabelo loiro tinha só decidido espontaneamente nascer assim. Se isso fizesse o sangramento voltar uma terceira vez, teria que abrir um novo pacotinho de gaze.

― O seu caso não foi nada preocupante. Se precisar de um atestado, posso chamar um dos plantonistas.

― Não precisa, querido. Eu agradeço. E desculpa, de novo, pela… Confusão. ― Ela se levantou. Podia ter apenas saído, mas a culpa pelo mal-entendido era subitamente mais relevante do que a ida ao ambulatório. ― É que você é muito bonitinho, sabe? É difícil encontrar homens bonitos assim.

― A senhora é lésbica? ― perguntou. O tom de voz baixo e o sorriso que alcançava os olhos faziam parecer uma brincadeira. Ao menos, o suficiente para que ela risse.

― Você é uma graça. Tenha uma boa semana, querido.

Esperou ela sumir na curva do balcão da recepção antes de deixar que o sorriso morresse. Aquele era seu último atendimento, e durou mais tempo do que deveria, portanto estava atrasado.

Acenou para o plantonista quando passou por ele a passos apressados rumo ao Conforto Médico. Tirou as roupas e se livrou da máscara descartável. Seus lábios grossos estavam secos. Ele buscou a manteiga de cacau na mochila antes mesmo de terminar de se vestir.

Seu celular estava junto, no mesmo bolso, junto com a latinha de balas de cereja que tinha ganhado de Lótus no último encontro. Abriu um sorrisinho mais animado e puxou o celular, digitando uma mensagem:

“A paciente disse que eu sou bonitinho demais pra ser homem 🌸”

A resposta chegou tão depressa que foi quase como se a pessoa do outro lado estivesse esperando.

“Bichinho, algumas pessoas diriam que foi um elogio!”, dizia a primeira mensagem e a segunda veio logo atrás: “(você é bonitinho demais pra existir, como é possível?)”.

Tomás mal tinha conseguido sair do hospital e já estava rindo. Sempre tinha a sensação de que Lótus esperava a hora exata do fim de seu expediente para responder sua primeira mensagem, ou então enviar ele mesmo a primeira, se Tomás demorasse.

“Você vai ter que falar isso pessoalmente pra eu acreditar 🥺”, enviou. E sorriu, balançando os cabelos e arrebitando o nariz. Os espelhos pelos quais passava ao longo do dia diziam o mesmo, mas ouvir da boca das pessoas era sempre uma sensação agradável.

Deu a sorte de ver seu ônibus assim que chegou no ponto. Estava a poucas quadras de casa, mas precisava cumprir aquela disciplina opcional carinhosamente encaixada no horário da sexta à noite. Tinha dito a si mesmo que daria conta quando se inscreveu no começo do semestre e nem podia mais largar, ou sua avó ganharia a aposta ― que fez consigo mesma ― de que ele não seria capaz de comprometer todas as suas noites de sexta com mais aulas.

Ela parecia acreditar que havia algum lugar onde o neto gostaria de estar mais do que na faculdade que exigiu anos de dedicação ― antes e depois de passar. Como se uma noite de sexta-feira perdida fosse ser mais importante do que o seu próprio futuro.

O celular ainda estava na mão quando recebeu a notificação no grupo da turma avisando que não haveria aula. O suspiro que deixou escapar foi muito mais aliviado do que gostaria de admitir ― e era uma sorte que sua avó não pudesse ouvi-lo de casa.

Ainda dava tempo de descer do ônibus. Não tinha passado mais do que dois pontos, uma mísera caminhadinha de uns oito minutos. Ou…

Podia continuar naquele ônibus e descer perto da Paulista. Era sexta à noite, afinal, e estava casualmente livre.

Havia mais uma mensagem perdida na pilha de notificações, cuja prévia já passava a ideia do conteúdo. “Se for o caso, eu posso…”

Pode ir vê-lo, claro. É o que Lótus diria, em resposta à sua provocação, e foi mesmo o que disse, acrescentando exclamações animadas no fim do texto.

Tomás abriu um sorriso afetuoso. Lótus era uma das suas companhias preferidas. Desde a primeira vez em que saíram, alguns meses atrás, tinha sido coberto de toda a atenção que precisasse, fosse por mensagem ou pessoalmente. Tinham um encontro marcado para dali a alguns dias e estava subitamente livre e desimpedido em uma noite em que ele claramente podia vê-lo.

Tocou o polegar na tela em um carinhozinho sobre o avatar que Lótus usava, uma selfie com um fundo cor de rosa afetado. E então digitou a resposta:

“Não posso hoje 😢. Vou ficar com a vovó”.

Mordeu o interior da boca, apoiando o celular no queixo. Fazia tempo que não tinha uma noite de sexta livre. E tinha um lugar onde gostaria de ir.

━━━━━━ • ✿ • ━━━━━━

A molecada reunida na escadaria da Cásper Líbero era uma imagem que sempre fazia Victor sorrir. Havia qualquer coisa de mágico naquela gente reunida sob o cheiro discreto de cigarro e maconha, falando alto debaixo da luz da avenida Paulista. Alguém assoviou no meio daquele círculo, chamando sua atenção: dois garotos com quem tinha trombado em algum bar, e que compraram um instrumento ou outro da sua loja. Era sempre assim, mal tinha conhecido uma pessoa nova e já aproveitava a chance para pontuar sobre os novos produtos da LoboMuamba e passar o link para o seu site. Tinha uma presença de liderança inibidora que sempre funcionava para angariar o que precisava, fosse um puxa-saco, um cliente ou um afeto temporário.

― Tá tudo bem? ― um dos garotos perguntou, apontando para algo em seu rosto que Victor demorou para entender.

Uma sombra de um púrpura violento descia do cantinho da sua boca até quase o queixo. Quase já nem se lembrava dela, por mais recente que fosse, de tão acostumado a arranjar coisas parecidas.

― De boaça, não esquenta.

― Cola aqui! ― o outro chamou por cima da animada cacofonia de sexta, fazendo um gesto para Victor se aproximar, que ele recusou com um aceno de mão.

― Eu preciso passar em casa, mano. ― Não lembrava o nome do garoto, Carlos ou Joaquim, alguma coisa com jeito de herdeiro. Também não se lembrava de qual das categorias ele fazia parte, então escolheu mentalmente categorizá-lo como puxa-saco. ― Mas cola na Roosevelt mais tarde que com sorte tu me tromba.

Seu supertrunfo era o sorriso. Nunca parecia um fora quando falava daquele jeito, com as covinhas pontuando um sorriso que se erguia de canto e então se espalhava. A mão ainda erguida foi para trás da nuca num gesto charmoso. Os garotos concordaram, o seguindo com o olhar como se Victor fosse algum tipo de celebridade local.

O prédio dele ficava praticamente ao lado da Cásper. Pulou os quatro degraus da entradinha, segurando o elevador às vésperas de a porta fechar.

― Ah, muito bom encontrar você por aqui, mocinho.

Sua mãe precisaria cumprimentá-lo pela força de vontade em não revirar os olhos até o branco aparecer. A vizinha. De novo. A lista de reclamações incluía, mas não se limitava a: 1. as pessoas pouco religiosas que frequentavam sua casa; 2. suas incursões com a guitarra, embora tentasse respeitar os horários de silêncio do prédio (quando estava sóbrio); 3. o cheiro do cigarro que fumava no janelão da sala.

― … E você ainda carrega isso como se fosse bonito! ― ela comentou, a voz ficando mais e mais aguda. Apontava para o brinco em forma de cigarro em sua orelha.

Daquela vez a reclamação era o cigarro, então.

― Dona Rita, já disseram o quanto a senhora ficou gata com esse cabelo? ― Victor deu uma giradinha, segurando a mão da mulher para beijá-la num exagero que, ainda bem, a emudeceu. ― Eu sei que a senhora só quer que eu seja um cavalheiro, certo? Se faz tanta questão, posso ser.

Ele saltou em seu andar antes que a mulher pudesse recuperar a cor e a compostura, dando um tchauzinho enquanto a porta voltava a fechar.

E por falar em portas…

― Veio assaltar a minha geladeira de novo, cuzão? ― gritou da entrada do apartamento.

A porta de casa estava entreaberta, vazando música para o corredor ― Tom DeLonge cantando Late night, come home. Work sucks, I know. She left me roses by the stairs. Surprises let me know she cares.

― Eu vou tirar teus privilégios de portador da chave se continuar deixando a porta aberta assim, caralho.

Estava tentando segurar o carão, mas quando Yue surgiu na porta da cozinha ― vestindo um chamativo macacão azul, com uma cabeça de Fofão numa mão e uma banana na outra, feito o membro perdido da Carreta Furacão ― tudo o que conseguiu fazer foi gargalhar.

— Que porra é essa agora? — Victor perguntou, fechando a porta atrás de si. Por instinto, sacou o maço de cigarros do bolso, pronto para dar mais motivos para reclamações dos vizinhos.

― Pagou bem pela hora.

No começo, quando era moleque e conheceu Yue, vivia reclamando da dor de cabeça que era entendê-lo, menos pelo sotaque, que nunca o abandonou, e mais porque ele insistia em falar tão baixo quanto um monge em prece. Com o tempo, Victor ficou inclinado a acreditar que era proposital: Yue falava aos sussurros para atrair a atenção do interlocutor. Já tinha visto o desgraçado berrar vezes o suficiente para entender que aquela garganta era potente.

― Vai ficar por aqui? Eu tô pensando em pingar na Roosevelt mais tarde, lá no Costela. ― Victor abriu o janelão da sala, de frente para a avenida, inclinando-se para espiar o movimento lá embaixo. ― Eu pago todas as tuas bebidas se cê colar desse jeitinho por lá.

― Bebida fácil ― Yue o respondeu, pousando a cabeça de Fofão sobre a mesinha de centro. Aquele troço feio parecia saído diretamente de um slasher de baixo orçamento. ― Mas vou trabalhar. Num bar da Augusta. O dos drinks milionários.

As frases de Yue sempre saíam curtinhas assim, como se ele quisesse economizar palavras ou fôlego. Victor deixou que ele tomasse o cigarro da sua boca e desse um trago. Em momentos assim, o mesmo pensamento bobo sempre o assaltava: o de que dividia coisas com ele há tanto tempo que estranharia se, de súbito, aquilo acabasse.

― Se pá eu colo lá pra cê me arranjar birita chique.

― Vai bem vestido.

― Que é isso, irmão! ― Victor ergueu as mãos e deu uma voltinha, exigindo a avaliação de Yue. ― Cê não acha que eu tô no estilo?

Yue devolveu o cigarro e não gastou palavra nenhuma com o assunto. Victor guardou uma risada, acompanhando com os olhos o amigo recuperar a cabeça decepada do Fofão e caminhar em direção ao banheiro. Nem precisaria perguntar para saber que a mochila de Yue estava jogada em algum lugar do quarto e que ele iria se arrumar por ali mesmo antes de sumir em mais algum bico aleatório.

Havia meia dúzia de contatinhos que poderia chamar para acompanhá-lo, gente bacana que seria boa companhia, mas… Ele riu com o cigarro no canto da boca antes de matá-lo contra o cinzeiro em formato de pulmão (aquele tinha sido presente de Yue em seu último aniversário?) e decidir que, naquela noite, ia dar um rolê sozinho.

━━━━━━ • ✿ • ━━━━━━

A luz amarelada do Costela fazia a pele de Victor parecer mais quente. Tinha uma pequena sombra no meio da bochecha, enfatizando a covinha de um sorriso torto quando passou pelas pequenas mesas acumuladas na calçada e na entrada do bar.

Eram poucas, assim como o espaço era limitado e levemente sufocante, ainda mais numa sexta àquela hora, quando pelo menos dois terços da clientela nem tinha onde sentar e ficava perambulando pelos arredores.

Victor gostava do ambiente. Ali podia ter o cheiro de cigarro no cabelo, uma longneck na mão e falar alto. Não havia vizinhos como dona Rita para resmungar sobre as coisas. Costumava colar no lugar algumas vezes, sem dia certo. Quando desse na telha, o que era frequente — e Yue teria prazer em jogar isso na sua cara, em duas ou três palavras, no máximo, cuidadosamente selecionadas.

Somente um detalhe separava o Costela de qualquer outra birosca nos arredores da Roosevelt, um detalhe crucial.

— Ô, Ratão! — gritou do meio do bar, erguendo a mão e acenando em direção ao barbudo atrás do bar. — A breja tá trincando hoje, né?

— Hoje e sempre, colega. Te desço uma? — ele respondeu, puxando uma garrafa da geladeira e abrindo-a na velocidade de uma piscada.

— Já me desce duas! Eu vou virar a primeira numa golada mesmo que cê tá ligado.

Abriu caminho por entre as pessoas com certa dificuldade. Não era fácil ser furtivo e ágil tendo quase o tamanho da porta. Dependendo do lugar, ainda tinha isso para prestar atenção: a chance de esbarrar a cabeça em alguma luminária mais baixa. Ali não. Era outro ponto a favor do Costela.

Quando chegou ao balcão, Rato já o esperava com as duas cervejas.

— Tá na mão, ô vira-lata. Quero ver se vai virar uma na golada mesmo. Manda aí! — ele riu.

— Meu sobrenome é Lobo, cara. O que quer dizer que eu não sou um vira-lata… — Victor virou a primeira garrafinha, matando o conteúdo em duas goladas longas antes de bater o vidro vazio de volta no balcão com um sorriso. — Eu sou selvagem.

— Eu agradeço se não espantar meus outros clientes. Isso aqui é um boteco de família.

A frase soou como uma brincadeira, mas Vi notou como os olhos de Rato miraram diretamente uma presença discreta ao seu lado.

Oh.

Não tinha notado aquela pessoinha antes, mas notava agora.

— Desculpa a cena, moça. — Ele se apoiou no balcão do bar, os braços cruzados apoiados sobre o tampo. E deu uma jogadinha de cabeça. Se tivesse cabelo mais comprido, teria feito ao menos o topete revoar. — Espero não ter atrapalhado seu drink.

A pessoa se virou, mirando-o com um par de grandes olhos cor de âmbar, num tom quase dourado que Vi nunca tinha visto. Ficavam bem bonitos na iluminação quente.

— Não atrapalhou… — a pessoa falou baixo, com a voz meio arrastada e pontuada por um sorriso discreto. — Mas você pode me pagar outro drink se fizer bem pra sua consciência.

Vi franziu a testa levemente. E reparou um pouco melhor na silhueta. O rosto era delicado, com os lábios bem delineados e o cabelo castanho contrastando com uma mechinha loira. Usava roupas bem neutras, e talvez por isso não tivesse reparado em sua presença antes, com ele de costas. Agora, de frente, não reparar era bem mais complicado.

— Viu… — Vi continuou, se interrompendo para assoviar para Ratão, fazendo sinal para que trouxesse outro copo daquele drink bonitinho que chutaria ser um tequila sunrise. — Eu chamei de “moça” no reflexo. Errei ou acertei?

— Errou, mas não tem problema. Pode me chamar de moço mesmo, que eu prefiro. — Ele pegou o copo pela metade, erguendo-o do balcão para beber um gole. Os olhos voltaram logo para Vi. — Ou de Tomás. E você?

— Eu sou homem — respondeu, segurando o riso.

— Fácil de notar. Esse é o seu nome também? — Tomás se apoiou no balcão, a mão esquerda apoiando a lateral do rosto. — É Homem Lobo, então?

Estava no meio do gole quando foi atingido por essa e não soube segurar o riso. Precisou largar a cerveja e alcançar um guardanapo antes de pensar no que responder. Ele era espirituoso. Parecia ter dado sorte na companhia de bar naquela noite.

— Quase isso. — Voltou a erguer a longneck, tocando-a no copo de Tomás em um tim-tim discreto. — Victor. E o Lobo, que você já decorou.

— Você não parece tentar esconder que é um — Tomás comentou, apontando delicadamente para o pedaço da tatuagem que ficou à mostra enquanto Vi deslizava a jaqueta pelos braços para pendurá-la na banqueta.

O lobo tatuado ali era grande, em perfil, o focinho e os dentes aparecendo pela gola frouxa da regata. No braço, ainda era possível ver sua cauda peluda e um pedaço da lua cheia ao fundo.

— Victor… — Tomás chamou baixo, se inclinando como se fosse contar um segredo. — Você não é um lobisomem discreto.

— Não sou… — Victor respondeu no mesmo tom, usando a voz baixa como desculpa para se aproximar um pouco mais. — Você fala sempre baixo assim? Eu vou precisar ficar perto, então, pra você não ter que repetir.

— A gente mal começou a conversa e você já tá falando baixo por mim? — Tomás bebeu outro gole. O olhar em Vi era interessado e direto, apesar do tom de voz delicado que o acompanhava. — Isso não foi muito selvagem da sua parte, sr. Lobo.

Você quer que eu seja?, Victor pensou, mas mordeu a língua. Cedo demais. Não queria correr o risco de assustar aquela criaturinha interessante.

— Por que nunca te vi aqui antes? — decidiu perguntar. Era um caminho mais seguro a percorrer.

Viu quando Rato trouxe o copo novo de drink alaranjado com cheiro cítrico. Sim, definitivamente estava certo quanto à bebida. Tocou a lateral do copo, deslizando-o pelo balcão até Tomás bem na hora em que ele bebia o último gole do copo anterior.

— Pra você — pontuou, exibindo a covinha.

— Obrigado — Tomás não demorou a responder, assim como não demorou a emendar o primeiro gole do novo copo. — E você não me vê aqui porque nem era pra eu estar aqui agora. Eu ia pra faculdade, mas minha aula não rolou.

— Um universitário, então? Isso explica a mochilona — Vi apontou a gorda mochila aos pés da banqueta. — Deixa eu adivinhar… — Ele analisou Tomás com um longo olhar contemplativo, da mecha perto da franja até os pés balançando no ar por conta da banqueta alta. — Design?

― Por quê? ― Tomás ajeitou os óculos de armação redonda e fixou os olhos em Vi de um jeito desconcertante demais para ser acidental. Quase parecia um desafio. ― Pelo meu estilo único de jeans e camiseta?

― A mecha é estilosa ― Vi contornou, aproximando a mão até tocar as costas dos dedos no cabelo dele. Tomás não se afastou. Era uma brecha.

― Eu nasci com ela.

― Sério? Então você nasceu com estilo, viu? Suas roupas não fazem nem diferença. ― Esperou alguma reação. Um riso, um comentário ácido, até mesmo um chega-pra-lá depois de ter falado tão diretamente sobre suas roupas, mas Tomás apenas continuava a encará-lo em silêncio, o que forçou Vi a pigarrear e a afastar a mão antes de retomar o antigo assunto: ― Não, sério. O que você estuda?

― Medicina ― Tomás bebericou o drink. ― Não combina muito com minha mecha estilosa, né? ― Franziu o nariz de leve em uma caretinha descontraída. ― Você faz o quê?

― Muamba.

― Oi? ― Tomás tinha arqueado as sobrancelhas em um interesse surpreso que fez Vi rir.

― Que foi? Não combina com o meu estilo? ― Ele ergueu a garrafinha, matando a cerveja em um gole mais longo antes de acenar para Rato por mais uma.

― Combina perfeitamente. De verdade? Que tipo de muamba? ― Inclinou-se em um novo gesto de segredo fingido. ― Maconha?

― Drogas mais pesadas ― Vi sorriu, deixando as covinhas aparecerem. ― Instrumentos musicais. Aqui. ― Ele sacou o celular, abrindo o perfil da loja no Instagram. A maioria dos posts eram fotos bastante aceitáveis tiradas dentro de um quarto, outros eram vídeos curtos de Vi exibindo alguma guitarra. ― Essa é a LoboMuamba, caso você precise de algum instrumento no futuro.

Tomás pôs o drink de lado para pegar o celular. Deixou que ele visse quando clicou no botão de seguir e então abriu as mensagens, deixando uma bem na sua frente: “e se eu precisar de companhia, você tem um perfil pra isso também?”

Vi riu, passando a mão pela cabeça e arrepiando os fios curtinhos de cabelo preto. Ajeitou o celular nas mãos, escondendo a tela de Tomás enquanto digitava: “Tenho outras formas de contato pra isso, lindo. Só preciso do seu número.”

Não demorou para receber um número na mesma conversa. E sorriu, satisfeito. Um seguidor e um contatinho ao mesmo tempo. Realmente tinha tirado a sorte grande naquela noite.

Ainda olhava o celular quando sentiu o toque na lateral do rosto. Tomás tinha a mão fria de quem segurava um copo de bebida há pouco tempo e dedos finos e delicados, de pele macia. Vi voltou sua atenção para ele, encontrando seus olhos mais uma vez.

― Você tem um roxinho aqui ― Tomás comentou, o polegar perto do queixo de Vi, os olhos apertadinhos numa concentração séria que era adorável. ― Parece recente. Foi algum tipo de briga, sr. Lobo Selvagem?

― Um tipo, certamente. Me lembre de falar sobre isso depois. ― O sorriso se levantou novamente, galante, enquanto Vi buscava no bolso o maço de cigarros, desistindo da ideia quase em seguida. ― Mas tudo bem, porque pelo menos eu tenho um médico pra cuidar de mim desta vez. Quer dar uma volta?

Continua…

No próximo capítulo… Yan, você está surpreso? É claro que Oz foi jogado mais uma vez na Casa de Repouso. Parece que o futuro Senhor dos Lobos ainda não aprendeu a se comportar como um líder. E temos visitas chegando na Cidade. Uma tal de Ópera. Os pássaros-engrenagem disseram que o Instrutor é um velho amigo do líder Farkas. Você se lembra dele?

O Capítulo 2 — Eu sempre chego na hora certa estará disponível na sexta-feira que vem, dia 11 de agosto, às 12h! Nos vemos lá!

Gostou do começo da história? Comenta comigo nas redes sociais! Sou deadbunnybl no Twitter, Instagram e TikTok e vou adorar saber suas impressões!

Segura a minha patinha porque a história só está começando.

Até sexta que vem!

Reply

or to participate.