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đŸ’« Pontes Imortais ― Capítulo 26

Cinza como geada

Chegou a sexta-feira e com ela: a paz mundial, o alinhamento dos planetas, a abertura do VĂłrtex com capĂ­tulo novo de #novelpi!!!

No Ășltimo capĂ­tulo
 Yan nos revelou algumas coisinhas: detalhes da casa que divide com a mĂŁe e o irmĂŁo, informação climĂĄtica e botĂąnica sobre Nivaria, sua crush em Maali e um pouco sobre seu prĂłprio complexo de deus. TambĂ©m descobrimos como ele e Shu se conheceram! 

Hoje, vamos caminhar para um lugar ainda mais frio. Coloquem as luvas e protejam as orelhinhas, porque vamos subir o Espinho de Cristal e descobrir a Cidadela da Neve Eterna, o lugar mais climaticamente insalubre de Nivaria!

MĂșsica-tema do capĂ­tulo: Alchemise, Kerli (sigam a playlist oficial Pontes Imortais #2 no Spotify!

Capítulo 26 — Cinza como geada

Nivaria, dois anos antes da queda da Cidade

Havia uma pequena cabana quase no pico de Espinho de Cristal. Na maior parte do tempo, as nuvens densas apagavam-lhe a existĂȘncia de tal forma que os juniores do monastĂ©rio quase nĂŁo pensavam sobre ela, absorvidos por suas obrigaçÔes cotidianas. 

Porém, não importa o quão profunda seja a meditação, ou o quão concentrados estejam nos treinamentos de caça, uma explosão é algo impossível de não ouvir.

Uma revoada de pĂĄssaros-engrenagem se espalhou pelo cĂ©u pĂșrpura. Os sons de suas asas reverberando contra a cordilheira fazia parecer que um grande exĂ©rcito se aproximava. 

— SĂȘnior Tyr
 — Maali escutou um dos juniores falar mesmo antes de abrir os olhos. 

Do PĂĄtio PacĂ­fico eles tinham plena visĂŁo daquela cabana — uma estrutura discreta, cujo telhado inclinado impedia o acĂșmulo da neve. À primeira vista, o lugar sĂł poderia ser acessado por uma escadaria estreita de onde se via, pelo lado esquerdo, um abismo profundo que terminava no vĂłrtex. 

VĂĄrias unidades de detecção jĂĄ sobrevoam a casinha: pequenos insetos de carapaça dura, verde brilhante, que eram os olhos e ouvidos das torres de vigia na Cidadela da Neve Eterna. 

— Deve ser apenas mais um incidente do apotecĂĄrio — Maali disse, a voz pouco mais que um sussurro. Deu ao grupo um curto perĂ­odo de vantagem, o rosto inclinado para o lado como se esperasse ouvir algo. EntĂŁo assentiu. — EstĂĄ tudo bem. Sabem dizer a razĂŁo? 

A mĂŁo de uma jovem se ergueu no fundo. As faixas azuis enfeitando-lhe os cabelos em um penteado intricado, embora discreto, enfatizavam que estava aterrada ao gĂȘnero feminino naquele momento. 

— O Manual informa que o alarme de segurança da Cidadela tem o tempo de dez segundos para ser acionado em casos de emergĂȘncia — ela cantarolou, sorrindo satisfeita quando Maali assentiu, concordando. 

— Portanto, estĂĄ tudo bem — ele reafirmou, sua voz puxando de volta a atenção de alguns jovens que ainda espiavam a cabana sobre o ombro. Delicadas linguetas de fumaça escapavam pelas frestas da janela, mas nĂŁo havia sinal de fogo. — Vamos recomeçar a meditação. 

NĂŁo se atreveram a reclamar, apesar de algumas caretas discretas. Em termos de disciplina, nenhum monge era tĂŁo implacĂĄvel quanto Tyr Maali. 

Maali havia chegado Ă  Cidadela quando sequer completara cem anos, e ao contrĂĄrio da maioria dos filhos de lĂ­deres, que eram rigorosamente educados pelos monges para entĂŁo voltar ao convĂ­vio social, o rapaz fincou raĂ­zes no terreno pedregoso das montanhas, sem esmorecer. 

Aquelas cordilheiras eram bem pouco gentis e as obrigaçÔes de um monge, espinhosas. O territĂłrio certo para embarreirar a magia perigosa com que havia nascido. 

— Monge Tyr — escutou alguĂ©m chamĂĄ-lo assim que saiu do PĂĄtio PacĂ­fico, depois de dispensar a turma. Reconheceu a silhueta de Mestre Inua mesmo Ă  contraluz, as muitas tranças em seus cabelos, enfeitadas por fitilhos cor de areia, contando a histĂłria de sua coragem. 

— Mestre
 — O rapaz se aproximou, saudando-o com uma reverĂȘncia profunda, a mĂŁo direita sobre o peito. 

— Seus seniores precisam de vocĂȘ na Praça da Ordem — Inua disse, deixando escapar um suspiro e uma risada breve que confundiram Maali. — Mal começamos nossas atividades e as coisas estĂŁo agitadas! Eu resolveria por mim mesmo, mas o lĂ­der Tyr solicitou a minha presença no Distrito ainda hoje. 

A menção ao nome do pai capturou um pouco mais da atenção de Maali, embora tenha tomado cuidado para nĂŁo parecer interessado demais — que Ă© como um monge digno deveria agir. 

— Seus pais estĂŁo bem — Inua garantiu. Aqueles olhos da cor da primeira geada pareciam capazes de perscrutar a alma de qualquer um. — E o seu jovem amigo curandeiro tambĂ©m — acrescentou com uma gentileza afiada que fez Maali desviar o olhar por um momento. — É um compromisso de lideranças, apenas. 

— Pode ir em paz, Mestre. Eu ajudo meus seniores no que for necessĂĄrio. 

SĂł depois que o Mestre se afastou Ă© que Maali deixou os ombros relaxarem um pouco. Yan
 Fazia um tempo que nĂŁo se viam. Da prĂłxima vez que tivesse permissĂŁo para descer ao Distrito, nĂŁo poderia esquecer das peles macias que tinha curtido e amaciado para presenteĂĄ-lo. As mĂŁos de Yan eram habilidosas para a costura, entĂŁo poderia transformĂĄ-las em roupas macias para ele e o irmĂŁo. 

Maali abanou a cabeça para retomar o rumo dos pensamentos. Atravessou o corredor atĂ© desembocar no jardim interno. A redoma de vidro ao redor do lugar mantinha o clima agradavelmente morno e permitia que gotas-da-neve florescessem nos canteiros: florezinhas brancas, miĂșdas e carnosas, em formato de sino. O aspecto inofensivo escondia as grandes fofoqueiras que eram: gotas-da-neve costumavam registrar pedaços de conversas e propagĂĄ-las por aĂ­. O jardim, como muitos lugares da Cidadela, tambĂ©m era um convite ao silĂȘncio. 

Mas nĂŁo agora. 

Elas repetiam o som da explosĂŁo e gritos breves — provavelmente dos monges que estavam por ali no momento. Aos poucos, risadas eram acrescentadas aos barulhos porque agora alguns juniores ao redor pareciam estar se divertindo com a situação. Viraria um ciclo sem fim. 

— Devo supor que os professores de vocĂȘs pediram uma avaliação detalhada do funcionamento dessas flores — comentou, fazendo o grupinho se dispersar quase de imediato, feito passarinhos ao avistarem um predador. 

Realmente as coisas estavam agitadas.



— Soube que o velho se explodiu de novo? 

A pergunta atingiu Maali assim que colocou os pĂ©s na Praça da Ordem. Encarou Denali, que se debruçava sobre a mesa de trabalho. Se apostas fossem permitidas na vida monĂĄstica, Maali apostaria que Denali estava esperando que aparecesse. O sorriso discreto em seu rosto gordo de pele escura era denĂșncia o bastante.

— VocĂȘ devia ter mais respeito pelo monge Yura — Maali redarguiu, incomodado. 

— O que falei de errado? Ele Ă© velho e ele se explodiu. — Denali balançou os cachos e riu. Nunca mudava as fitas em seus cabelos: vermelhas, para que soubessem que nĂŁo se aterrara a gĂȘnero nenhum.

Diante de Denali, protegido por uma redoma de vidro, o protĂłtipo de um autĂŽmato recebia os Ășltimos ajustes. Pelas dimensĂ”es, Maali supĂŽs que seria usado em transferĂȘncias comerciais: atravessar a ponte que ligava Nivaria e Farkas era um desafio e tanto. Garantir que os suprimentos comprados dos farkasianos chegariam inteiros na Cidade era um projeto em constante otimização entre os monges-tĂ©cnicos. 

Observou em silĂȘncio aquele balĂ©: os sensores conectados Ă  mĂŁo de Denali serviam para que a mĂŁo mecĂąnica dentro da redoma replicasse seus movimentos. A tecnologia nivariana era feita parte de material de MinĂ©ria, parte de material extraĂ­do do vĂłrtex. InstĂĄvel demais, portanto, para ser manuseado de mĂŁos nuas. 

Um dia, Maali tambĂ©m seria um monge-tĂ©cnico. O primeiro passo estava dado: finalmente tinha acesso Ă  Praça da Ordem. O salĂŁo, escavado na montanha, era a central de inteligĂȘncia de Nivaria. Os projetos mais importantes ficavam todos ali, registrados na CĂ©lula Matriz: a esfera dourada no centro do salĂŁo, do tamanho de um punho, protegida por um conjunto complexo de amuletos — runas semelhantes Ă quelas escarificadas nos corpos de todos os monges. 

NĂŁo era como se nĂŁo acreditassem em magia. Como poderiam, se Niva lhes dava provas de sua existĂȘncia desde sempre? Mas em uma terra onde a magia falhava tanto, era sempre bom ter uma saĂ­da de emergĂȘncia. Ou muitas. 

Nas outras Cidades, acreditava-se que a tecnologia tinha sido a dĂĄdiva de Niva para ajudar os nivarianos a desbravar aquelas terras, mas estavam enganados: o conhecimento, sim, era a verdadeira dĂĄdiva de Niva.

— O que aconteceu? — Maali questionou assim que teve certeza de que Denali havia concluĂ­do o prĂłprio trabalho. 

— Algum tipo de aperfeiçoamento pra bateria dos mĂłdulos de atração — Denali comentou, espiando Maali pelo canto dos olhos. — O velho Yura Ă© um gĂȘnio e como todo gĂȘnio, Ă© meio tonto Ă s vezes. Fez uma bagunça naquele laboratĂłrio claudicante dele. Consegue subir atĂ© lĂĄ e dar uma ajuda? 

Os segundos de hesitação antes do “sim” fizeram Denali lembrar-se daquele detalhe: o jovem Tyr tinha pavor de altura; o que quase era hilĂĄrio, considerando-se onde moravam. 

— Pode usar o elevador interno. — Denali revirou os olhos com bom humor. — Mas vai ter que abrir as janelas daquele casebrinho pra espantar o mau-cheiro. Quem sabe agora o Mestre Inua concorda com o meu ponto sobre nĂŁo fazer sentido um laboratĂłrio tĂŁo importante estar pendurado na beira do abismo. 

— Os seniores dizem
 

— Que Ă© uma lembrança de que a tecnologia nivariana pode fazer o impossĂ­vel, coisa e tal, coisa e tal — Denali resmungou, tirando os sensores da mĂŁo um por um. — Eu conheço a ladainha, garoto, cheguei aqui quando vocĂȘ era sĂł um filhote de raposa. A verdade Ă© que nem o Mestre Inua consegue lidar com aquele velho maluco Ă s vezes e construir uma casa na beira do nada dĂĄ menos dor de cabeça. Agora xĂŽ que eu tenho um relatĂłrio pra fazer. 

As portas do elevador estavam terminando de fechar quando Denali se lembrou de um detalhe que gritou para Maali ali mesmo da bancada. 

— Ficou sabendo que Silki tocou o terror lá em Banjora?

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Chegar em Nivaria sĂł nĂŁo era tĂŁo desafiador quanto atravessar o Deserto. A ponte espiralada descia em direção ao vĂłrtex. Quanto mais perto de Nivaria, mais fortes eram os ventos, fazendo a estrutura inteira balançar, rangendo promessas de mau agouro. E havia sempre o risco do ataque de um Fronteiriço — que sĂł era minimizado mais perto da Cidade, onde havia as torres de vigia dos monges, especialistas em caça. 

É claro que KuĂ­ nĂŁo via o menor propĂłsito em fazer sua linda Ópera atravessar aquela aberração por dias quando poderia resolver o assunto de um jeito mais simples. 

Com um suspiro dramĂĄtico, ajeitou a capa de pele que usava sobre os ombros. NĂŁo trouxera suas cobras consigo. Que maldade seria submeter suas queridinhas Ă quele gelo sem fim. Confortava-lhe saber que ambas estavam protegidas e aquecidas na Ópera. Em seguida, guardou o relĂłgio de bolso junto ao peito e ajustou o cantil de couro ao redor de si. 

DeixĂĄ-lo na entrada de Nivaria era o mĂĄximo que sua adorada relĂ­quia poderia fazer. Mesmo a magia dos Imortais tinha seus limites naquela estranha parte do mundo. Pobre Niva
 Sempre foi mesmo um coitadinho em comparação aos irmĂŁos. 

O barulho de asinhas chamou a atenção de KuĂ­. NĂŁo demorou para que tivesse um besourinho voando ao seu redor, a carapaça metĂĄlica refletindo o verde mais bonito que jĂĄ tinha visto. 

“Por favor, identifique-se” a criaturinha repetia em uma voz pretensamente gentil. Era adorĂĄvel. 

— Sou o senhor Instrutor da Ópera, meu bem — disse, como se nĂŁo soubesse que aquela criatura era tudo, menos orgĂąnica. — KuĂ­. 

Em pouco tempo, outra criatura mais majestosa se aproximou: assemelhava-se a um alce-montanhĂȘs, mas os chifres faziam uma curva graciosa para os lados em lugar de crescerem para cima, e o corpo era quase todo feito de partes metĂĄlicas. Em comparação Ă s dimensĂ”es do animal, KuĂ­ parado diante dele parecia insignificante.

Uma nivariana montava o animal. Suas longas orelhas de coelho misturavam-se ao cabelo escuro, caindo-lhe diante do busto — as pontas enfeitadas por uma batelada de fitilhos azuis. Se a neve ao redor evocava a agudez do metal afiado, seus olhos eram como mel quente misturado a cachaça.

— Fez boa viagem, Senhor Instrutor? — ela questionou, inclinando-se para tocar de leve no focinho alongado do alce, acalmando-o com o mesmo carinho que teria por um animal completamente orgĂąnico. — Sou a monja Apudi. 

— Certamente mais agradĂĄvel do meu jeito do que da forma tradicional, monja, embora eu ainda esteja congelando mesmo assim. Suponho que vocĂȘ seja a minha guia.

Assentindo, a monja ofereceu a mĂŁo enluvada para KuĂ­, puxando-o para subir na montaria numa mistura de força e delicadeza surpreendentes. O alce pateou, escavando a neve alta e, sob o comando da mulher, deu meia-volta. Os farois em seus olhos perfuraram a neblina densa, conduzindo-os em segurança atĂ© o Distrito. Por mais de uma vez, KuĂ­ pensou ver outro daqueles insetos mecĂąnicos sobrevoando-os pelo caminho, fazendo as vezes de atentos vigias. 

A escuridĂŁo jĂĄ começava a devorar o cĂ©u rĂșbido da cidade, pintando-o com grandes manchas vermelho-azuladas. Por quanto tempo aquela escuridĂŁo pairaria pela Cidade era um mistĂ©rio que sĂł os Imortais poderiam responder. Nivaria poderia mergulhar na escuridĂŁo por umas poucas horas ou por muitos dias.

Apudi marchou por um conjunto de construçÔes idĂȘnticas: grandes casas redondas cujos tetos de vidro rebaixados tinham o formato de um cone. Em Nivaria, as ruas se organizavam em conjuntos circulares que seguiam a mesma estrutura espiralada do vĂłrtex, repetindo-se a intervalos regulares — uma visĂŁo magnĂ­fica quando se olhava de cima. No final de cada uma dessas espirais ficava um dos prĂ©dios principais da Cidade. Aquele em que Apudi acabara de deixar KuĂ­ era o centro comunitĂĄrio. 

LĂĄ dentro, aquecidos pelo forno que brotava do centro da construção, esperavam por ele Mestre Inua e alguns lĂ­deres de clĂŁ. 

— Espero nĂŁo tĂȘ-los feito esperar muito — KuĂ­ disse Ă  guisa de boa-noite tĂŁo logo entrou. — Em geral, me orgulho da minha pontualidade
 

— O tempo funciona de outra forma deste lado do mundo, Senhor Instrutor — Mestre Inua explicou. Mantinha os braços cruzados diante do peito, espiando o diplomata Ă  distĂąncia enquanto os lĂ­deres iam cumprimentĂĄ-lo pessoalmente. 

— Oh, sim! É sĂł uma mancha na minha reputação, mas vou conseguir lidar com o assunto — KuĂ­ respondeu, o calor delicado do forno devolvendo-lhe muito do bom-humor. — E por falar em assuntos
 

O diplomata sentou-se em uma das cadeiras confortáveis, cobertas com pele macia. O grupo se espalhou ao seu redor, deixando diante dele o líder Tyr — um nivariano pequeno, cujas escuras orelhas de raposa combinavam com seu rosto de ossos delicados e maçãs altas.

A cauda felpuda se enroscava delicadamente atrĂĄs dele.  

— As notĂ­cias chegam fragmentadas por aqui, Senhor Instrutor — disse. NĂŁo pela primeira vez, KuĂ­ pensou que ele tinha a voz de um passarinho. — Mas estamos cientes de que alguma coisa aconteceu em Banjora
 

Ajeitando a barra da tĂșnica pesada, KuĂ­ assentiu com a cabeça. 

— VocĂȘs sabem o quanto os banjorianos se orgulham dos pomares deles, especialmente os pĂ©s de jambo que crescem por todo o lado na cidade — começou a falar, recebendo das mĂŁos do lĂ­der mais prĂłximo um corno cor de marfim repleto de chĂĄ perfumado. — Um deles em especial, aquele que fica nos jardins suspensos da Cidade, dĂĄ frutos uma vez por ano. Fruto — corrigiu, brindando os lĂ­deres com alguns segundos de seu silĂȘncio enquanto bebericava o chĂĄ. 

— A oferenda de Silki. — Dos fundos, Mestre Inua acompanhava o relato com um interesse austero. Conhecia a histĂłria sobre o fruto dourado que era exclusividade daquele Imortal. 

Silki Unhas-de-Agulha era o protetor de Banjora — e provavelmente o mais instĂĄvel entre os cinco Imortais. A magia tĂȘxtil da Cidade quase a equiparava em importĂąncia com Farkas, mas o caos que Silki era capaz de criar deixava-os seriamente fragilizados. 

— Exato. — KuĂ­ sorriu. — E se o jambo de Silki tem o mesmo gosto aveludado que os seus irmĂŁos menos nobres, sĂł duas criaturas no mundo sĂŁo capazes de dizer
 

— Duas? — LĂ­der Tyr questionou, confuso. 

— Ah, sim. Silki, Ă© claro. E a criatura que roubou a oferenda deste ano e deixou uma rĂ©plica pintada com tinta no lugar. 

Dessa vez o silĂȘncio nĂŁo era constrangido, mas escandalizado. Mesmo Mestre Inua desfez a postura fechada, aproximando-se com os lĂĄbios crispados de espanto. 

— A oferenda de um Imortal foi roubada

— E desde entĂŁo a magia tĂȘxtil de Banjora virou um completo pandemĂŽnio. Os fios se quebram, as roupas desmancham antes mesmo de serem vestidas, os guerreiros nĂŁo podem confiar nas peças criadas para sua proteção. — O sorriso de KuĂ­ finalmente desapareceu. Ele, melhor do que ninguĂ©m, era capaz de reconhecer em que ponto os sorrisos precisavam morrer. — Acidentes com teares jĂĄ começam a exigir que curandeiros estrangeiros se desloquem para a Cidade. 

— Se houver algo que possamos fazer
 — Uma lĂ­der, cujos cabelos grisalhos estavam apinhados de tranças, tomou a palavra e os demais concordaram com gestos enfĂĄticos. 

— HĂĄ sim, lĂ­der Han. — KuĂ­ se inclinou na direção deles, batucando as unhas curtas contra a superfĂ­cie do chifre em suas mĂŁos. — E Ă© por isso que estou aqui. O lĂ­der Farkas pede a permissĂŁo de vocĂȘs para que uma comitiva venha atĂ© Nivaria. Ele acha, e eu concordo, que o tempo de confiar apenas na magia para manter as Cidades funcionando em ordem jĂĄ passou. Nenhum outro lugar pode nos orientar melhor nessa guinada do que os nivarianos. 

— O lĂ­der Farkas Ă© sempre bem-vindo em Nivaria — a lĂ­der Han garantiu, olhando de soslaio para o lĂ­der Tyr, que concordou em silĂȘncio. — Especialmente quando se trata de um assunto tĂŁo crĂ­tico. 

— Podem me emprestar alguma de suas maravilhosas mĂĄquinas para enviar o recado? — KuĂ­ pediu. — Devo permanecer aqui e estender nossa conversa com os detalhes que tenho em mĂŁos atĂ© que todos cheguem. 

O encontro durou pelo tempo de alimentarem KuĂ­ com o potente caldo de pimenta, legumes e ossos que ajudava qualquer visitante a se aclimatar ao inflexĂ­vel ambiente nivariano, e escutarem algumas amenidades sobre as outras Cidades que porventura nĂŁo tivessem alcançado as fronteiras de Nivaria. 

Exceto nos dias de comemoração, aquela Cidade tinha regras bastante rĂ­gidas sobre o momento de dormir e acordar — e especialmente sobre os momentos para trabalhar e aqueles para dedicar aos familiares. KuĂ­ nĂŁo os prenderia por mais tempo que o necessĂĄrio e teceu elogios Ă  casinha onde ficaria, tĂŁo aconchegante que ele quase se arrependeu de nĂŁo ter trazido suas queridas cobras consigo. 

Finalmente sozinho, tirou de uma das mangas uma peça limpa de roupa para trocar apĂłs o banho. Caminhando atĂ© a janela arredondada, abriu o vidro e fez uma caretinha quando o vento gelado estapeou suas bochechas. 

Tirou o cantil, esvaziando o lĂ­quido cor de anis do lado de fora da casa. 

— VocĂȘ sabe o que fazer — sussurrou para o silĂȘncio gelado e escuro do lado de fora.

Continua


Nossa, sem Oz e sem Shu! Acho que este foi o capĂ­tulo mais silencioso que jĂĄ tivemos nesta novel!

No prĂłximo capĂ­tulo
 Acabou a paz! A comitiva farkasiana desce a ponte atĂ© Nivaria e os monges sĂŁo enviados ao Distrito para atuar na recepção dos convidados. Junto com eles, um certo curandeiro e seu novo amigo lagarto-falante devem aparecer por lĂĄ!

O Capítulo 27 — Cores contra a neve chega em 04 de outubro às 12h!

Ei, vizinho! NĂŁo esquece de me acompanhar nas outras redes! đŸ’«

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