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💫 Pontes Imortais ― Capítulo 45
Relógio-Cuco
Boa tarde, Vórtex! Prontos pra voltar a dar uma checada no núcleo de SP?
No último capítulo… Terminamos nosso flashback. Nivaria caiu, Maali foi espancado quase até a morte por punhos que reconheceu e Yan não sabe de nada. Mas vocês se lembram onde estávamos no fim da primeira Temporada? Na Praça Roosevelt, sob uma forte tempestade de chuva e memórias… E com uma voz misteriosa celebrando a magia. Temos um novo personagem a ser apresentado! Este Vórtex está deveras animado!
Música-tema do capítulo: Power, de G-Dragon (sigam a playlist oficial Pontes Imortais #2 no Spotify!)

Capítulo 45 — Relógio-Cuco

São Paulo, 2023
O cabelo de Yue estava tão ensopado que pingava, as gotas se acumulando no chão perto dos seus sapatos. Mesmo debaixo da marquise do prédio, o vento de tempestade na Praça Roosevelt era potente e fazia as gotas de chuva alcançarem suas costas, jogando, como podiam, as pontas das madeixas molhadas por cima dos ombros.
Nem tinha se dado conta da voz harmoniosa que soprara em seu ouvido “Finalmente vocês acordaram!”.
Não poderia estar acordado se sentia o corpo entorpecido. Chegou a acreditar que tinha os olhos fechados e os forçou a abrir, arregalando-os lentamente conforme uma cachoeira de memórias caía sobre si como chuva pesada.
— Você me matou — Tomás sussurrou, a voz tão suave que sumia no vento.
Não soava como um começo, tampouco como um fim. Aquele era o som do interlúdio, da rachadura que dividia duas vidas subitamente se extinguindo, prendendo-se ao seu redor como a boca de uma armadilha.
— Eu… — Yue começou a dizer, o olhar correndo de Tomás para Victor. Estendeu a mão como se tentasse tocar seu ombro, sentindo que tinha que fazer aquilo antes que seus pensamentos se organizassem, como se fosse sua última chance de tocá-lo pelo que ele fora por anos: a porra do seu refúgio, seu melhor amigo, seu porto seguro.
Aproximou o toque com incerteza, se aproveitando do momento de torpor que atingira todo o grupo. Quase conseguiu. Mas foi empurrado por um toque brusco, por uma mão pequena e agressiva se encontrando com ferocidade contra seu rosto.
— Fica longe dele! — Tomás gritou, se colocando entre os dois.
Yue o encarou assim que levou a mão trêmula ao próprio rosto e era Uki Yan quem via bem diante dos seus olhos, com uma ferocidade que transbordava dos olhos outrora calmos, de um jeito que Yue jamais tinha presenciado, nem mesmo Maali.
A porta do prédio se fechou com um clique discreto quando Bernardo decidiu que não queria lidar com fosse qual fosse o drama se desenrolando bem debaixo da sua marquise. Eles claramente não eram o entregador de pizza.
Lótus permanecia imóvel, as mãos apertadas contra os braços cruzados em uma postura analítica, ainda que retraída.
O braço de Vi se moveu em um arco, envolvendo o corpo de Tomás pela cintura para que pudesse trazê-lo para perto, contendo o avanço de um possível segundo ataque.
— Espera — pediu. A água da chuva escorria por seu rosto, empapando ainda mais a gola larga da blusa. — A gente ainda não sabe que porra foi essa.
Tomás balançou a cabeça. Ainda que atrás de si Victor estivesse em negação, a ele, o turbilhão de memórias caiu em um encaixe perfeito, ocupando seu lugar entre as demais lembranças como uma peça de tetris.
Ergueu as mãos até os próprios cabelos encharcados, apalpando-os como se esperasse encontrar as orelhas arredondadas de arminho de Yan. Não encontrou, entretanto, nada diferente das orelhas muito humanas de Tomás Zhu. Respirou fundo, assentindo para si mesmo ainda com a respiração pesada.
Não precisava de evidências mágicas para saber quem era. Era compreensível que Oz demorasse mais para ler a cena. Ele não tinha boa parte de suas memórias. Não saberia dizer o quanto ele estava ciente de tudo: a confabulação da Ópera do Fim do Mundo para matá-lo, mantendo Yan longe, na floresta, ocupado com pequenos animais para que não pudesse socorrê-lo. Maali, disfarçado como Li’a e infiltrado em Farkas há tempos com planos de destruição baseados em uma falsa vingança.
Uma vingança sobre Oz, que era injusta e descabida. Tinha lutado por anos contra toda a toxicidade de Farkas, contra tudo que tentava converter Oz em algo ruim.
Nivaria havia se perdido no vórtex e acreditava que Maali estava morto. Oz, Nyan e Shu eram as únicas presenças concretas da sua vida há anos e não mediria esforços por qualquer um deles. Se era Oz às suas costas agora, então estavam cercados de inimigos e não deixaria que ele fosse tocado pela mesma mão que matara Yan na vida passada.
Olhou de Yue para Lótus, defensivo. Se estivesse no corpo de Yan, as orelhas teriam se voltado para trás, a cauda se eriçado como a de um gato acuado.
Ainda perto deles, Yue tinha a mão sobre a bochecha. A região atingida pelo tapa de Tomás formigava, o toque quente denunciando a pele avermelhada. Estava derrotado. Yan havia tomado um lado e o odiava. E sua única válvula de escape para a frustração e a raiva crescendo em seu peito era o ódio que Li’a tinha de Oz, que apertava seu peito e o mandava odiar Victor. Sentiu a bile subir o estômago e fechou os olhos para que passasse, esperando que, quando os abrisse de volta, descobrisse que tudo não passava de um pesadelo, ou de uma bad trip impulsionada por prensado barato. Qualquer coisa seria melhor do que a realidade crescente dos sentimentos de Yue Wang, Tyr Maali e Li’a no peito de uma mesma criatura.
— A gente tem que sair daqui — Tomás voltou a falar, se endereçando a Vi, exclusivamente.
Tinha recuado alguns passos para longe dos outros dois, de modo que as costas de Victor estavam quase totalmente expostas à chuva. Estarrecido, ele não parecia perceber ou se importar. Ainda buscava em Yue alguma reação, uma palavra que anulasse memórias de outra vida, uma certeza. Yue não voltara a erguer o olhar. Parecia congelado em sua armadilha de lembranças.
— Eu concordo, Tomás — foi Lótus quem tomou a frente. Tocou o ombro de Yue em um gesto de apoio, apertando-o com gentileza enquanto proferia as palavras em um tom diplomático. — Não vamos chegar a lugar algum esta noite. É melhor mesmo que a gente se separe pra digerir melhor essa… coisa.
— Ah, não! Todo o tempo que esperei pra reunir vocês de novo e vocês querem se separar?
Tomás congelou, levando a mão ao peito para segurar Vi pelo pulso e mantê-lo perto. O tom brando de Lótus tinha ganhado sua atenção. Estava disposto a concordar quando aquela voz esquisita tornou a soprar em seu ouvido, atraindo para si até mesmo o olhar entregue de Yue.
O corpo daquela criaturinha parecia frágil enquanto surgia perante os olhos do grupo, como se saído de dentro de uma poça d’água no meio fio. Os pesados pingos da chuva o atravessavam, distorcendo sua imagem como se fosse um holograma. A pele retinta daquela pessoa contrastava com os fios prateados de cabelo presos em duas longas tranças, enfeitadas com fitas vermelhas. Sobre a cabeça, orelhas triangulares, pontudas como as de um gato preto, eram decoradas com tantos brincos que a interferência da chuva tornava impossível precisar a quantidade. Victor sabia mais do que via, através de todas as histórias que ouvira sobre Imortais, que só uma daquelas orelhas era orgânica.
— O que foi? — a criatura voltou a questionar a medida que o silêncio se estendia. — O gato comeu a língua de vocês?
Às costas de Tomás, Vi arregalou os olhos. Era a pessoa do grupo que menos conhecia as histórias sobre aquela criatura. As lições em Nivaria tinham dado conta do básico, as histórias contadas por Maali e Yan acrescentavam mais dimensão. Eram pouco se comparado aos saberes de um diplomata como Kuí ou de dois nivarianos, tão habituados àquele nome por toda a vida.
— Niva — Yue entoou. Se antes, o choque das memórias tinha tirado sua reação, agora, cara a cara com o Imortal padroeiro de Nivaria, elas haviam todas se congelado.
— Como é bom ouvir meu nome! Você podia caprichar um pouco mais no tom de oração, né? Já faz um bom tempo que as orações pra mim têm sido escassas. Tenho certeza de que entendem o motivo — Niva respondeu. Então ergueu a mão no ar, bem na frente do corpo e acenou enquanto abria um sorriso.
Sua risada, assim como a voz, era doce e harmoniosa, como a de uma criança.
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Em um primeiro momento, a aparição de Niva era o suficiente para conter os ânimos. Conversava, especialmente, com as memórias de Maali e Yan e tinha atraído para si os olhares de ambos.
Distorcida pela chuva forte, sua imagem ainda remetia muito a um holograma. Victor buscou nos arredores qualquer explicação para sua origem, não encontrando nada. Era como se o rosto de Niva tivesse mesmo sido projetado diretamente da água da chuva, suas vestes alongadas se unindo à poça perto do asfalto.
Do outro lado da praça, o esforço da produção do Indiepira era visto através da chuva que começava a abrandar. Tinham tirado os instrumentos, com sorte a tempo de salvar os equipamentos mais caros.
Na rua, poucas pessoas. Nenhuma parecia notar a pessoa projetada nas gotas de chuva. Nenhuma além deles quatro.
A tempestade havia transformado a Praça Roosevelt em uma sombra. Copos e garrafas esquecidas, deixadas para trás sobre bancos e canteiros que antes acumulavam pequenos grupos de amigos. A chuva pegara todos de surpresa, surgindo sobre o céu outrora pontuado pelas escassas estrelas visíveis na capital.
Poucos destinos, pensou Yue, apertando os dedos contra a palma das mãos em um punho dolorido. São Paulo era uma cidade de muitas pessoas e poucos destinos.
Naquela noite, destino nenhum. O céu coberto de nuvens pesadas contava uma outra história, a história de destinos perdidos.
Yue caiu de joelhos sobre a calçada, escondendo contra as mãos o rosto. Aquilo tudo era demais. Fora inundado de memórias que não queria reconhecer, acusado de um crime que suas mãos não cometeram por vontade própria. Estava prestes a perder o pouco que tinha e agora ia ser confrontado por uma Entidade que cultuara por toda uma vida e da qual não se lembrava até poucos minutos atrás. Seria punido pelo assassinato de um nivariano, de Yan, como se o aperto em seu peito e o fogo nas palavras dele não fossem punição o suficiente.
— Seja o que for que me aguarde, Niva, só peço que seja breve — disse, finalmente conseguindo organizar o nó da cabeça em uma frase. Vi franziu o nariz em resposta. O tom formal daquela frase se parecia muito pouco com Yue.
Niva sorriu, transitando o interesse de Yue, ajoelhado aos seus pés, para Tomás, em pé perto de Victor, que o olhava de frente, sem qualquer menção de obediência. Tinha para ele um sorriso diferente, que desembocou em uma risada quando estendeu a mão na direção de Yue.
— Isso foi muito tocante de sua parte, Tyr Maali! Eu tive a impressão de que você tinha se tornado uma criatura menos dramática nesta vida. Parece que me enganei. Vamos, levante-se! Você já foi jogado no vórtex uma vez. Acha que eu vim até aqui pra quê? Pra te jogar de novo? Ora, vamos!
Batendo palmas no ar, Niva ainda ria quando Yue voltou a se levantar, atordoado, sendo novamente amparado por Lótus.
A última fala de Niva fez o olhar de Tomás se erguer até Vi em confusão. Era verdade, pensou. Yan já estava morto quando foram todos lançados vórtex adentro. Ele não tinha aquelas memórias.
— Eu te conto tudo — Vi prometeu, ajeitando o braço ao redor de Tomás, então se voltou para a imagem de Niva: — Ei! Se não é por punição, então pra que isso tudo? Pra que trazer toda essa merda de volta?
— Primeiramente — começou Niva —, eu aprovo esse aí. — Ergueu um dedo no ar, apontando para Vi enquanto o olhar se voltava para Tomás. — Todas aquelas oferendas e orações que você me fez no nome dele eram muito queridas, mas vendo de perto, te entendo ainda melhor, Yan! Segundamente — emendou, sem deixar chance de resposta. — Não fui eu quem trouxe as memórias de vocês de volta, foram vocês mesmos. Eu só mexi uns pauzinhos… Ajudei todos a se encontrarem, o que me deu um trabalho do cão, se quer saber! E terceiramente… — Niva fez uma pausa, erguendo no ar agora três dedos esticados. — Preciso que venham comigo de volta para as Cidades Flutuantes, mas seria muito interessante se não ficassem se odiando entre si ou sentindo pena de si próprios. Vou precisar de todos juntos. Todos mesmo. Um vindo e os outros ficando não me serve. É meio que tudo ou nada e eu jogo pelo tudo. Estamos de acordo?
— Não!
As vozes de Yue e Vi quase se fundiam. Vi, mais indignado; Yue, agora à beira do desespero.
— Eu tenho uma vida aqui — Vi complementou, erguendo os braços no ar. — Meus negócios, amigos, minha mãe. Não posso sair assim e largar tudo pra trás, mano.
Niva tinha nos lábios a resposta pronta, substituída por uma risada quando Vi o chamou de “mano” como se nem o visse como um Imortal. Não julgaria. Poderia ter paciência com um farkasiano perdido cujas memórias tinham acabado de vir à tona. Sempre teve a percepção de que as criaturas educadas naquela terra tinham pequenas lacunas cognitivas. E aquele ali ainda tinha se feito o favor de renascer em uma família fragmentada em algum tipo de metrópole insalubre.
Poderia pegar um pouco leve com ele no começo. As oferendas feitas em vida por Yan pagavam pela sua paciência. Tinham sido elas a garantir que um tanto do seu poder persistisse mesmo com a queda de Nivaria, que levara consigo a maioria dos seus fiéis.
— E deixar que Farkas apodreça em ruínas? Eu tive a impressão de que o Jovem Mestre Oz não pretendia ser um líder tão medíocre quanto seu pai. Yan me prometeu que você valia a pena. Antes de encontrar este lugarzinho aqui onde vieram renascer, vocês eram minha novela favorita! — Niva balançou a cabeça, como se espantasse para longe de si todo o aborrecimento. Tocou as longas tranças, afagando-as em um gesto contínuo até a ponta antes de continuar. — Sem contar que o que raios Victor Lobo faz pela própria mãe, hein? Quando foi a última vez que falou com ela por mais do que dois minutos? Ela está bem, seu dramático! Já a sua terrinha de lobos já viu dias melhores.
— Meu pai — Yue o atravessou, já no fim da fala. A voz era sóbria, baixa como um farol de neblina, cortando o monólogo de Niva com uma nota de realidade. — Ele precisa de mim, de verdade.
— Ó, é verdade. Eu tinha me esquecido — Niva revirou os olhos, o suspiro trazendo de volta o tom de aborrecimento que ele havia afogado na risada. — Mas é a única coisa, não é? Não é como se Yue Wang tivesse muito a perder ainda. Talvez possamos esperar. Quer dizer… — Niva mexeu as mãos em um arco, fazendo aparecer no holograma um relógio branco de madeira, parecido com um relógio-cuco, decorado com um belo espécime de pássaro-engrenagem nivariano. — Ele não deve durar muito ainda, não é?
Yue mostrou os dentes numa sugestão de rosnado. Tomou algo nas mãos de perto do seu pé e o atirou na direção do Imortal.
A garrafa se espatifou na rua atrás de Niva, atraindo a atenção de um casal que corria pela calçada da praça, mas que decidiu só apertar o passo. A imagem projetada de Niva se rompeu, voltando turva como um reflexo na água até se estabilizar novamente. Não durou mais do que alguns segundos.
— Que ideia ridícula! O que você achava que ia acontecer? — protestou o Imortal. — E eu nem menti. Estou dizendo que podemos esperar.
Niva analisou o relógio, assentindo para si mesmo com um aceno suave de cabeça. Parecia satisfeito, como se pudesse ver o futuro nos ponteiros, como um oráculo. Yue sentiu o peito apertar
— Mais alguém tem alguma questão? — Niva perguntou, o sorriso voltando a se abrir.
— Por mim, problema nenhum — Lótus respondeu, erguendo os ombros. — Se puder levar a Clotilde e a Cremilda, que eu não saio sem minhas bichinhas.
Do que mais poderia sentir falta? Sua mãe passaria, é claro, por um período de luto, mas depois certamente se contentaria com a nova vida, na qual não tinha que lidar com ele. No fundo, não tinha ninguém de quem sentir falta, nada pelo qual sofrer.
— Não imaginei que teria. Ao meu ver, alguém como o Senhor Instrutor da Ópera do Fim do Mundo só tem a ganhar. Temos que te reunir novamente à sua querida ópera.
Vi ainda encarava estarrecido aquele holograma abusado. Yue parecia petrificado, como se tivesse medo do significado do sorriso de Niva ao ver algo nos ponteiros do seu relógio.
É um dos Imortais, pensou consigo. Ele pode forçá-los a ir, se quiser. Ou forçar as circunstâncias para que sejam obrigados a aceitar. Não vai jogar esse jogo. Não assim.
Com ele e Vi em silêncio e Lótus decidido, restava Tomás. Yue sentiu o coração acelerar. Tomás tinha a avó, a faculdade, muito a perder. Dependendo do que dissesse, poderiam voltar a ser aliados. Dependendo do que dissesse… Poderia tê-lo ao seu lado, achar um jeito de ir contra aquela loucura.
Como se fosse capaz de sentir o olhar de Yue sobre si, Tomás o correspondeu. Suas íris cor de âmbar pareciam frias, as pupilas tão fundas como se fossem portas para o vórtex, encarando-o, prontas para engoli-lo novamente e lançá-lo no vazio.
— Eu vou — ele respondeu, seco, assim que voltou sua atenção para Niva.
Yue só queria poder desabar.
— Perfeito! — comemorou Niva, com uma palminha animada, ignorando o clima desconfortável que se formava à sua frente. — Então em breve vamos discutir os detalhes da viagem. Até lá, tirem um tempo para se conectarem novamente com as memórias e as habilidades de vocês. Não vão querer chegar nas Cidades Flutuantes como se tivessem caído de paraquedas, não é mesmo?
Tomás assentiu, em silêncio. A chuva foi sua grande aliada. Suas roupas molhadas já o tinham colocado em um leve estado de tremor bem antes das memórias e da aparição de Niva. Quando o Imortal o escaneou com o olhar, só o que viu foi um fiel disposto a seguir suas palavras, encharcado pela tempestade. Não viu a tristeza. Ou o medo. Tinha se apoiado na própria habilidade para escondê-los, um talento que era muito mais de Yan do que de Tomás.
Não seria burro de trazer sua avó para a discussão. O que Niva havia feito momentos antes com Yue lhe soara muito com uma ameaça. Se queria protegê-la, teria que aceitar deixá-la. O melhor que poderia fazer por ela estava bem ao seu alcance.
Conversaria com Victor quando estivessem a sós.
— Nyan — sussurrou para ele, em uma confissão. Aquele era outro motivo para querer voltar.
Niva não pareceu percebê-lo. Com um gesto de mão, fez rodar displicentemente os ponteiros do Relógio-Cuco, analisando suas posições novamente, feito cartas de tarô.
— Preciso mesmo deixá-los agora, mas voltarei em breve. Não esqueçam das minhas recomendações. E Yan — ele chamou. Tomás não hesitou em encará-lo em retorno. — Lembre-se do que falei. É importante que estejam todos juntos ou não valem de nada. Conto com você para reunir todas as peças. Todas elas.
Tomás assentiu, e continuou encarando o vazio que se seguiu ao sumiço do holograma, que levou consigo a tempestade.
Ele, responsável por reunir todos, responsável por Kuí, que conspirou pelas suas costas, e Maali, que o matou. Seu rosto se converteu em uma careta quando se virou para Oz, escondendo o rosto contra seu peito. Se lembrava agora, de tudo, do cheiro dele, que era quase como o de casa, dos braços envolvendo-o quentes e confortáveis como um abrigo.
Precisava descobrir quanto de Oz havia em Vi e quanto teria a chance de consertar.
Conto com você para reunir todas as peças, ouviu em pensamento, como se o sorriso debochado de Niva tivesse se fundido à sua consciência.
Jamais teria esperado ser o mensageiro de Niva. Ele, em vez de Maali, que fora monge enquanto que Yan havia se tornado fiel mais pela memória de Nivaria do que por crer em Niva como um protetor.
— Vamos — Vi sussurrou, trazendo-o consigo para fora da marquise.
Seu olhar encontrou o de Yue quase por acaso, mas se demorou nele, como se pudesse dizer algo, sugerir algo, como se por um momento fosse capaz de pedir para que viesse com eles.
Mas não disse nada e, com o braço ao redor de Tomás, guiou os dois de volta para a Rua Augusta.

Continua…
No próximo capítulo… Tomás e Victor se reconectam às memórias de Yan e Oz. A sombra de um plano começa a surgir, trazendo luz a algumas palavras antes sem sentido.
O Capítulo 46 — Por que eu? chega em 13 de junho de 2025!

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