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💫 Pontes Imortais ― Capítulo 31
Avisos que se repetem como eco
Tá passando o caminhão de capítulo novo! Aceitas? 🍊
No último capítulo… A Festa de Luzes de Nivaria iluminou alguns sentimentos. Mas mal sabiam nossos queridos o que estava por vir…
Música-tema do capítulo: Snow & Ice, de Sophia Anne Caruso (sigam a playlist oficial Pontes Imortais #2 no Spotify!
Capítulo 31 — Avisos que se repetem como eco
Nivaria, dois anos antes da queda da Cidade
— Casar?
Quando seus pais o chamaram para conversar, Maali imaginou uma infinidade de assuntos, desde coisas triviais sobre a família a um pedido para que se juntasse aos esforços para ajudar Banjora. Embora não fosse um monge-técnico, poderia auxiliar com assuntos menos urgentes, liberando a agenda dos especialistas. Ficaria contrariado por atravessar a instável ponte nivariana, é claro, mas ainda mais contrariado se não cumprisse com suas funções sociais.
Um aviso de que se casaria com Oz de Farkas nunca lhe ocorreu.
— Não quero casar — respondeu de imediato. — Não posso.
Não com aquele bagunceiro, pelo menos. Quando encarava o próprio futuro, a encruzilhada era clara: seguir adiante na Cidadela, como um discípulo interno, para se unir à equipe técnica; ou abandonar os votos de monge por Yan. Uma terceira via era tão improvável quanto a queda dos Imortais.
— Essa não é uma decisão que depende da sua vontade, filho.
— Todas as decisões dependem da minha vontade, pai! — Maali argumentou, a voz subindo um tom. Raramente falava mais alto que o sussurro do vento, e era ainda mais raro que se erguesse daquela forma, espalmando as mãos com fúria sobre o tampo da mesa. Uka não se sentiu desrespeitado pela reação dele; em vez disso, seu coração se partiu em pedacinhos.
— Sente — o líder Tyr pediu. Atrás de si, Amka apertava-lhe os ombros, tenso. Aquela conversa era tão difícil para o seu marido quanto era para o filho. — Você sabe que eu nunca me imporia sobre a sua vida se não fosse uma questão coletiva.
Lentamente, Maali abriu os punhos cerrados e, com alguma relutância, voltou a sentar. Nivaria não era uma grande potência como Farkas ou Banjora, mas tinha se erguido e funcionado bem ao longo do tempo, tudo graças aos esforços comunitários. Agora o rapaz estava curioso para entender de que forma casar-se com Oz tinha se tornado uma questão coletiva para a sua Cidade.
— Há algum tempo, Ravi acenou para as lideranças nivarianas com a possibilidade de um casamento com Oz — Amka disse, assumindo a conversa. — E foi tão surpreendente que em um primeiro momento, nenhum de nós levou a sério.
Maali conseguia entender a razão. Se Oz fosse casar com alguém, as chances iam para alguém de Banjora, onde as relações já estavam estabelecidas. Mesmo Aruvi parecia uma opção mais lógica, apesar do quão fechados eram os aruvianos. Tudo isso fazia de uma proposta assim para Nivaria, que dependia muito mais de Farkas do que o contrário, uma novidade estranha.
— Por quê…? — O questionamento de Maali nasceu e morreu no mesmo segundo, iluminado por um entendimento bastante óbvio: — É por causa dos Imortais?
O caos criado por Silki não era, nem de longe, o maior rebuliço provocado pelos Imortais. Se as Cidades eram abençoadas por sua magia, e prosperavam sob suas graças, era sempre ao custo de uma ansiedade constante: um incenso acendido da maneira errada, e teriam atraído o desgosto daqueles seres.
Sem eles, a magia não funcionava. E que outro lugar funcionava muito bem apesar da ausência de magia?
— Oz atraiu a simpatia dos líderes com aquela personalidade solar. — O líder Tyr se permitiu um sorriso. Não desgostava do rapaz, e apesar da expressão contrariada de Maali, imaginava que ele também não. Foi o que convenceu ele e Amka de que estavam tomando o melhor caminho. — O líder Farkas também, embora eu acredite que o caráter dele tenha bem pouca relação com isso.
Os esforços do líder Tyr para manter boas relações com as lideranças de outras Cidades sempre foram enormes, porque ele era uma criatura bastante empática cujas convicções aterravam-se no bem comum acima de tudo. Maali não se lembrava de tê-lo visto parecer tão desgostoso ao falar sobre alguém quanto parecia agora.
— Pai, você soa como alguém desconfiado — Maali comentou, tentando ler a cena.
— Talvez eu esteja, filhote — Uka confessou, os ombros se dobrando sob o peso das próprias palavras. Quando encarou o filho, no entanto, era o mesmo líder firme com que Maali estava acostumado, cuja postura lhe passava a certeza de que tudo sempre acabaria bem. — E é por isso que, mesmo não sendo a escolha que você faria, vou entregá-lo para uma união com Farkas.
Maali estava a ponto de argumentar. Chegou a tomar fôlego para expor seus pontos: se outros líderes tinham recebido a mesma proposta, não precisavam ser os Tyr a respondê-la. Não eram os únicos capazes de lidar com os farkasianos, afinal.
O pai o calou com um gesto enfático.
— Tem que ser você — Uka retomou — porque se for necessário colocar os farkasianos na linha, confio na sua voz acima de qualquer coisa.
O coração de Maali deve ter parado por um espaço de segundos.
Por todos aqueles anos, acreditou que tinha escondido bem a sua magia. Falava pouco, e baixo. Vivia no alto de uma montanha, apesar do pavor que a altura lhe causava todos os dias. Aplicava em si uma disciplina tão rigorosa que virou o maior símbolo de rigidez em Nivaria. Tudo para frear sua voz — aquela magia que às vezes cantava no fundinho de sua cabeça, dizendo-lhe que não precisaria se esforçar nem um pouco para ser tão grandioso quanto queria. Maali achava que tinha uma sereia morando em sua alma — igual àquelas que voavam à beira dos precipícios nivarianos, pássaros gigantescos de penugem da cor de caramelo cujo canto atraía desavisados para a queda.
A seriedade do olhar do pai lhe dizia agora que não tinha sido tão bom assim em esconder o seu poder.
— Dependemos de Farkas para muitas coisas, filhote. — Uka foi para perto do filho, tocando-lhe a mão. Não importava o quão responsável e centrado Maali fosse, ainda era muito jovem. Na idade dele, as dores eram mais agudas, mais pungentes. — E seria tolo colocar em xeque uma relação assim, porque nos colocaria em um cenário de escassez ou de guerra.
Coisas com que não tinham recursos o bastante para lidar.
— O que não significa — ele continuou — que vamos baixar a guarda ou estar menos atentos. Mesmo que isso nos custe um pouco da nossa liberdade como indivíduos.
Da sua própria liberdade como indivíduo, foi o que Maali pensou. Não conseguia enxergar do que os pais abriram mão naquela jogada. Amka deve ter lido aqueles pensamentos pelo brilho de seus olhos, pois acrescentou:
— Sei que você tem muito orgulho de quem é, meu bem. — Ele ousou sorrir um pouco. Era um sorriso feroz. — E sei que vai saber impor isso quando chegar a hora.
Maali não estava tão certo disso. Sua única certeza, antes de pedir a permissão dos pais para sair e digerir aquela novidade ao ar livre, era que o peito queimava.
Dentre dele, um vulcão estava prestes a entrar em erupção.
━━━━━━ • ❆ • ━━━━━━
— Nem fodendo!
Oz ergueu a voz. Tinha estado controlado naquela conversa até então. Aceitou calado quando sua mãe reclamou do enfeite dourado em seu cabelo, que de alguma forma era “delicado demais” para a postura de um líder. Também tinha apenas cruzado os braços e tamborilando os dedos contra a pele quando o pai passou um longo instante dedicado a encontrar defeitos em toda a sua postura — sorria demais, era acessível demais, falava pouco sobre Farkas, aparentemente, por não comparar todo e qualquer detalhe da cultura nivariana à sua própria.
Mas quando o assunto virou casamento, simplesmente não tinha mais paciência para ouvir calado.
— Esse vocabulário não é aceitável — Juno ralhou. A postura banjoriana era sempre elegante e as sobrancelhas grossas como as de Oz franzidas contra a pele escura reforçavam-lhe o ar de autoridade.
— Nada nessa conversa foi aceitável até agora, mãe! — Oz se defendeu. Em pé, andava de um lado para o outro dos aposentos dos pais e só parou quando Ravi se colocou bem à sua frente, bloqueando-o.
— Senta, agora! — ele ordenou. Era pouca coisa maior do que o filho, com ombros um pouco mais largos. Um homem grande e influente, mas que precisava sempre erguer a voz para demonstrar sua frágil liderança. Oz franziu o nariz, e segurou um riso de escárnio mínimo no canto da boca. — Qual é a graça, moleque?
— Até isso vai decidir por mim, agora? Qual é o próximo passo, escolher quando eu vou mijar?
Os aposentos estavam tomados pelo pequeno grupo de lobos que os acompanharam até Nivaria. Até então, os animais tinham se mantido inertes durante a discussão. Foi na última fala de Oz que ergueram as cabeças, as orelhas se levantando, alertas. Ao lado de Oz, Nix abaixou a cabeça, em um gesto que podia ser interpretado como submissão ou como uma ameaça de ataque.
— Um Farkas obedece seu líder — Ravi avisou. Pousou sobre o ombro de Oz a mão pesada e o apertou. — Se seu líder diz pra casar, você cala a boca e casa. Pode brincar de dar presentinhos para qualquer criaturinha que te interessar, mas casamento é um assunto político.
Oz ergueu as sobrancelhas. O comparativo tinha sido específico o bastante, a ponto de irritá-lo mais.
— Que belas palavras pra dizer na frente da minha mãe.
O tapa em seu rosto o calou. Ravi ergueu a mão, tirando-a do ombro do filho logo antes de acertá-lo bem na bochecha. O pesado anel que usava na mão deixou uma marca reconhecível perto da boca de Oz.
— Cale a boca uma vez na vida e faça o que seu líder manda. Não me vale de porra nenhuma um herdeiro rebelde. No dia em que eu perder minha paciência, posso muito bem mandar que te joguem no vórtex.
Oz recuou um passo. A ideia de trocar socos com o pai cruzou sua cabeça pela primeira vez, só para se dar conta de que seria inútil. O que ele dizia tinha seu fundo de verdade: se o irritasse a esse ponto, Ravi tinha súditos fieis o suficiente para atirar ao vórtex até mesmo seu herdeiro.
De que valia, a esse ponto, o crânio de lobo em sua cabeça?
Mostrou os dentes, mais acuado do que afrontoso. E buscou os olhos da mãe. Uma palavra dela, uma defesa, um mísero olhar que dissesse que o defenderia, mesmo que de um jeito discreto. Não encontrou nada além de dureza.
— Pare de causar problemas, Oz — foi tudo o que ela disse.
Então soube que não teria qualquer tipo de escolha verdadeira.
Se afastou dos pais, acompanhado pela grande loba preta. A cauda agitada dela parecia arrepiada, como se a mexesse para conter algo mais explosivo. Oz se sentia igual, mas nele, os sinais se manifestavam na forma como apertava as unhas curtas contra a palma da mão fechada em punho.
— Aonde você vai? — Ravi questionou quando Oz chegou à porta.
— Dar uma volta — disse entredentes. — Parar de causar problemas.
Bateu a porta atrás de si no instante em que pisou fora daquele quarto. E respirou fundo. Só de não estar mais no mesmo ambiente, suas feições se suavizaram um bom tanto.
Ao seu lado, entretanto, a loba Nix tinha um par de caninos bem à mostra.
━━━━━━ • ❆ • ━━━━━━
Oz mal tinha pisado no pátio externo quando viu Yan.
A praça central do Distrito ainda exibia vestígios da Festa de Luzes, algumas noites antes. As casas e construções ainda sustentavam discretos enfeites coloridos: cordões com bandeirinhas de tecido cujas estampas quentes remetiam ao calor morno do degelo. O colorido dos olhos de Yan era diferente — várias camadas sobrepostas em tons alaranjados que terminavam em uma mais brilhante, como ouro líquido.
Mesmo por trás das lentes grossas de seus óculos, aquelas cores estavam a apenas alguns palmos de distância, o que era perto o bastante para que Oz pudesse admirar o tom dourado de seus olhos.
Yan parecia sempre tão ponderado que soprou para longe a camada mais externa de sua raiva. A testa, antes franzida, deu lugar a um discreto sorriso — porque não queria que ele achasse que não estava feliz por vê-lo. Do chão, Nix voltou a esconder os grandes dentes afiados.
— Tá tudo bem? — ele perguntou, de súbito. Apesar da expressão calma, seus olhos estavam fixos como os de uma águia. Oz poderia achar que sua mudança de humor havia sido sutil, que o sorriso o convenceria, mas Yan tinha de longe notado a carranca irritadiça do farkasiano quando pisou fora do prédio.
— Não — Oz respondeu, com a voz baixa. Esperava que fosse o suficiente para matar o assunto. — E você? Esse cheiro é daquelas panquecas recheadas com leite batido?
— Eu… Oz!
Não teve tempo de responder antes que ele mudasse de assunto. E então Oz passou por ele, caminhando decidido na direção da única barraquinha de rua ainda decorada.
— É melhor aproveitar, jovem. Estão quase esgotadas — informou o senhor mirrado que operava a máquina. Era toda branca, como uma grande bola de neve, mas exalava o calor gostoso de um forno.
— Viu? Ainda bem que viemos aqui. Gosta dessas? Eu compro pra você.
Oz não o deixava falar. Nem para fazer perguntas e muito menos para avisá-lo sobre algo trivial, como o fato de que aquela barraca nunca ficava sem panquecas — no máximo, sem decorações festivas. Aquele era só o jeito mais fácil de atrair clientes forasteiros.
— Espero que o senhor se lembre de adicionar o creme de castanhas, senhor Duo — Yan avisou, com um sorriso. O velho sempre se esquecia do detalhe mais delicioso e caro sobre aquelas panquecas. — Oz…
— Bastante! — O rapaz acrescentou, parecendo mais interessado em Duo operando a máquina de panquecas do que na caretinha que começava a se formar em Yan. — Pode colocar bastante desse creme, viu? Eu viveria disso, se pudesse.
O elogio serviu para massagear o ego de Duo, que se orgulhava bastante daquelas panquecas, cuja receita familiar agradava nivarianos há gerações.
— Acho que ele perdeu os parafusos de vez — Yan ouviu Shu sussurrar perto de seu ouvido e o enxotou com um peteleco. Não era hora para as implicâncias dele.
Aproximando-se, Yan tocou o cotovelo de Oz. Assim como aprendera a ler os silêncios de Maali para descobrir se ele estava triste, irritado ou apenas concentrado, começava a compreender que a agitação de Oz era um espelho perfeito do seu estado de espírito. Ele nunca evitava assuntos, a menos que fossem espinhosos a ponto de irritá-lo.
— A gente pode dar uma volta, Yan?
Erguendo o rosto, Yan viu como ele parecia perdido. O que poderia ter acontecido para deixá-lo assim? Fez que sim, aceitando a panqueca quentinha que Oz tinha acabado de oferecer, e deixou que o rapaz os guiasse sem rumo pelas ruas estreitas do Distrito.
— Agora que a Festa de Luzes passou, vocês devem estar se preparando para voltar para Farkas, suponho. — Yan tentou puxar assunto.
Estava quase certo disso. O conteúdo da carta enfiada entre as ervas da sua bolsa parecia deixar aquilo claro. Tinha o selo da família Farkas no lacre e palavras que pareciam vir de Ravi, embora a letra da assinatura não tivesse nada a ver com a que redigira as palavras.
O convite descrito no papel era algo que esperava discutir com Oz antes de qualquer coisa. E com Maali, depois que pensasse um pouco a respeito. Não falaria sobre isso com ele se tivesse plena certeza de que responderia com uma recusa.
Contudo, não parecia ser o momento certo para engatar aquela conversa com Oz. Quando ele se virou, oferecendo-lhe outro daqueles sorrisos sem significado, e perguntou se não iria comer um pedaço da panqueca antes que esfriasse, reparou na marca avermelhada perto de sua boca.
— O que aconteceu? — tentou perguntar, mas perdeu a atenção de Oz novamente. Seguindo-lhe o olhar, Yan viu Maali do outro lado da rua.
A expressão dele era igualmente agastada.
Maali deveria apenas ter ignorado a presença de Oz porque, no fim das contas, que culpa ele poderia ter sobre os últimos acontecimentos? Filhos de líderes estavam presos a um arsenal de regras das quais não tinha se livrado apenas por se tornar um monge. Seu pai pediu para que usasse sua voz… Se o tempo não tivesse acrescentado em si camadas de decência que lhe impediam de usar sua magia de forma indiscriminada, faria isso agora mesmo.
Livraria a Oz e a si mesmo daquelas obrigações com um punhado de palavras ditas da forma certa.
A mão de Yan presa ao braço dele com tanta intimidade foi uma visão indigesta demais. Seria obrigado a casar para “manter os farkasianos sob controle”? Por que aquela gente não era capaz de controlar a si mesma?
Qualquer coisa em sua postura deve ter, de súbito, parecido ameaçadora demais, pois fez Nix mostrar os dentes e rosnar, o corpo ligeiramente inclinado para preparar um bote.
— Controle o seu cachorro, Oz — Maali disse, mais ríspido do que gostaria.
— Nix é uma loba! Se você é burro demais pra ver diferença, não jogue a culpa nela.
Se o tom de Maali já mostrava sinais de rispidez, a resposta de Oz era inflamada como uma fogueira. Não pôde contê-la. Tinha tentado segurar a irritação nas palavras desde que escolhera sair pela porta a abaixar a cabeça para o pai. Se havia uma decisão sobre sua vida sobre a qual não tinha qualquer poder, então lidaria com ela à sua própria maneira. Sorrir e agradecer o pai por cagar na sua cabeça não era uma escolha.
A raiva nas palavras deixou Yan em choque. Via agora o que Oz tinha tentado esconder com sorrisos falsos e panquecas: os olhos tinham uma camadinha irritante de lágrimas presas, gotas de raiva líquida que pareciam prestes a escorrer pelo Distrito. Com aquela marca vermelha no rosto, não deixava dúvida de que algo tinha acontecido. Algo ruim a ponto de tomar-lhe o natural tom zombeteiro.
Aquela rispidez tinha bem pouco a ver com birra ou implicância. Era raiva, pura e crua.
Yan teve a presença de espírito de se afastar alguns passos, olhando dele para Maali com uma incógnita estampada no rosto.
— Você não reconheceria qualquer tipo de burrice nem se estivesse debaixo do seu nariz, Oz — Maali replicou e pela primeira vez Oz conseguiu entrever os caninos afiados de raposa sob os lábios que normalmente mal se abriram.
Se a dor de Oz era colérica, a de Maali era cruel.
— Yan, tá na nossa hora. Pega a panqueca e vamos pra casa. — Ao terminar a frase, Shu puxou seu cabelo. Yan voltou a balançar o cabelo para mandá-lo se acalmar. Preso pela faixa de couro que ganhara de Oz, ele tinha bem menos movimento.
— Ei… — Yan tentou começar. Sua voz passou despercebida.
— Que porra você tá dizendo? — Oz se adiantou um passo, se aproximando de Maali com o olhar em chamas. — O que te faz achar que é tão foda, perfeitinho? Você é só a porra de um chato que nem tem assunto pra falar com ninguém, então só fica aí com essa cara de nada.
— Chega, vocês dois! — Yan ergueu a voz, para que não pudessem ignorá-lo de novo. O primeiro sinal que recebeu foi de Maali, com a mão, um pedido para que não se aproximasse mais.
— E o que você tem, Oz? — Maali não se intimidou com a aproximação do farkasiano. Em vez disso, fez um movimento parecido, de modo que estavam muito próximos agora. — O que te sobra se tirarem da sua cabeça esse crânio ridículo e o tamanho?
— É esse o seu problema comigo, então? Eu não tenho culpa se você é pequeno e fraco!
Oz ousou erguer um sorrisinho vitorioso, como se tivesse achado o xis da questão e esfregado bem na fuça daquela raposa irritante. E ofegou com a joelhada precisa que recebeu em seguida, tão potente que o fez dobrar o corpo, buscando ar. O equilíbrio foi embora logo depois quando Maali o puxou para baixo com uma rasteira.
Quando o crânio caiu de sua cabeça, Oz sentiu alívio. Como se finalmente tivesse recebido permissão para sentir todas as coisas acumuladas no peito. Não se importou de recolocá-lo no lugar antes de agarrar o tornozelo de Maali e puxá-lo para o chão junto consigo, preparando um soco que errou por centímetros quando Maali se esquivou pela direita.
— Te falta mira mesmo no chão — Maali rosnou, tentando um soco que foi contido pela mão de Oz.
— Essa é toda a sua força? — rebateu Oz, prendendo a mão dele na sua.
— Vocês estão agindo como dois idiotas. Parem! — Yan voltou a erguer a voz.
Ao redor deles, a confusão começava a atrair a atenção dos populares. Yan se virou, notando pequenos grupos encarando a briga assustados, os sussurros que trocavam, a fofoca que se espalharia por Nivaria sobre como Oz era mesmo descontrolado como farkasianos são, ou como Maali havia falhado no treinamento de monge e não passava de um moleque.
Se tivesse influência, teria feito todas aquelas pessoas virarem o rosto. Podia só dizer que não havia nada ali sobre o qual elas devessem comentar, e então todos seriam forçados a fingir que não viam.
O desejo de ter esse tipo de poder fluía por cada parte do seu olhar, fazendo o ouro de seus olhos faiscar.
— Tentei te mostrar como respeitar Nivaria do jeito certo — Maali carregava no sorriso uma careta feroz. Os olhos dele brilhavam, inflamados por um brilho que Oz não lembrava de ter visto antes Uma fúria honesta que deixava Maali vulnerável. — Mas se eu preciso te mostrar do que um nivariano é feito quebrando a tua cara, não vejo problema nenhum.
Ele era mesmo mais forte do que Oz esperava. Prendendo uma perna contra o quadril de Oz, Maali girou os dois para ficar por cima, armando um soco que morreu no meio do caminho.
A marca no rosto dele não era culpa sua. O roxo se espalhava pelo canto da boca de Oz em um formato peculiar demais para que Maali, tão atento aos detalhes, não pudesse adivinhar o culpado. Sempre teve a impressão de que o líder Farkas tratava aquele anel com mais distinção do que parecia ser capaz de tratar a maior parte das criaturas.
Pelo que via agora, isso se aplicava à sua própria família.
Devagar, baixou a mão, pronto para perguntar o que tinha acontecido, mesmo que já pudesse adivinhar o motivo. Foi interrompido pelo som agudo e urgente de uma sirene. Como se tivessem surgido do nada, uma revoada de pássaros-engrenagem tomou o céu nivariano, espalhando a mesma mensagem repetidas vezes.
Ataque fronteiriço categoria quatro em andamento. Pedimos aos cidadãos nivarianos para que busquem o abrigo mais próximo.
Continua…
No próximo capítulo… Ataque fronteiriço categoria quatro parece realmente um problema. Segundo os treinamentos nivarianos, apenas monges são capacitados a enfrentá-lo. Acham que Oz e Yan deviam procurar abrigo?
O Capítulo 32 — Faíscas chega em 15 de novembro às 12h!
Ei, vizinho! Não esquece de me acompanhar nas outras redes! 💫
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