💫 Pontes Imortais ― Capítulo 12

Ameaças e traidores

Boa sexta diretamente aos habitantes do Vórtex e visitantes! O capítulo de hoje está tenso e temos o retorno DELAS, as Pontes IMORAIS. Pois é, foi e voltou rápido feito bumerangue! Espero que gostem. Tem bastante coisa rolando no capítulo de hoje!

No capítulo anterior… Vi e Tomás tiveram seu primeiro momento 🔥 na história depois da rinha de luta. Em Farkas, fomos deixados na noite do ataque de um Fronteiriço, quando Yan descobriu que Li’a é seu querido noivo perdido Maali. O que trouxe ela e Kuí a Farkas? E o que está acontecendo nos aposentos do clã principal? Tudo isso, você descobre agora.

A trilha-sonora de hoje é Fire on fire, de Sam Smith! Já está na playlist junto com as outras!

ATENÇÃO! Este capítulo contém cenas de conteúdo sexual explícito e não é recomendada para menores de idade. 🔞

Capítulo 12 — Ameaças e traidores

Farkas, Pré-Hecatombe

Havia um lago, no lugar onde Kuí nascera, que ficava no fundo de uma caverna. Um único túnel conduzia até lá, longo e cilíndrico. Era titânico a ponto de um exército de bom tamanho ser capaz de atravessá-lo se quisesse. Na primeira vez que o visitou, ainda um filhote, Kuí dissera à Mãe que parecia ter sido escavado por uma serpente gigantesca. Ou…, Mãe retrucara, nós estamos dentro da barriga de uma. A ideia tirara seu sono por dias, mas não tanto quanto as coisas que pôde ver dentro do lago. 

Estrelas, Mãe ensinara. Coisas que ficam nos céus de alguns mundos, grandes bolas de fogo queimando até se extinguirem. Até depois de mortas, continuam brilhando. É uma decadência bonita de assistir. 

Ao atravessar a cortina diáfana que conduzia à ala de convivência da tenda, Kuí pensou em Li’a como uma estrela. 

Os olhos de Kuí não enxergavam a dimensão dos vivos, mas o outro lado. Era uma experiência divertida aquela: ter um corpo tão concreto, quente, mas estar atracado a uma esfera espectral. Li’a era um incêndio. Expandia-se por todos os lados, linguetas de fogo destacando-se para desaparecer nos recantos do nada. No começo, ela queimava muito mais. A animosidade que alimentava aquelas chamas não havia diminuído com o tempo, mas sim a própria Li’a. 

Todos os atos daquela morte deixavam Kuí arrebatado. 

― Quanta gente acordada a essa hora. Estavam esperando por mim? 

― Kuí, a Tapisa fez questão de aguardá-lo, mesmo que eu tenha dito que poderíamos resolver a questão sozinhos. Sequer é um problema. 

Ovide se adiantou, levantando-se de onde estivera, ao lado de Li’a. Kuí desconfiava de que ela não se mexera desde que tinham saído, o chá intocado sobre a mesa. 

― Ah, vai catar coquinho! ― Tapisa encrespou, olhando torto para Ovide. ― Eu nem sabia em que buraco te achar hoje mais cedo, quando a madame desmaiou. Prefiro confiar no malu… ― Ela pigarreou, espiando Kuí de rabo de olho. ― No parecer do Senhor Instrutor

― Você é um bichinho mais inteligente do que parece ― Kuí concedeu, dando tapinhas condescendentes na cabeça de Tapisa, os olhos se voltando para Ovide. 

Aquele era um tipo esquisito, cuja pele branca queimava facilmente ao sol, enchendo-se de grandes placas vermelhas. A cabeleira abundante e loira dava a Ovide a aparência de um leão desnutrido, muito embora não passasse de um macaquinho. Confiança não era algo que Kuí desperdiçasse com Ovide, mas se Li’a tinha lábios feitos para sussurrar acordos e mentiras, os ouvidos daquele ali eram ideais para achar segredos. Kuí preferia tê-lo sob os olhos, de modo que pudesse controlá-lo. Fazia parte do teatro fingir que Ovide era tão importante quanto ele próprio e sua Sereia. 

― Conseguiu arrancar alguma palavra da madame, Ovide? ― Kuí questionou, sorrindo diante do aceno negativo do homem. ― Muito bem, vão para os seus aposentos. Eu cuido de Li’a a partir de agora. 

Ovide se despediu com uma reverência diligente, afastando-se em seguida. Tinha pressa para voltar para a própria cama. Tapisa, ao contrário, parecia relutante em abandonar seu posto. 

― Te ouvi falar que confiava no meu parecer, querida. ― Kuí enrolou a ponta de um dos cachos no dedo, o queixo indicando a direção dos dormitórios.

― Não é prudente chamar aquele curandeiro de volta? ― A jovem não saiu do lugar. Era insensata com as palavras e leal feito um vira-lata, qualidades que Kuí conseguia admirar. ― Eu avisei que era burrice dispensar o médico da trupe na última parada. 

― Minha memória me trai ou era você a criaturinha cantarolando de satisfação com todas as tortas que fez das vísceras daquele estrupício? ― Ele soltou uma risada de puro êxtase com a lembrança. ― Vamos arranjar um doutor novo para carregar de um lado para o outro, um saboroso, para te servir de petisco caso pense em nos trair, como o anterior. Até lá, eu cuido da sua madame. Vá deitar. 

Kuí captou o movimento de Li’a tão logo Tapisa saiu, segurando-a pelo pulso antes que o tapa encontrasse o alvo. 

― Mentiroso! ― ela sibilou, arreganhando os dentes em fúria. ― Embusteiro dissimulado! 

― São todos sinônimos, docinho ― Kuí cantarolou, fazendo pressão no pulso de Li’a. ― O seu vocabulário é admirável ainda assim. 

Era cerca de um palmo mais baixo que ela e certamente não seria mais forte se aquela raposa ainda vivesse nos dias bons de sua juventude, mas Li’a era pouca coisa além de uma fogueira minguando ― o calor se transmutando em febre. A pele dela queimava

― Você não me contou que ele estava vivo ― Li’a puxou o braço de volta, afastando-se. 

Parecia às vésperas de quebrar toda a porcelana delicada sobre a mesa, o que seria uma pena. Porcelana aruviana de qualidade era difícil de encontrar, peças exclusivas de colecionadores.  

― Não vamos ter essa conversa aqui, docinho. 

― Eu não vou a lugar nenhum! ― Li’a explodiu, fazendo as esferas de luz que flutuavam sobre os dois estremecerem perigosamente, às vésperas de explodir. Mesmo a estrutura da tenda pareceu bambear. 

― Matar toda a trupe seria imprudente. ― Kuí tocou o lábio inferior com o dedo. O sorriso insidioso parecia dizer o contrário, como se a estimulasse a tentar. 

― E te matar seria o quê? ― Li’a cortou a distância que havia aberto entre os dois, encurralando Kuí no canto. Os olhos cor de geada faziam promessas doloridas. ― Poderia te pedir para morder a própria língua agora até arrancá-la fora. Você a entregaria de bom grado para mim se eu usasse as palavras certas. 

― Ah, Sereia, e você a usaria como um pingente de recordação? ― Ele estava de cabeça erguida para enxergar melhor o espetáculo daquele incêndio. ― Vamos, experimente. Sei que gosta quando eu me machuco sob o seu comando. 

A risada de Kuí encheu o ar assim que Li’a o segurou pelo pescoço, as garras de vidro anunciando uma promessa de sangue. Tinha certeza de que ela o machucaria, de uma forma ou de outra: se não fosse com as palavras, seria com a febre, que já fazia a pele de Kuí começar a ferver. 

― Te contei tudo… ― A voz dela não estava mais mansa, mas mais baixa. Poucos se aventurariam até o espaço comunal àquela hora e palavra alguma escaparia para além daquele cômodo. Li’a não tinha medo de ser ouvida, apenas se sentia mais confortável com rumorejos. ― Quem era Yan, que aparência tinha. Te falei sobre Shu. Você sabia sobre todo o meu pavor com a ideia de que ele estivesse morto. Pior que isso, que fosse um escravo em terras farkasianas… 

Havia mais a ser dito, mas Li’a perdeu o fôlego. Ensaiava os discursos para que as palavras nunca a abandonassem quando fossem necessárias, para que a força delas nunca a assustasse. No conforto da tenda, contudo, quando despia parte da armadura e se envolvia em confortáveis camadas de silêncio, era mais difícil achar o caminho entre elas. 

― Ah, docinho… Não disse para que você não ficasse distraída como está agora. 

Dedos gentis resvalaram contra a dorso da mão dela. A diversão não havia abandonado Kuí, infiltrando-se nas rugas de seus olhos enquanto ele sorria, como uma espécie de brilho. Enroscadas aos braços dele, as cobras não pareciam ler Li’a como uma ameaça, embora a maior delas se adiantasse em sua direção, parecendo inclinada a envolvê-la pela cintura. 

― Eu vi o jeito como você olhava para ele… ― ela rosnou. 

Kuí respondeu primeiro com um suspiro. As unhas de Li’a entravam em sua pele, manchando as pontas de vermelho. O som mexeu com ela. Li’a se aproximou o bastante para que a cobra conseguisse finalmente se enrolar ao seu redor, apertando suavemente. 

― Ele era um de seus noivos, não era? ― Kuí abrandou a voz em uma concessão fingida. A provocação na postura continuava igual. ― O que não era um traidor. Quem sabe não pode ser nosso quando acabarmos? Você nunca foi ciumenta… 

A memória avivou as chamas da raiva em Li’a. Haviam sido os três no passado: Oz, Yan e ela. Ravi insistia em um casamento tradicional, apenas ela e Oz, e Li’a nunca se casaria se não fossem os três. Estava disposta a brigar com aquele velho ranzinza por isso. 

Prometera a Oz… 

― Se Yan vive em paz entre os Farkas até hoje, a única conclusão a que posso chegar é que ele concorda com tudo que fizeram com Nivaria. Comigo. 

Só percebeu as lágrimas porque Kuí as coletou entre os dedos, levando-as aos próprios lábios. 

― É um nivariano ― ele argumentou, vendo-a concordar com um aceno frustrado. Ela se orgulhava daquela percepção sobre si mesma: nunca ignoraria um nivariano, mesmo um que lhe tivesse traído. ― Fique longe dele até terminarmos. Ele te distrai. 

Quando Li’a afrouxou a mão em volta de seu pescoço, Kuí trouxe os dedos dela para perto, lambendo uma a uma as unhas manchadas de sangue.

― Foi você? ― ela questionou. O tremor na voz tinha bem menos a ver com raiva agora. A cobra apertava-se com mais força em volta de seu corpo, cobrindo-a de arrepios. ― O Fronteiriço?

Ensinara Kuí como atrair Fronteiriços do vórtex: era uma prática comum entre jovens caçadores nivarianos, para que exercitassem suas habilidades de combate. 

― Apenas um golpe de sorte. ― Kuí torceu os lábios, decepcionado. ― Eu adoraria que tivéssemos pensado nisso em vez de deixar nas mãos do acaso. 

Kuí emitiu um grito agudo logo em seguida. Li’a o havia lançado contra o mar de almofadas espalhadas pelo cômodo, subindo sobre ele. A menor das cobras erguia a cabeça, alarmada, ao passo que a outra demonstrava sua indignação tentando roubar o fôlego de Li’a. 

― Não minta para mim ― ela exigiu. Seus olhos eram como o fundo do vórtex. 

― Eu preciso de você ― Kuí retrucou, como se aquela resposta bastasse, ajeitando-se sob o corpo dela. 

Os cabelos de Li’a se rebelavam em uma desordem enfurecida e suas mãos tinham voltado para o pescoço dele. As orelhas de raposa também estavam ali agora, assim como a longa cauda branca. 

O quadril de Li’a ondulou sobre o dele. Dessa vez, Kuí não a impediu quando ela o acertou com um tapa barulhento no rosto. Mesmo aquela agitação não parecia atiçar as cobras a ponto de atacar. Era uma cena com que já tinham se acostumado. 

― Não minta para mim porque ninguém vai me machucar de novo. ― A forma como Li’a disse aquilo foi diferente. Sua voz traiçoeira projetava-se para dentro, como se a raposa falasse na cabeça de Kuí. ― Acabo contigo antes que possa fazer algo assim ― prometeu, emendando um gemido profundo. 

Kuí encaixara uma coxa entre as pernas dela, fazendo força para cima.

― Saber disso te deixa molhada demais. 

Não era uma pergunta. Conseguia sentir. Experimentara aquele ódio na ponta dos dedos em muitas noites. Tocou-lhe as mãos, estimulando Li’a a feri-lo mais, como se não se importasse.

Ela era fogo puro, um brilho difícil de encarar por muito tempo. Ainda assim, ele sustentou o olhar, rindo alto. 

Li’a não duraria muito. Em parte, a culpa era dele, que a exauria, forçando-a até que estivesse no limite da dor e da raiva. Quase podia ver o espírito dela escapando pelas frestas de machucados que nunca cicatrizaram completamente. 

Às vezes, Kuí queria gastá-la depressa para que Li'a morresse logo e ele não precisasse lidar com a dor de vê-la abandoná-lo. Noutras, só queria guardá-la como um tesouro. Em mais de uma ocasião, cogitou descascá-la daquele corpo mortiço e guardar a alma dela em destaque na sua coleção. 

― Eu tive medo ― Li’a confessou em um sussurro, chamando de volta a atenção de Kuí. ― Quando o Fronteiriço apareceu, tive medo de estar na rua. Aqui ninguém sabe como enfrentá-los, estavam atarantados como cordeirinhos. 

As mãos dela procuraram o rosto de Kuí, contornando-lhe as bochechas cheias, os lábios rosados. 

― Não gosto de ficar longe de você em Farkas. 

― Precisa de mais coragem, então, se quer seguir com o nosso plano. ― Kuí espantou as cobras com um gesto, aproveitando para desamarrar a fita que prendia a túnica de Li’a. 

Sob a luz amarela dos lampiões, encarou o corpo seminu dela. A túnica cobria-lhe os seios, mas seguia a curva suave que formavam. Li’a tinha o corpo marcado por escarificações: talismãs de proteção nivarianos usados pelos caçadores para evitar os ataques destrutivos dos Fronteiriços. Kuí imaginava que era o tipo de conhecimento que Farkas não se interessou em roubar, achando que o sucesso de Nivaria devia-se apenas à sua tecnologia avançada. 

― Vai deixar o cachorrinho filhote te tocar? ― Kuí provocou, beliscando um dos mamilos dela. Ver Li’a rosnar só o fez apertar mais forte, até que ela o forçasse a afastar a mão, prendendo-a contra uma das almofadas. 

― Só o suficiente para dar cabo dele. ― Li’a se inclinou em sua direção, oferecendo um dos seios para que Kuí chupasse devagar, mordiscando assim que sentiu o mamilo duro o bastante. ― Eu deveria retribuir o favor e matar o desgraçado pelas costas. 

A ideia pareceu divertir Kuí, sua risada de porquinho arrancando de Li’a algo próximo de um sorriso. 

― Devo tirar sua roupa também? ― ela questionou, fazendo a túnica escorregar pelos ombros. 

Pouco importava estarem em um ambiente comum. Aquela não seria a primeira vez que a trupe os veria transando. Se algum membro insone tivesse mãos habilidosas, até poderia ser convidado a se juntar aos dois ― o que era visto como uma honra. 

― Não hoje, docinho. Quero só te assistir.

Kuí caminhou o olhar pelo corpo dela. A fragilidade não escondia os vestígios do caçador forte de antes. Nivarianos não compreendiam gênero, de forma que se sentiam à vontade para fluir entre inúmeras possibilidades. Quando conheceu Maali, anos atrás, ele se alinhava ao masculino. Li’a era uma versão muito menos íntegra e doce. A queda entretia Kuí tanto quanto o incêndio. 

― A conversa com os líderes do vilarejo hoje foi interessante ― Li’a sussurrou, abrindo as pernas. 

Expunha-se sem pudores para Kuí, os dedos circulando o clitóris. Ele estava certo: a ideia de destruir a excitava. Ondulava o quadril, roçando-se contra os dedos, que arrancavam dela gemidos aveludados. Kuí a apertava na cintura, a coxa ainda pressionada entre suas pernas para que ela se esfregasse mais. 

― Eles têm medo de falar diretamente… ― prosseguiu, fechando os olhos ―, mas a política de força de Ravi os intimida e assusta. 

― Aposto que alguns sussurros aqui e ali criariam um monte de insurgentes ― Kuí disse aos risos. 

Puxou o corpo dela para perto, voltando a se entreter com os seios de Li’a. Eram pequenos a ponto de sumir sob as muitas camadas de roupa, mas tão deliciosos que Kuí não se importava em perder longas horas entre eles nos dias em que o calor do desejo atravessava seu corpo. Sua boca sempre fazia Li’a gemer alto, pedindo em cochichos por mais. 

― A minha Sereia vai plantar boas histórias nos ouvidos certos, não vai? 

A voz dele, abafada contra sua pele, era um dos sons preferidos de Li’a. Com três dedos apertados contra o clitóris, aumentou o ritmo dos toques, deixando um rastro molhado contra o tecido da roupa de Kuí. O atrito era enlouquecedor. 

― A sua Sereia já começou… ― ela respondeu, fazendo com que uma das mãos dele soltasse sua cintura. ― Olha pra mim ― exigiu, acariciando o rosto de Kuí. ― Quero gozar com os seus dedos. Mete. 

Kuí era uma criatura velha, capaz de resistir ao comando dela. Mas não queria. O timbre vulpino de Li’a revestia-se de um conforto que experimentara poucas vezes. E ela o impulsionava a fazer algo que já queria: deslizar dois dedos para dentro de sua boceta molhada até que Li’a gemesse alto, o corpo ligeiramente arqueado. 

A magia na voz de Li’a funcionava mais facilmente com desejos que já existiam sob uma camada de pudor; mas com algum esforço, conseguiriam convencer um filho dedicado a sufocar a própria mãe debaixo de um travesseiro. Kuí lia suas almas, Li’a incitava suas paixões. 

― Quantos sussurros você plantou ao redor, docinho? 

Kuí mal conseguia falar, consumido pelo tesão. Li’a cavalgava em seus dedos, as mãos apoiadas em seu peito, apertando-lhe o tecido da roupa. Demandava a atenção dele com os olhos, com o corpo, com os suspiros manhosos. Ele conseguia sentir o quanto já havia molhado as próprias coxas só por assisti-la ali. Talvez pedisse a Li’a que o chupasse depois. No futuro, poderiam ter aquele doce curandeiro entre os dois. 

Quase gozou com as possibilidades. 

― O suficiente para que Farkas imploda com todos eles muito em breve ― Li’a disse, apertando as coxas contra a mão de Kuí. ― Mais, Kuí. Eu preciso de mais… 

Suor escorria-lhe entre os seios, como uma carícia. Li’a se impulsionou para frente, apoiando a testa contra a de Kuí. Apoiada nas mãos, um joelho de cada lado do corpo dele, estava praticamente de quatro, com o quadril erguido. Foi fácil para Kuí deslizar mais um dedo para dentro dela, o polegar pressionando-lhe o clitóris até arrancar um suspiro de deleite. 

― É tão gostoso… ― Li’a apertava as almofadas, o rosto afundado no pescoço de Kuí, o peito apoiado contra o dele. 

Estavam tremendo, e essa era a parte favorita de Kuí. Apertando uma coxa contra a outra, sentia-se às vésperas de um orgasmo. 

― A minha Sereia vai destruir essa cidade inteira… ― ele disse, segurando os cabelos suados dela com a mão livre. Li’a parecia mais febril do que antes. No dia seguinte, precisava lembrar-se de arranjar algum remédio para ela. 

A resposta não veio com palavras. Em vez disso, Li’a sentou-se de uma vez nos dedos dele, apertando-lhe o pescoço novamente, roubando o ar de Kuí. Ele gozou antes mesmo de perceber que sua vista começava a embaçar, os pulmões gritando. Com uma mão sobre as dela, deixou o aviso claro: Li’a não deveria parar ainda. Queria mais. O desespero do próprio corpo o excitava. 

Seu limite chegou com o orgasmo dela. Sob os gemidos de Li’a estava o som dos ofegos de Kuí em busca de ar, o corpo cobrindo-se de arrepios. Refém do próprio tesão, ele ainda a enxergava como uma silhueta turva ― e percebeu, alarmado, que a fogueira de súbito se tornara mais mortiça. 

― Não vai sobrar nada de Farkas quando eu terminar… ― Li’a prometeu, encaixando-se nos braços dele com um suspiro doce. 

Kuí afundou os dedos nos cabelos dela, distribuindo cafunés. Com a outra mão, buscou a correntinha escondida sob a túnica, enroscando um dedo nela e deslizando até tocar a pedrinha envolvida pelo pingente de prata. “Você disse que não tinha uma dessas na sua coleção”, lembra de um jovem Maali falar, entregando-lhe a pedrinha pouco antes de dar-lhe as costas e sair. 

Não assistiria a morte de Li’a como mero espectador. Depois que terminassem o que tinham ido fazer em Farkas, seria o responsável por destruí-la. 

Se ia perder aquela raposa, que fosse por suas próprias mãos, não ao capricho dos Imortais. 

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— Aquele nivariano, onde está? — bradou Ravi, entre uma tosse e outra. — Ele nunca está quando eu chamo! 

Sua saúde já tinha visto dias melhores. O peito, carregado pela tosse, queimava a cada pigarro como se habitado por uma colônia de lagartas de brasa; seus olhos pareciam injetados de raiva, vermelhos e secos, não importava quantas vezes os lavasse, aflito.

— Marido, tenha calma — intercedeu Juno com um aperto enfático em seu pulso. Ela tentou disfarçar a própria tosse, sem sucesso. 

Ravi rosnou, livrando-se do toque e socando a mesa de madeira com tamanha força que a trincou. O impacto fez virar os dois copos de rum vulcânico pela metade. Um leva-e-traz afobado, que se aproximou para limpar a bagunça, foi agarrado pelo pescoço e erguido do chão pela força da mão do líder Farkas. 

— Mestre Farkas… — começou, sem voz, antes que seu pescoço estralasse e ele caísse de volta ao chão, já sem vida. 

— Mandem que o rapaz veja se pode arrumar isso também, quando chegar — anunciou Ravi. A voz arranhando a garganta abriu espaço para uma nova crise de tosse. 

— Ravi! — Juno voltou a chamar, segurando seu punho agora com ambas as mãos enquanto encarava o corpo do leva-e-traz jogado no chão com uma expressão contrariada. 

Os Imortais já presenteavam as Cidades Flutuantes com uma nova manhã, mais clara e abafada que o normal. O mormaço lembrava o rastro quente trazido pelos Fronteiriços diretamente do vórtex.

— E meu filho, alguém sabe onde está? — questionou Juno, amparando o marido enquanto tossia.

Os leva-e-traz perto da porta se entreolharam de um modo agitado. Dois deles deram um passo para trás, deixando na frente um dos funcionários mais jovens, cujos ombros ossudos tremiam como folhas na ventania. 

Ele se prostrou no chão, as mãos contra o piso de madeira do quarto, sob o olhar inquisitivo de Juno e o outro, mais ameaçador, de Ravi.

Onde está o meu filho? — ele perguntou depois de controlar a crise de tosse com um último pigarro. 

Ravi se aproximou com passos firmes, até que alcançasse o leva-e-traz perto da porta que trazia aos seus aposentos. Se abaixando até ficar de cócoras, encarou o jovem. Um pouco mais e podia fazer com que ele se mijasse de medo frente a nada além da ameaça em seu olhar.

— D-dormindo, mestre — entregou o rapaz, aflito. — O jovem mestre Farkas abateu o Fronteiriço com os lobos no meio da madrugada. Ele deixou bem claro a todos que… não gostaria de ser incomodado até que acordasse, mestre. 

Mal terminou de falar e o jovem gritou, assustado. Ravi prendeu a mão em seu cabelo, puxando-o sem qualquer cuidado.

— Quem dá as ordens aqui? Sou eu ou é o meu filho? 

— É o senhor, mestre… — ele respondeu, incerto.

— Bom que ainda se lembram — o líder ironizou, empurrando o leva-e-traz para longe, fazendo-o cair no chão. 

O garoto ainda tremia, parecendo desacreditar que, depois de ver Ravi matar alguém por tão pouco, poderia mesmo sair vivo daquele quarto. 

— E Yan? — Juno completou. Por sua expressão, denotava já saber a resposta àquela altura. 

— Com ele, madame — entregou uma leva-e-traz um pouco mais velha logo atrás, enquanto amparava seu colega caído. — O curandeiro voltou ainda mais tarde do que o jovem mestre, acompanhado do Senhor Instrutor da Ópera. O jovem mestre e ele subiram para os aposentos e foi então que o jovem mestre disse que não era para ser incomodado até que acordasse.

Ravi respondeu com um sinal de silêncio. Apoiando a mão no joelho, ergueu o corpo forte, contendo uma nova crise de tosse. 

— Você vê, minha senhora — ele satirizou —, como seu filho cresceu indisciplinado apesar das minhas tentativas? Enquanto deveria estar agindo como futuro líder, ele se ocupa em trepar e dormir; quando deveria estar considerando um novo noivado, passa mais tempo enfiado no quarto com um puto nivariano. 

— O nome dele é Yan.

A resposta de Oz, bem à porta, era repleta de repreensiva seriedade. Havia acabado de subir a escadaria interminável que levava aos aposentos dos pais, mas sequer estava ofegante. Tinha as vestes completas do clã, ainda que visivelmente recém-saído da cama, e o crânio de lobo sobre a cabeça, mesmo que os cabelos estivessem em um emaranhado mal preso em um semicoque. 

— E ele é nosso curandeiro — completou, dando um passo para dentro —, não um puto ou qualquer outra ocupação que você resolva bradar só por ter acordado com um pouco de tosse. 

— Ele também não é um candidato a noivo — troçou Ravi. — Então o que ele é, o seu bichinho de conforto? Meu herdeiro devia gastar mais energia com pessoas adequadas.

Oz rosnou um aviso em resposta. Do pé da escadaria, um pequeno grupo de leva-e-traz acompanhava a cena com olhares intrigados. 

As brigas entre o líder Farkas e seu único herdeiro eram uma constante conhecida de qualquer funcionário ou discípulo interno do clã. As fofocas espalhavam-se igualmente por todo o território da cidade. 

Nix, a grande loba híbrida, avançava ao lado da perna de Oz, tão alta e robusta que sua cabeça chegava a bater na cintura do farkasiano. Ela parecia capaz de carregar uma pessoa de pequeno porte em um trote ritmado.

Ravi mirou a loba com uma careta. Fez sinal para que ela viesse sob seu comando. O animal sapateou no chão, emitindo um som entre uivo e um choro de protesto.

— Yan já está vindo. Assim que fomos chamados, saiu para colher ervas frescas para o seu remédio. Mais fortes, ele disse. Já que o chá não parece ter efeito desta vez — disse Oz, firme, e franziu o nariz. 

Rolou os olhos pelos aposentos, finalmente notando o corpo do leva-e-traz jogado perto da mesa. Um fino rastro de líquido escorria pela quina e pingava entre seus olhos vidrados, correndo pelo rosto até entrar pela fresta aberta dos lábios. Nix rosnou. 

— Você ficou louco? — acusou Oz, avançando na direção do pai. Notou, pelo canto dos olhos, a mãe escondendo uma nova crise de tosse, então virou o corpo. — Saiam — ordenou para os demais funcionários.

— Quem você pensa que é, garoto? — rosnou Ravi assim que ficaram sozinhos. Aproximou-se alguns passos até ter o rosto perto do do filho. Era alguns centímetros mais alto do que ele. — Se Yan já está vindo, nem precisava se incomodar. Pode voltar para sua cama. 

— Eu vim porque, pela forma como esmurraram a minha porta, soube logo que você estava surtando — ele respondeu, no mesmo tom. — E é verdade. Você matou um leva-e-traz por nada?

O crânio de lobo na cabeça de Oz quase tocou o que se projetava sobre a cabeça de seu pai. Nix voltou a emitir um uivo de aviso. 

— É só mais um trabalhinho para o rapaz — justificou Ravi, sem paciência, mexendo a mão no ar como se considerasse aquilo uma perda de tempo.

Oz respirou fundo. Aquele era o tratamento que o pai sempre tinha para Yan: o de um curandeiro promissor que habitava o Hall a convite seu desde antes da queda de Nivaria. Que Ravi o tratasse mal quando estava nervoso tirava Oz do sério. Veio na frente para conter o que quer que fosse antes que Yan se tornasse alvo do temperamento do pai. 

Um novo pigarro de Juno fez Oz erguer o olhar, preocupado. 

— Mãe? Também está se sentindo mal?

Franziu a testa, abandonando o enfrentamento para acudi-la. Ofereceu o braço para levá-la de volta a uma cadeira, o que ela recusou. Banjorianos não eram tão propensos a demonstrar vulnerabilidade. Sua mãe, vinda de um clã poderoso da cidade, era ainda menos.

— Seu pai mal dormiu, Oz — entregou ela. Tinha escolhido ignorar o corpo no meio do cômodo. — Nem pôde combater com você e os lobos o ataque do Fronteiriço. O calor e a tosse não o deixaram em paz — completou em meio a um pigarro. 

— E nem a você, pelo jeito — bufou Oz, olhando de um para outro.

O calor de Farkas era notório entre as Cidades Flutuantes. As temperaturas não eram tão áridas quanto as do Deserto do Fim do Mundo, de onde vinha a ópera, mas o clima era infinitamente mais abafado, como o de uma estufa. 

Era comum que visitantes sentissem náuseas e dores causadas pelo tempo. Mesmo moradores antigos experimentavam sintomas do tipo vez ou outra. Que seus pais fossem atingidos no mesmo momento era, por outro lado, inusitado. 

— Isso se parece bem mais com uma doença — Oz vocalizou.

— Provavelmente é o caso  — concordou Yan no momento em que atravessou a porta, atraindo os olhares dos três.

Curvou o corpo em uma reverência polida e discreta, mas rápida, para estar com as costas eretas antes que Ravi cruzasse os poucos passos que os separavam com uma expressão assustadora. O líder Farkas agarrou seu pulso por cima da marca de queimadura, apertando-o em uma ameaça. 

— Quando for chamado, rapaz — começou ele —, venha na primeira vez. Assim como faz para atender o chamado de meu filho para aquecer sua cama. É esse o problema? Te acolhemos no Hall com a ocupação errada? 

Ele apertava seu pulso e Yan sentia a mão querer abrir. Trazia nela um punhadinho de ervas frescas colhidas nos arredores do Hall da Conflagração, numa pequena plantação feita a seu pedido para atender o clã e quem mais precisasse nas redondezas. 

— Chega. — Oz se colocou no caminho. A mão, espalmada no peito do pai, o empurrou por reflexo, forçando-o a soltar o braço do curandeiro para que não o puxasse consigo. 

Yan encolheu o braço, escondendo-se atrás das costas de Oz, encostando os antebraços em seu corpo. Então espiou Ravi, pendendo a cabeça para o lado. Sua cauda se agitava, ressentida, assim como Shu, emudecido em meio ao seu cabelo. 

— Eu estava colhendo ervas para o seu remédio, mestre Farkas — justificou, descendo o olhar para a queimadura do braço, onde Ravi o segurara. — Ramagens e folhas para um xarope. Se a tosse piorou, então é provável, como Oz disse, que seja uma doença mais do que um sintoma de calor desta vez. Vamos mudar o tratamento. 

O olhar do curandeiro correu pelo quarto e encontrou o corpo do leva-e-traz. Ele reagiu com um soluço fraco. Ameaçou correr para ajudá-lo já com os olhos brilhando em um laranja intenso. Então parou ao ouvir o rosnado de lobos vindo dos cantos do cômodo.

— Eu e minha esposa primeiro, rapaz. E então você pode resolver essa questão. 

— Mestre, se eu demorar muito… — Yan avisou. E se calou quando Ravi voltou a socar o tampo da mesa, causando outra rachadura. 

— Primeiro eu e minha esposa — ele repetiu, enfático, fazendo Yan se encolher de volta atrás de Oz e apertar o tecido de sua roupa. 

— Sim, mestre. 

— Se voltar a erguer a voz para ele, farei a você o que acabou de fazer a essa mesa.

A voz de Oz soou baixa. Era gutural e fria como uma geada. Yan sentiu os pelos do braço se arrepiarem. Aquela frieza era tão deslocada nos lábios de Oz que o fazia se sentir mais triste do que protegido. 

Ravi franziu a testa, igualmente surpreso. Yan esperou que ele gritasse para que os lobos levassem Oz para mais um dia na Casa de Repouso, mas ele não o fez. E se calou. Chegou a imaginar se o líder Farkas o tinha ouvido com clareza. Parecia improvável que não, mas era igualmente duvidoso que tivesse ouvido uma ameaça tão direta e a engolido em silêncio. 

Com o segundo soco, a rachadura da mesa tinha se aberto tanto que o líquido escorreu por ela, caindo no chão logo abaixo como se atravessasse uma infiltração severa. 

Ravi tomou seu lugar em uma cadeira, esperando em silêncio enquanto Yan preparava seu novo medicamento, macerando ervas até formar uma base grossa como seiva, com um cheiro horrendo. 

— O que é essa monstruosidade, rapaz? — perguntou depois de um tempo, em um tom muito mais brando. 

— Seu xarope, mestre. Eu sinto dizer que esse não vai ser tão doce e tragável quanto o chá, mas usei uma base de mel silvestre para amaciar o amargor — explicou Yan ao servi-lo. 

Ravi tomou o copo de sua mão em um gesto parecido com uma patada. E virou-o em um gole seguido de uma careta torta. Juno o acompanhou, com mais classe, aceitando sua dose de xarope e sorvendo-a sem pressa antes de devolver o copo à mesa sem reação. 

— Deve melhorar agora, mestre — sussurrou Yan, evitando seus olhos. — Eu sinto pela minha demora. 

— Ele fez o melhor com o que sabíamos. Não é culpa de Yan que sua doença tenha os mesmos sintomas do calor. Quando ele falhou em cuidar de sua saúde? — Oz espalmou a mão no tampo da mesa, inclinando o corpo para frente, com os olhos fixos no rosto do pai. 

— Rapaz — chamou Ravi, se permitindo um momento de calmaria cortado por um pigarro —, vá resolver o ferimento do leva-e-traz.

— Obrigado, mestre — ele disse, agradecendo Oz com um afago perto do ombro quando se levantou para ir checar o jovem. 

Mergulhado em uma quietude desconcertante, os aposentos dos líderes Farkas pareciam um cômodo ainda mais intimidador, de paredes altas e mobília sóbria, pontuada por detalhes em laranja vibrante. Tudo nele era grande, da porta aos móveis, ajustado ao porte estarrecedor de seu líder, com espaço de sobra para que os lobos se acomodassem às sombras. 

Os animais também estavam em silêncio, com exceção de Nix, embora a respiração entrecortada dos híbridos ressoasse pelo quarto como um assovio de ventania. 

— Você devia se desculpar por ter tratado Yan daquela forma — Oz disse, mantendo a voz baixa e o olhar focado. Falava apenas com o pai e, ainda que sua mãe pudesse acompanhar a conversa, não queria que suas palavras chegassem até Yan.

— E você criou culhões mesmo, garoto — rebateu Ravi, com a respiração cansada pela tosse. — Se for efeito do chá especial que o rapaz te dá à noite, pode continuar.

Ele ergueu um sorriso condescendente. Oz fechou o punho, apertando os dedos contra a palma para conter um rosnado. 

Seu pai sempre fora capaz de fazer surgir o pior de si, um lado que Oz quase conseguia deixar morrer quando estava com Yan, ou com ele e Maali, anos antes. Pensar naquele tempo fazia abrir uma ferida antiga, com o mesmo gosto de raiva que sentia quando Ravi soltava aqueles comentários. Mas as memórias tinham um agravante, um aroma de traição pontuado de mágoa, fisicamente doloroso, mesmo depois de tanto tempo.

— Mestre… 

A voz de Yan era baixa, trêmula, atraindo toda a atenção. Ajoelhado no chão e sentado sobre os calcanhares, ele tinha a cabeça do jovem deitada no colo, com os olhos recentemente fechados. Os de Yan ainda faiscavam no lampejo alaranjado, mas tinham se enchido de lágrimas, seu brilho molhado fazendo  Oz se erguer prontamente. 

— Mestre, eu não consigo trazê-lo de volta.

Yan tocou os cabelos do garoto, afagando-os num gesto automático. 

Não era a primeira vez que seu dom falhava, mas era a primeira em muito tempo. Via a vida se esvaindo perante os olhos úmidos, se dissipando no ar como fumaça de incenso, bem diante dele, e não importava o que fizesse, ela continuava a fluir para longe, fugindo de seu toque e de suas intenções.

— Yan… 

Oz o alcançou em poucos segundos, se acocorando ao seu lado com a mão em seu cabelo. Surgindo de perto da mecha loira, Shu apareceu em seu ombro com os olhinhos arregalados, encarando o corpo que Yan tinha nos braços.

— Você fez o seu melhor — sussurrou Oz. — Não foi você.

Os olhos de Oz miravam o pai, acusatórios. 

— Era apenas um leva-e-traz. — Ravi reagiu com um movimento de ombros, erguendo-se da cadeira, apoiado no tampo rachado da mesa. — Não perca seu sono com isso, rapaz. Considere como um indicativo de que ainda pode melhorar suas habilidades.

Yan ouviu o rosnado, mas não teve tempo de segurar Oz antes que ele se levantasse de uma vez, atingindo a rachadura profunda da mesa com a mão, fazendo-a ceder de vez. A estrutura outrora firme, de madeira maciça, se rachou e caiu no chão, dividida em duas.

— Oz! — Juno repreendeu, se afastando dois passos da bagunça.

Ao lado de Yan, Nix derrapava nas patas grandes, uivando para o ar, atiçando latidos e rosnados dos outros lobos. Shu agarrou as patinhas no ombro das vestes de Yan, apertando o tecido entre seus dedos curtos. 

— Vá em frente, garoto. Você pensa que é uma porra de um líder? — Ravi tossiu. E então mostrou os dentes, peitando a afronta do filho. — Um elogio sobre seus culhões e acha que é capaz de me enfrentar? 

— Oz — Yan chamou baixo, o olhar preso no punho cerrado que ele continha. As unhas, apertadas contra as palmas, ameaçavam cortar a própria pele. 

Ele podia ser o Lobo dos Punhos de Chumbo, podia ser o farkasiano mais forte de toda a cidade, mas aquele ainda era o líder do clã. Bastava que Oz lhe erguesse a mão para ser considerado um traidor. Centenas de lobos irromperiam pela porta a um chamado. Ele poderia ser preso na Casa de Repouso sem qualquer companhia até que definhasse ou ser expulso de Farkas e forçado a buscar abrigo na terra de sua mãe. Se erguesse a mão para o líder do clã, pouco importaria que era o herdeiro.

Oz podia ser morto por uma mera intenção, a depender do humor de Ravi.

— Ficou mudo de repente, garoto? — provocou o líder Farkas. E tossiu uma vez, forte, completando com um pigarro. — Qual é o problema? Valente o bastante para sibilar ameaças e firmar o punho, mas não para acertar o soco? Foi esse o frouxo que eu criei? 

— Marido, sua boca… — proferiu Juno em aflição. 

Ravi franziu a testa ao sentir o gosto. Levou os dedos ao lábio inferior estranhamente úmido, encontrando nele a gota de sangue que precedeu uma nova crise violenta de tosse.

Ele se afastou, dando as costas para um Oz ainda contido, cobrindo a boca com o punho fechado. Quando a crise passou e Ravi voltou a abrir a mão, percebeu mais gotas de sangue escarrado dos pulmões. Ergueu as sobrancelhas, alarmado. 

— Mestre, é mais grave do que pensávamos — avisou Yan, secando os olhos afervorado, levantando-se depois de retornar o corpo do jovem para o chão, os olhos pacificamente fechados como se estivesse em sono profundo. — Não é hora para discussões. O senhor precisa ficar em repouso.

Continua…

No próximo capítulo… Algo foi esquecido e precisa ser devolvido. E a chance de isso gerar um pequeno caos é real. Já pensou que loucura se aqueles quatro se trombam no mesmo lugar em São Paulo? Com uma vovó no meio? Parece promissor.

ATENÇÃO! 🚨 Semana que vem é a última do mês. Não teremos capítulo, mas teremos entrevista com Tomás na Bunny Hour!

O Capítulo 13 — Timing perfeito chega no dia 1 de dezembro às 12h!

Ei, vizinho! Não esquece de me acompanhar nas outras redes! 💫

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