💫 Pontes Imortais ― Capítulo 32

Faíscas

Quem tava esperando pra chegar um capítulo de ação? 🙋Veio aí!

No último capítulo… ⚠️ Alerta! Ataque fronteiriço categoria quatro interrompe briga de futuros noivos! E agora?

Música-tema do capítulo: Fire, de Barns Courtney (sigam a playlist oficial Pontes Imortais #2 no Spotify!

Capítulo 32 — Faíscas

Nivaria, dois anos antes da queda da Cidade

Para Oz, o som do alarme tinha a mesma substância que os gritos de almas afogadas deveriam ter, urgente e pontiagudo. Por semanas, foi lembrado aula após aula sobre o quão próximos estavam do vórtex, sobre a frequência dos ataques Fronteiriços e as medidas de segurança que deveriam tomar. Mas talvez pela visão constante dos insetos de vigilância e dos grupos de monges-caçadores, sempre aos pares e trios, e pela calmaria das últimas semanas, Oz acreditou que Nivaria na verdade era um lugar muito mais pacífico do que as histórias faziam acreditar. 

— Oz! — A voz de Maali o trouxe de volta à realidade. 

O rapaz tinha se levantado e lhe oferecia a mão para que se erguesse também. Qualquer desavença entre os dois tinha ficado em segundo plano. 

— Vai com o Yan — Maali disse, apontando o jovem curandeiro mais adiante. Ao redor deles, os nivarianos caminhavam em cautelosa ordem para um lugar seguro. — Ele sabe onde fica o abrigo mais próximo. Vai!

Oz não teve tempo de avaliar se o brilho nos olhos de Maali era ou não preocupação consigo, porque tão logo terminou de falar, ele tomou o sentido contrário, caminhando em direção à saída do Distrito. 

— Pra onde ele vai? — Oz questionou. A voz meio erguida acima do tom se esganiçou levemente. Yan absorveu esse detalhe e o guardou na memória junto com o brilho que acabara de ver nos olhos de Maali. Achava que eram ambos sinais que vinham de um lugar em comum. 

— Caçar — Yan respondeu, franzindo de leve a testa. Oz havia aprendido sobre aquilo nas semanas anteriores e mesmo assim perguntara o óbvio. — Abater o Fronteiriço. É o que ele faz. 

— Sozinho? 

Era a segunda pergunta que não fazia sentido. Yan ensaiou uma resposta enquanto guiava Oz pela mão até a fila a caminho do abrigo. Podia repetir todos os ensinamentos sobre a atuação dos caçadores. Não, não costumavam agir sozinhos. Sim, era visivelmente claro que Maali seria o primeiro a chegar. Tecnicamente… Isso significava que estaria sozinho por algum tempo, mas não muito. E ele sabia se virar.

Ele sabia. As tranças em seu cabelo eram prova disso. 

— Sozinho, Yan? — Oz repetiu. Foi quando Yan notou que a pergunta não era sobre os outros caçadores, mas sobre eles dois, como se além de Maali, eles fossem os únicos que realmente importavam. 

— Oz, nós temos que ir. — Tentou soar firme, puxá-lo pelo pulso quando ele parou de seguir o fluxo de pessoas e estagnou no caminho. Oz nem se mexeu, o olhar voltado para a direção onde Maali tinha ido, os olhos fixos como os da loba ao seu lado. — Oz…

— Segue a fila, Yan. Você conhece o caminho melhor do que eu. Alguém tem que ir atrás daquele idiota antes que ele se machuque bancando o caçador. 

— Oz, ele é um caçador — Yan tentou argumentar, sentindo o braço de Oz escapar do seu aperto. 

— É, e ele também é fraco com aqueles ombrinhos finos — Oz ergueu um sorriso. Yan sentiu as próprias orelhinhas se abaixarem em preocupação. — Se até ele mata esses bichos, quão difícil pode ser? Vou trazer ele de volta. Nix, vem!

Parado no lugar, Yan acompanhou a corrida de Oz para alcançar Maali na trilha para a floresta. Às suas costas, o som dos passos dos nivarianos a caminho do abrigo ficava cada vez mais distante. Os espiou, por cima do ombro, vendo a cauda do último deles desaparecer atrás do tronco de uma árvore. 

— Não seja louco — Shu protestou, puxando-o pelo cabelo como se pudesse fazer Yan mudar de ideia. — Yan, não seja louco!

Mesmo ao pé do ouvido, a voz de Shu desaparecia frente ao alarme de alerta que Yan ouvia de dentro da própria cabeça. Só tinha uma direção para onde podia correr.

Maali fez uma pausa apenas para buscar o arco, a aljava e sua máscara. Um inseto de vigilância planava na altura de seus olhos, as asas metálicas abertas para expor um mapa em miniatura de Nivaria. Um ponto roxo se movia vindo do norte em direção ao Distrito, cruzando a floresta que se abria diante de Maali. 

Caçar em lugares estreitos assim era bem a sua especialidade. 

— Monge Tyr — o vozeirão potente pertencia a Alika, uma monge sênior que comumente coordenava as ações dos caçadores — você tem visual?

A pergunta chegou tão logo colocou a máscara, acionando os comunicadores e o ponto em seu ouvido. Conseguia ouvir o zumbido do inseto de vigilância o acompanhando para captar seus movimentos e transmiti-los ao resto da equipe.

— Negativo — Maali respondeu, baixando a voz.  

A floresta estava anormalmente calma: nenhuma pequena raposa cruzando a trilha, nenhum inseto cricrilando. Som algum vinha dos troncos das árvores, comumente habitados por esquilos e pequenos pássaros. Aquele estado de suspensão Maali já tinha experimentado em dois momentos: no exato instante antes de a luz voltar a iluminar Nivaria após um longo período de trevas; e na iminência do ataque de um predador.

Ele puxou uma flecha da aljava, preparando-a no arco. Os ombros replicavam a tensão da corda. Poucas coisas faziam Maali se sentir tão vivo quanto caçar. Ligeiro como um demônio, não era incomum que fosse o primeiro a chegar nos locais de caça. Derrubar Fronteiriços alimentava aquela sereia que habitava as camadas mais obscuras do seu ego — aquela que cantava por poder. 

— Os vigilantes estão detectando uma massa em movimento a sudeste de onde você está, Monge Tyr — Alika avisou, sua voz coberta por uma estática suave. 

Estática nunca era bom sinal. 

O corpo girou ligeiro com o som de um galho quebrando às suas costas. Por pouco não soltou a flecha. Por muito pouco. O coração batia contra a garganta porque o que encontrou ali foram os olhos animados de Oz.   

— Você deixou Yan sozinho? — ralhou assim que abaixou o arco. Com a flecha mirando o chão, o leve tremor que tinha se instalado em seus dedos parecia apenas resultado da tensão da corda.

— Ei, grandão. Vai com calma aí! — o berro de Shu ressoou pela trilha antes que Yan pudesse contê-lo. Os olhos do curandeiro encontraram os de Maali e se desviaram. Sabia que estava além dos limites para um civil.

Trouxe o Yan com você? — A indignação na voz de Maali era quase palpável, mesmo com a voz voltando ao tom baixo. 

— Eu vim por minha conta, Maali. Não sou uma bolsa de viagem. 

— E também não é prudente, pelo que vejo.

Os olhos de Oz foram de um para o outro, acompanhando a interação. Junto a ele, Nix grunhia baixinho, ameaçando mostrar os dentes para nada em especial. 

— Guarde o sermão pra outra hora — Yan sussurrou ao se aproximar o bastante de Maali para tocar-lhe de leve o braço. — Estou bem. 

— Ei, raposo. — Oz demandou a atenção de Maali. — Depois que decidir se ficou puto com a possibilidade de eu ter deixado Yan pra trás ou de ele estar aqui, já pode me agradecer por ter vindo te ajudar.

Maali ergueu o punho no alto em um gesto tão enfático que fez Oz assumir uma postura mais séria quase de imediato. As orelhas de Nix e de Maali fizeram movimentos gêmeos, virando-se para trás, e Oz fez uma careta selvagem, exibindo os caninos afiados. Mesmo Shu teve o bom senso de manter a língua quieta dentro da boca. 

A floresta crepitava ao redor deles, o som semelhante ao de uma centena de chicotes açoitando o ar. Yan acompanhou o movimento coordenado de Oz e Maali que, parados ombro a ombro, agiam como uma espécie de muralha diante de si. Se houvesse qualquer brecha no medo que crescia em seu peito, teria achado precioso aquele acordo sem palavras. 

— Monge Tyr, têm civis com você? 

Pela urgência com que Alika falava, Maali imaginou que não fosse a primeira vez que fazia aquela pergunta. 

— Recue, volte para o Distrito com os civis. Outros monges já estão se aproximando. Ouviu, Monge Tyr? Quero sua confirmação. 

Mas estavam perto demais daquele Fronteiriço para dar meia-volta. Maali sentia como ele se movimentava devagar, calculando, aguardando o momento certo para atacar. Voltar seria dar espaço para aquela criatura se aproximar ainda mais do Distrito. Também seria perder a chance de uma luta. 

Quando caçava, Maali nunca precisava pensar demais. Era um respiro breve de toda a disciplina autoimposta por anos. Ele puxou a máscara para cima, deixando-a cair aos seus pés, cortando a comunicação com a equipe. 

— Maali! — Yan se exasperou, confuso, mas Oz o atravessou em seguida, falando num tom urgente: 

— Essa névoa não é normal. Ou é? 

Maali tinha demorado para perceber a camada de névoa cinzenta que deslizava entre as árvores feito fumaça. O cheiro acre que os cercava fez o monge pensar em eletricidade. 

Era isso!

— Não se aproxime demais — advertiu, segurando Oz pelo pulso porque Nix tinha emitido um uivo baixo e sambava nas patas, alarmada. — Fica atrás de mim. Os dois. 

— Ei…! — Oz começou a resmungar e Maali apertou os dedos em seu pulso. A urgência nos olhos dele tinha bem pouco a ver com qualquer necessidade de estar no comando, e seus dedos estavam gelados. Maali parecia assustado. 

Assustado com a ideia de que pudesse se machucar?

— Atrás de mim. Cuida do Yan — Maali repetiu, armando uma flecha no arco mais uma vez. 

— Eu preciso ficar na frente — Yan anunciou.

O curandeiro vasculhou a bolsa com os dedos rápidos, puxando um ramo de ervas secas, de um azul pálido, amarradas por um barbante firme. Com um talismã, acendeu o incenso-fantasma, erguendo-o para o alto. A névoa ao redor deles retrocedeu o suficiente para que pudessem enxergar um pouco do caminho adiante. 

Maali ainda tentou tomar o ramo de sua mão para carregá-lo ele mesmo. Assim, Yan pensou, ele poderia voltar a mandar que ficasse atrás deles, como um ratinho assustado. 

— Você precisa das duas mãos para usar o arco — foi toda a resposta que deu, antes de afastar o incenso-fantasma da mão de Maali e apertá-lo mais forte entre seus dedos. 

— Oz — Maali o encarou, vencido — se o faro da sua loba for bom, é a melhor hora para usarmos. 

— Nix! — O jovem comandou, tomando o cuidado de fazer com que a loba continuasse perto deles. Tinha decidido dar algum crédito à prudência de Maali.

Guiados por Nix e Yan, quanto mais avançavam para dentro da floresta, mais alto ficava o ruído crepitante. A certa altura, os três tinham a impressão de estarem rodeados por uma dúzia de pés invisíveis quebrando galhos secos, o barulho entrando em suas cabeças de tal forma que começavam a ficar desnorteados. 

Foi Nix quem deu o alerta, lento demais para que Maali conseguisse contra-atacar a tempo. O máximo que conseguiu foi empurrar Oz para o lado, tirando-o da linha de tiro. Uma luz arroxeada, breve como um suspiro, cegou o trio, seguida por um estouro semelhante ao de um trovão. Yan e Oz se abaixaram por instinto. Yan ergueu a cabeça primeiro, atraído pelo chiadinho irritado que Maali deixou escapar. 

Uma mancha vermelha se espalhava pela túnica branca, na altura do ombro direito. Parte do tecido estava em frangalhos e o cheiro de carne queimada fez Nix rosnar, apreensiva. 

— Maali! — Yan se antecipou. 

Tinha na bolsa um estoque limitado, porém eficaz, de preparos de cura. Um deles, um unguento para queimaduras, costumava proporcionar alívio quase imediato. Se pudesse passar um pouco sobre a queimadura, então Maali ficaria bem logo.

Voltou a enfiar a mão na bolsa, desviando o olhar da cena por instinto. Não era um guerreiro, mas um curandeiro, acostumado a bastidores e praticamente inexperiente em cenários de batalha.

— Depois — Maali pontuou com a voz firme. O tom ficando um pouco mais espinhoso quando o olhar de Yan voltou a se erguer e dar de encontro com o dele. — Você precisa de pelo menos uma das mãos pra carregar o incenso. 

— Vocês parecem um casal de velhos! — Shu ralhou, colocando a cabeça para fora da gola das vestes de Yan por tempo suficiente só para espiar o que acontecia. E então deu um berro quando viu a coisa que os atacava.

O ataque tinha uma vantagem pelo menos: dar a eles a direção exata do Fronteiriço. O sangue era um tempero extra: aquelas criaturas eram especialmente atraídas por sangue.

— Cacete — Oz esbravejou, espantado. 

Ouvir falar sobre Fronteiriços era uma coisa, mas vê-los… A experiência era grandiosa. Foi a única palavra que lhe ocorreu naquela hora, enquanto se posicionava à frente de Maali, como uma espécie de muralha. 

A criatura não era tão grande quanto alguns Fronteiriços poderiam ser, estava ciente. Tinha a altura de uma casa, mas um corpo tão robusto quanto os troncos de algumas árvores antigas que existiam em Banjora. 

Sua aparência fez Oz pensar nos besouros rinoceronte. Aquela coisa era isso: um besouro rinoceronte cinzento e feioso, com dois pares de braços humanos demais para que a imagem não fosse perturbadora, e dentes protuberantes dispostos em fileiras pontudas. O chifre escuro apontado para o alto parecia bastante afiado. Logo abaixo dele, escondido sob uma membrana esponjosa, estava o núcleo de energia da criatura: a parte que todo caçador visava em combate, e que servia para matar de uma vez por todas qualquer Fronteiriço.   

O bicho tentou abrir as asas. Eram estreitas de uma forma quase surreal. Quando as viu, Oz teve a impressão de que não faria sentido que asas como aquelas fossem capazes de suportar o peso do Fronteiriço. 

Ele tentou voar, levantando do chão alguns poucos metros, ainda abaixo da copa das árvores. O som das asas batendo fazia Oz pensar em máquinas. Não o tecnológico e invejável maquinário nivariano, cujos segredos eram discutidos por todas as fronteiras das Cidades Flutuantes, mas qualquer tentativa chula e despreparada de replicá-los sem o conhecimento que Nivaria guardava a sete chaves. 

Era alto o bastante para perturbá-los quando o bicho passou voando por cima de suas cabeças, mas não tanto a ponto de ser ouvido de fora da floresta. Como se a névoa liberada pelo Fronteiriço os tivesse isolado do resto do espaço, criado para eles uma pequena dimensão paralela de poucos metros de área. Suspeitava inclusive que tentar transpor aquele tipo de névoa fosse uma péssima ideia. 

— Consegue usar o arco? — perguntou o farkasiano, vendo como Maali, abaixado para fugir da linha de voo baixo da criatura, tentava ajustar o arco no braço queimado. 

— É claro que consigo — ele respondeu irritado, como se Oz devesse ver sua capacidade intacta e calar a boca. O que Oz via, entretanto, era o oposto. Via alguém tentando ser eficiente com dor. 

Oz manteve uma mão presa ao pulso de Yan, para trazê-lo consigo quando se abaixou. A outra projetava-se acima das orelhinhas do nivariano como uma proteção extra. 

O bicho cruzou o espaço voando e emitiu um guincho dolorido antes de perder altura e voltar pro chão, fincando o chifre afiado no tronco da árvore com tamanha força que as raízes estalaram. 

— Essa porra é forte! — Oz exclamou, arregalando os olhos. 

— É claro que é. Você acha que a gente emite alerta por qualquer merda? — Maali parecia a um passo de rosnar. 

— Ele feriu a asa — observou Yan, os olhos fixos sobre uma das asas do bicho, que batia fora de ritmo, mesmo quando ele já havia voltado os pés para a relva. — E ele também não enxerga. 

Aquilo dava cabo de boa parte das explicações: por que um Fronteiriço daquele tamanho tinha despencado na floresta; por que o alerta não o afugentou de volta para o vórtex; por que atacava de modo tão desordenado e os havia isolado com névoa. 

— Como ele ataca se não vê? — Oz franziu a testa, puxando Yan consigo quando recuou uns passos, vendo o bicho voltar a se virar na direção deles. 

— Ele ataca porque você não cala essa boca! — resmungou Maali, tentando manter a voz baixa. 

Um tiro. Um tiro era tudo o que precisava, mas o tremor que tinha tomado seus dedos quando achou que acertaria Oz com a flecha não era nada perto da insegurança que a queimadura tinha proporcionado aos seus movimentos do braço.

Soube que tinha errado o alvo assim que atirou. A flecha atingiu o Fronteiriço no dorso. A criatura berrou uma vez com o ataque, então mais uma quando a ponta de flecha explodiu, estraçalhando-lhe parte do flanco. 

— Boa! — Oz se animou.

Mas não era nada bom. Atingir um Fronteiriço com um golpe não fatal era coisa de amadores. 

— Corre! — Maali replicou logo depois, falhando em armar uma nova flecha antes que o Fronteiriço mirasse o chifre na direção deles para tentar atingi-los com um novo golpe elétrico. 

O som do ataque tão próximo assim fez Shu berrar. Apavorada, Nix se trançou entre as pernas de Oz para buscar abrigo, fazendo-o perder o equilíbrio. As mãos ralaram em um punhado de pinhas gordas quando ele caiu, o cheiro de terra úmida misturado ao de eletricidade invadindo seu nariz.

Yan se abaixou ao seu lado, verificando se estava tudo bem. O rosto ficou mais aflito quando percebeu algo. 

— A gente se separou… 

Ainda tinha o incenso-fantasma bem preso entre os dedos, afastando a névoa por espaço o bastante para que conseguissem ver o Fronteiriço tentar voar novamente, então falhar, mas o resto do mundo ao redor tinha se transformado em uma cinzenta camada de névoa cobrindo tudo. 

— Aquele raposo machucado não vai se virar sem a gente. — Oz tateou os arredores para se apoiar. 

Não havia nada útil ao alcance deles, exceto por um punhado de pedrinhas na entrada de uma toca. O que poderia fazer? Jogá-las contra aquele monstrengo? Sua mira nem era mesmo tão boa assim — por menos disposto que Oz estivesse para admitir aquilo. 

— Maali! — Yan chamou. 

De seu ombro, Shu protestou como se quisesse que finalmente se comportassem como caçadores silenciosos. Mas não havia motivo. Aquele bicho estava bem na frente deles e a névoa os cercava. Mesmo que não visse, a localização de ambos era óbvia. 

Não houve resposta. 

Yan soltou um guincho breve. De imediato, a primeira coisa que sentiu foi medo. Não sentia metade daquilo com Maali ao lado, mas sem ele, era como se o medo tentasse consumir seus ossos. 

Estavam desarmados e tudo o que tinha era aquele maldito ramo de incenso-fantasma e uma loba que agora havia desatado a latir. 

O Fronteiriço preparou as asas para outro rasante. De suas costas, a asa ferida voltou a fazer o som que para Yan se assemelhava mais ao de água batendo contra pedras, como uma cachoeira. 

— Yan, se protege. Eu vou derrubar esse desgraçado no soco — Oz alertou. Yan quase se convenceu a segurá-lo como uma criança sem noção. 

— De jeito nenhum, com aquele chifre que dispara raios! Você vai se matar!

Oz analisou o corpo truculento do bicho, seus olhos se fixando sobre a região esponjosa bem abaixo do chifre. Tinha achado que o professor que lecionava aquela aula na escola nivariana era bondoso ou arrogante demais quando disse que o núcleo era facilmente identificável, mas lá estava ele, tão gritante quanto em uma história fantástica. 

— Raposo, vocês não têm trabalho nenhum, né? — Ergueu a voz ao recuar, fazendo sinal para que Yan não o acompanhasse desta vez. 

Sua voz era alta demais, como Maali havia feito questão de pontuar repetidas vezes nas últimas semanas. E se aquele bicho se guiava por ela, então podia tirar Yan da linha de tiro ao menos uma vez. 

— É só acertar essa coisa que brilha? Pelo amor dos Imortais, e vocês precisam de um curso todo só pra isso? 

O bicho voltou a atiçar as asas e Nix latiu mais, motivada pelo riso de seu dono logo ao lado. Apesar da cara debochada, Oz parecia nem piscar, tão pouco disposto estava de tirar a atenção do bicho. 

— Não, sério. Se não fosse essa porra de chifre e a asa, era moleza. 

O bicho rosnou, finalmente atiçado o bastante pela voz alta. Ele se ergueu do chão, planando no ar a poucos metros de altitude enquanto preparava o bote, o chifre no meio do rosto faiscando ameaças elétricas. 

Do meio de uns arbustos, Yan tapou a boca com a mão. Não havia em toda Nivaria alguém que dissesse que aquilo era uma estratégia de caça. O que Oz fazia mais parecia loucura e Yan não estava pronto para vê-lo ser eletrocutado por um Fronteiriço bem na sua frente por pura imprudência. 

Foi quando ouviu o assovio.

Alto, firme, como um tiro de flecha vindo das costas do Fronteiriço. 

O bicho se virou de susto. Se pudesse enxergar, teria encontrado Maali bem às suas costas, os lábios crispados para assoviar o som que imitava o ataque da flecha. Só com a cabeçona do bicho virada foi que disparou a verdadeira flecha, que cortou a névoa, atravessou a asa boa do besouro e passou raspando por cima do chifre, ferindo-o e fazendo-o despencar do céu com um rosnado e um estrondo. 

Se tivesse o braço funcional, teria resolvido as coisas muito mais fácil. 

— Oz! — ele alertou. 

Do chão, o Fronteiriço se contorcia tentando se colocar de volta em pé. Ferido, o chifre elétrico emitia faíscas cortadas. 

— Deixa comigo!

O monstro era grande, sua cabeça recoberta por uma carapaça grossa. Os punhos do farkasiano, entretanto, não pareceram tomar o menor conhecimento dela. O primeiro dos socos de Oz atingiu o Fronteiriço no núcleo, o que causou sua morte imediata, mas Oz não parou até o quarto soco, quando a voz de Maali voltou a soar alta em comando. 

— Chega! Você não aprendeu nada nas aulas? 

— Sei lá. Vai que vocês tavam errados e aí quem morre sou eu por não matar esse trambolho direito.

Os lábios de Maali se abriram de leve como se estivesse prestes a dar um sermão pelo atrevimento. Depois se ergueram um pouco mais, deixando escapar uma risada musical que espantou Oz mais do que um besouro gigante elétrico.

— Yan… — chamou baixinho, vendo Maali se aproximar. — Ele tá bem ou será que a porrada no ombro deixou ele em choque?

— Você pode falar diretamente comigo, idiota — Maali reclamou, dando um soco no braço de Oz e fazendo uma careta logo depois. 

— Ei, cuidado! — Yan não conseguia esconder o sorriso, apesar daquele tom de quem dá uma puxada de orelha.

Os olhos de Oz brilhavam como se ele tivesse acabado de descobrir um detalhe muito divertido sobre Nivaria; os de Maali tinham um brilho parecido, como se o vulcão que havia em seu peito pouco tempo antes tivesse mesmo entrado em erupção, rachando a rígida muralha de gelo que o cercava.

Ao redor dos três, a névoa se dispersava devagar, deixando-os entrever as árvores mais distantes, algumas trilhas estreitas cavadas pelo vai e vem dos nivarianos e o grupo aturdido de monges que observava a neblina desaparecer sem motivo. 

— Monge Tyr! — Alika berrou ao vê-los, fazendo os três se encolherem ao mesmo tempo.

Tinham bastante coisa para explicar.   

Continua…

No próximo capítulo… Derrubar um fronteiriço pode ter rendido problemas? Como se já não tivessem um casamento pra pensar…

O Capítulo 33  — Eu tenho uma resposta chega em… 7 de fevereiro de 2025

Sim, Vortexianos, estou aproveitando o fim do primeiro ato desta temporada para entrar em férias 🏖️, retornando em fevereiro, o que dá bastante tempo pra todo mundo se atualizar nos capítulos dos últimos meses! Para updates do Vórtex, entrem no nosso canal no Telegram.

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